O fato de Mikhael não ter encontrado Maria antes foi por ela estar fora da vila, estava visitado alguns parentes em uma fazenda. Logo descobriu que ela morava bem perto de sua casa, todas as tardes ela passava em frente para ir até a feira. Desta forma houve bastante facilidade para que ele se aproximasse dela cada dia mais.
Por outro lado a amizade entre Mikhael e Mateus se distanciava a cada dia, já não era frequente ver os dois juntos, parecia que o feitiço havia soltado suas rédeas, Mikhael sentia total liberdade em se aproximar daquela que julgava ser seu grande amor, Mateus parecia ter feito alguns amigos em suas saídas noturnas, viviam como mortais comuns, e estavam percebendo isso.
Em uma das raras vezes que se encontravam tocaram no assunto.
- Linda garota aquela! - Disse Mateus, surpreendendo o amigo que olhava pela janela.
Mikhael lançou um breve olhar para ele, fez um discreto sinal, como se estivesse concordando e voltou a olhar a rua deserta. Estava anoitecendo e ele tentava encontrar alguma estrela no céu escuro. O outro quis continuar a conversa.
- Como se sente ao estar com ela?
- Por que pergunta? - Retrucou Mikhael.
- É que ultimamente estamos nos portando de maneira diferente, parece que nos foi devolvida a liberdade. E digo isso não só por mim, vejo você com aquela garota e noto que não se sente culpado ou com medo de ir até ela; nunca aconteceu isto antes. Mesmo que eu não sentisse a liberdade que sinto, veria que ela está presente em você, e me pergunto: O que foi que fizemos para que isto acontecesse?
- Eu também ando me fazendo a mesma pergunta. Quando estou com Maria, pouco me importo com o que deve ter acontecido, mas quando estou só me preocupo com o que pode acontecer.
- O que acha que devemos fazer? - Perguntou Mateus apresentando um olhar de incerteza.
- Por que me pergunta isto? - Replicou, e olhando nos olhos, continuou: - Você sempre soube o que fazer. Jamais precisou que eu lhe guiasse e nunca ouviu meus conselhos. Agora, mesmo se eu desejasse lhe dar uma resposta, não a teria.
- O que pretende fazer? - Perguntou novamente.
- Vou voltar a viver. Durante anos eu vaguei por este mundo em busca de uma razão que justificasse minha existência, agora, se me foi concedido uma nova chance, vou me agarrar a ela; vou tentar viver da melhor maneira. E você, o que pretende?
- Não tenho para onde ir. Se estou realmente livre, não sei o que fazer. Tantos anos preso pelo destino, sendo conduzido por um guia invisível; é estranho não sentir mais aquele sentimento que nos levava por pelos caminhos da vida.
O garoto estava realmente confuso.
- Você já deve ter se esquecido o que é ser livre! - Sorriu de uma maneira embaraçosa.
Mikhael não podia negar que se encontrava na mesma situação, a diferença era que ele havia encontrado algo a que se agarrar. Não se preocupava muito quanto ao preço que iria pagar, a única coisa que desejava naqueles dias era ser livre; se isto lhe aconteceu, ele apenas agradecia ao responsável por isso.
Mas como todos sabem que tudo tem seu preço, Mateus se preocupava.
- Será que voltamos a ser mortais?
A pergunta soou nos ouvidos de Mikhael com um certo tom de medo, ele sempre soube que seu amigo havia se adaptado a aquela vida; de certa forma vivia bem, mas agora temia pelo seu futuro.
A pergunta ficou sem resposta, pois Mikhael, como ele, não saberia responder.
Mateus abaixou seus olhos em uma leve melancolia e saiu, podia se ver claramente que não se sentia feliz por aquela mudança, a incerteza o martirizava.
Maria logo apareceu na janela, o cumprimentou e notou que no interior da casa Mateus andava de um lado para outro impaciente, então perguntou o que estava acontecendo:
- Vocês discutiram?
- Não. - Disse ele. - Tudo está bem entre nós, o problema é com ele mesmo. Sua vida mudou e ele não está contente com isso.
- E não há nada que se possa fazer?
- Não.
Em seguida saíram, Mikhael não queria continuar o assunto, logo teria que entrar em detalhes e a conversa poderia se tornar desagradável. Caminharam até que se encontraram fora da vila, estavam em uma parte do campo onde podiam ver todo o lugar, se sentaram em baixo de uma árvore e começaram a falar de outras coisas. Maria falava sobre sua infância, passou toda a vida naqueles campos vivendo em fazendas, cuidando de criações e lavouras com sua família. Dizia adorar aquela vida. Mikhael ouvia atentamente sua companheira, porém quase não falava de si, uma atitude sensata, sabendo que teria que medir rigorosamente cada palavra.
Após terminar sua história Maria perguntou:
- De onde vocês vieram?
- Viemos de lugares diferentes. - Explicou ele. - Eu venho de uma terra muito distante, é desconhecida para muitos, vaguei durante tanto tempo pelo mundo que hoje não saberia te dizer para que lado fica este lugar. Quanto a Mateus, eu não sei ao certo, como eu, ele viveu em muitos lugares.
- Isso quer dizer que vão partir novamente?
A garota apresentou um ar de tristeza, parecia que aquelas palavras lhe diziam que não o veria por muito tempo. Mikhael se sentiu feliz ao ver que a garota desejava sua permanência, então explicou:
- Por muito tempo nós estivemos presos por algo mais forte que nós, não tínhamos escolha, não havia razão para continuar em lugar algum, somente nos restava seguir os caminhos que a vida nos permitia.
A garota parecia não entender muito do que ele falava. Ele notou que estava confusa, mas tentou ser o mais vago possível, gostaria de fazê-la entender que não havia mais motivos para fugir, então continuou:
- Por alguma razão, hoje estamos livres, para mim isto é uma conquista, mas Mateus ainda não se habituou.
- Se estavam presos, como você diz; ele deveria estar feliz, afinal não há nada mais precioso quarto a liberdade.
Maria sabia que ele não queria lhe contar com detalhes sua história, mas gostaria de, ao menos, entendê-la. Porém não havia explicação sensata em uma prisão sem grades e um homem infeliz por ser livre. Então ele resolveu encerrar o assunto ao dizer:
- O destino nos forçou durante muito tempo a seguir caminhos que não desejávamos, no entanto nos dava algo em troca; não me importo em perder isto, porque tenho coisas mais importantes em minha vida. Porém era a única coisa que Mateus possuía, esta é a razão de sua tristeza.
Em seguida trocaram olhares por alguns segundos, Mikhael via em seu olhar a mesma personalidade que admirava há anos atrás; para ela parecia algo novo, a emoção que sentia não se comparava a nenhuma outra que sentira antes, algo que a fascinava e fazia seu coração disparar.
Mikhael sentiu algo familiar naquela cena, mas previa que as coisas aconteceriam de forma diferente, não se sentia inibido. Aquele momento nunca chegou a ser um desejo, pois não imaginava que pudesse ir além de um sonho. Sendo realidade, ele sabia que se tratava de uma nova chance, e não pretendia esperar nem mais um dia.
O silêncio de Maria ao lançar um olhar penetrante lhe pareceu o pedido de um beijo, e não hesitou; curvou-se lentamente em sua direção e deu-lhe um beijo, de maneira que o fez lembrar o seu primeiro.
Mais tarde a deixou em casa. Apesar de sua ansiedade, ele controlava suas emoções, sabia que talvez não teria mais todo o tempo do mundo aos seus pés, porém se alegrava pelo fato de sua espera ter chegado ao fim.
Ao chegar em casa não encontrou Mateus, havia saído, se sentiu preocupado por um instante, porém sabia que não tinha motivos. Já estava quase anoitecendo, o cansaço o fez deitar bem cedo.
No dia seguinte o raiar do sol se mostrou mais brilhante, aquele dia seria totalmente diferente. Por muito tempo ele acordou para uma manhã sem motivos para acordar, naquele dia não; fez planos, pretendia arranjar um trabalho, futuramente formar uma família e viver uma vida que, por muito tempo, sentia ter perdido. Um pensamento logo lhe veio a cabeça: "Durante todos os anos que vivi, apenas aprendi o verdadeiro valor das coisas simples da vida, coisas que, entre milhares, poucos consideram tão importantes".
VOCÊ ESTÁ LENDO
Quem quer viver para sempre?
AdventureEm uma época em que a terra era o símbolo do poder absoluto, a ambição de alguns homens se tornava a razão de inúmeras guerras. Em meio às atrocidades surgiu um povo destemido com a esperança de uma vida melhor, e entre eles um homem seguiu por cami...