CAPÍTULO 4: SOZINHO

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"Que a minha própria solidão me acompanhe.
Que eu me sinta como se fosse pleno de tudo."

CLARICE LISPECTOR
- adaptado

Um banho era tudo o que eu precisava.

O dia no colégio fora muito além de exaustivo: um martírio que parecia inacabável. Minha mente estava a um milhão por hora. Relaxar não era mais uma opção, era necessário.

Pouco depois de acalmar os músculos com a água que eu havia esquentado no fogão, vestir meu casaco verde-escuro, um calção preto leve e, nos pés, meias, fiz jus ao meu antigo costume de tomar chá olhando a rua da janela do meu quarto. De alguma forma - de uma estranha forma -, aquilo me acalmava. Ver o movimento no bairro diminuir a medida em que as horas se passavam e a luz do sol dava lugar à escuridão e às baixas temperaturas da noite fazia eu me sentir um pouco melhor. Era como se todos aqueles que pudessem me atingir de alguma maneira, sumissem; como se eu ganhasse a liberdade de caminhar pela rua sem me preocupar com os olhares rotineiros, que geralmente diziam: "Lá vai o filho do bêbado!".

Era o paraíso.

Eu era amante da solidão e do silêncio; da paz e da serenidade que só a ausência de ruídos humanos poderia oferecer. E uma das razões para tamanha satisfação era o fato de que Victor continuara fora de casa. Pelo que sabia dele e de suas provocações indevidas à cirrose, decerto não voltaria mais àquela hora da noite.

E eu nunca fiz questão de sua presença.

O dia seguinte começara com um grito de liberdade: "Esqueça o colégio por hoje!". Ao menos eu poderia me dar a esse luxo. Haviam algumas vantagens em ter boas notas e ser constantemente elogiado pelos professores, vantagens essas que iam muito além da fama pouco glamurosa de nerd e virgem. Aliás, nunca entendi exatamente a razão em discriminar pessoas por causa de sua inteligência ou particularidades sexuais. Ignorando por alguns segundos o politicamente correto, não seriam os ignorantes a serem as grandes vítimas da exclusão?

Tudo estava ao contrário naquela porra de lugar.

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