CAPITULO 6: BÁLSAMO

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      Com os braços apoiados no batente da janela do meu quarto, reclinei meu rosto sobre eles. Era satisfatório ver o amanhecer. O degradê do preto com o azul-claro ainda tímido no horizonte surgira antes mesmo do próprio sol; o vento frio batia em meu rosto e bagunçava meus cabelos, enquanto adentrava em meus ouvidos a relaxante canção entoada pelos passarinhos; esses que se faziam presentes nas ruas primeiro do que qualquer pessoa. Em tudo havia sincronia, delicadeza, força. Mamãe e eu gostávamos de acordar cedo para ver o nascer do dia. Tínhamos uma visão privilegiada do céu em nosso bairro, mas era ainda melhor apreciá-lo da janela do meu quarto. Sempre que seguiamos o nosso ritual do nascer do sol, Vivian deixava eu repousar minha cabeça sobre seu ombro enquanto acariciava meus cabelos e girava seus dedos entre as ondas abertas que se formavam neles. Não sabia de onde vinha tanta paixão pelo sol, mas lá estava ela. A pele amarelada, a temperatura na medida certa... A última vez em que seguimos essa rotina, acabei dormindo ao seu lado. Quando retornei do mundo do sono, ela já não estava mais lá. Tinha ido embora sem se despedir.

      Me pareceu um jeito bem covarde de abandonar alguém.

      Como não haviam mais ombros onde eu pudesse descansar, depois de contemplar o amanhecer, voltei para a cama imaginando — e até voltando a desejar — a vida que sempre sonhei quando mais novo. Queria ter tido a oportunidade de crescer em um ambiente menos conturbado, sem as brigas e discussões de Victor e Vivian para me atormentar e trazer confusões à minha jovem mente. Às vezes, em momentos aleatórios, onde os meus pensamentos pareciam perdidos em um labirinto de ideias, a insaciável curiosidade batia em minha porta e me trazia questões que eu, sem hesitar, daria qualquer coisa para conhecer as respostas: o que os meus pais viram um no outro para se casarem e terem um filho, sendo que, segundo mamãe, ambos praticamente não se suportavam desde a época da faculdade?

      Era um mistério longe de ser explicado.

      Vivian me contou que Victor nunca esteve interessado em um título ou de ser um homem de sucesso. Sua presença na faculdade se resumia em encontrá-la às escondidas no intervalo entre as aulas, coisa que ela, é claro, não se opunha. Quando estavam finalmente juntos e prontos para praticar seus deleites libertinos, estranhamente, as brigas tomavam conta dos diálogos, os quais, em um passe de mágica, se transformavam em discussões. Não tinha lógica! A complexidade dos adultos era tão surpreendente que, de tanto pensar, voltei a dormir novamente. Poucos minutos se passaram até que o despertador me arrastasse com voracidade da imaculada cidade dos sonhos em que eu vivia.

      Era hora de encarar a vida real.

      Ao me levantar daquilo que eu ainda nomeava como cama, mas que mal conseguia suportar meu peso sem cambalear para os lados, vejo as horas no celular.

      Atrasado, de novo.

      Desta vez, antes de sair, o alvo da minha investigação forense não era a velha e sofrida porta da frente, mas sim o quarto onde Victor e Vivian dormiam quando casados. Estava vazio. Fiz uma ronda por todos os outros cômodos, mas não encontrei nem o maldito e tampouco vestígios de sua estadia. Ele, desde o dia em que me torturou, não havia dado as caras. Sinal perigo para mim. Algo de muito ruim havia acontecido ou iria se anunciar como um desastre iminente. Justamente por isso, fiquei em extremo alerta para tudo e todos que costumavam estar ao meu redor. Alguém como Victor era capaz arrumar confusão em qualquer lugar que estivesse.

      Era como um hábito repetir a mim mesmo que se eu não quissese me ferrar, o melhor a fazer seria fugir. Fugir como se minha vida dependesse disso. E dependia! Com Eric e seu grupo de marionetes não seria diferente: evitá-los era uma prioridade para mim a qualquer hora. Mas naquele dia, algo havia mudado. Dentro de mim, ascendeu-se um intenso espírito de confiança; a certeza de que o ciclo de assédio físico e moral caminhava para um fim era cada vez mais forte em meu coração. O momento era de se sobressair à opressão. Eu não poderia mais permitir que pessoas que nada tinham a ver comigo influenciassem na maneira como me enxergo ou nas minhas atitudes. Não tinha que viver às sombras do medo.

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