CAPÍTULO 13: CONFRONTO #4 | A mãe

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"Seu destino é traçado pelos seus próprios pensamentos, não por alguma força de fora.

MARTIN LUTHER KING

      Sheila Rossi havia telefonado para mim. Fazia um tempo desde nossa primeira e última conversa. Aliás, não me orgulhava muito de ter ido embora e a deixado falando sozinha aquele dia. Estranhei o contato repentino. Eu sequer dei o meu número a ela.

      Do outro lado, a psicóloga disse que ficou sabendo e lamentou o que aconteceu. E só então eu descobri a razão de ter sentido que Oscar era alguém familiar para mim: ele era o ex-noivo de Sheila, o homem de cabelos longos ao qual ela mencionara em nosso encontro, que sempre a tratou como um mero objeto de desejo. Foi coincidência Victor e ele se conhecerem. Ela pareceu feliz com a previsão do advogado de acusação de que o ex pegaria de vinte e cinco a trinta anos de prisão quando o julgamento acontecesse.

      Foi um alívio saber disso.

      Eufórica, acrescentou ainda que soube notícias de mamãe. Fiquei surpreso. Lia nunca conhecera Vivian pessoalmente. Apenas me lembrava de ter mencionado seu nome enquanto conversámos. "Ela vai voltar hoje!", disse a mulher, sem querer explicar muita coisa ou permitir que eu questionasse.

      Me restou acreditar.

      Em um estalar de dedos, uma bomba de ansiedade dilacerou as barreiras do meu corpo. As resistências que construí durante aqueles últimos meses foram à lona. Apesar de ser estranho pensar em revê-la depois de tanto tempo, estava curioso para ouvir as palavras que sairíam da boca de Vivian, se é que voltaria mesmo. Depois de um pai alcoólatra e abusador de menores, estava inquieto com o que viria desta nova mãe. Me senti neutro sobre meus sentimentos. Foram-se quase dois anos desde que ela decidiu refazer sua vida longe de mim. Ouvir seu nome mais próximo depois de tantos meses fez eu me sentir confuso, como se estivesse vendado no meio de um labirinto cheio de armadilhas.

      Eu só queria entender por que. Por que não me atendia? E minhas mensagens... por que nunca respondeu? Por que me ignorou todo esse tempo? Por que foi embora de repente? Por que só agora decidiu voltar?

      Ah, eram tantas as duvidas!

      Aquele seria um domingo como um outro qualquer: eu iria me banhar, vestir meu agasalho favorito, tomaria chá observando da janela o sol se pondo e criticaria a mim mesmo por essa droga de melancolia exagerada. Havia voltado para minha casa depois de três semanas morando com Isaac. Por ser uma cena de crime, interditaram o imóvel até que concluíssem as apurações. Não havia muito o que ser investigado, já que Oscar foi pego em flagrante.

      Isaac, no dia em que me ajudou, reacendeu o convite para que eu trabalhasse em sua padaria, ainda que fosse em algo que não exigisse muito esforço. Diante de tudo o que havia acontecido e da falta de dinheiro batendo à minha porta, não estava em condições de recusar a ajuda.

      Ficava fácil prever as ações das pessoas quando se conhecia em detalhes o seu modo de agir. Mamãe era jornalista, quase uma investigadora. Saberia como encontrar algo e alguém nas mais desafiadoras condições. Eu, entretanto, não agi. Deixei que ela viesse até mim e, simples como despejar um balde d'água numa piscina, derramasse aos meus pés as suas justificativas. Apenas esperei pacientemente no lugar onde ela sabia que eu estaria: em nossa casa; a velharia que ela abandonou e sequer cogitou retornar para me ver.

      Bem-vinda de volta, mãe.

      No alto gramado, a luz alaranjada do sol refletia em minha pele. Notei meu coração acelerar de repente, embora meu semblante continuasse sereno. Pressionando as mãos contra o peito, tentei acalmar aquelas batidas frenéticas, mas falhei. Ouvi ruídos. Alguém se aproximava a curtos passos. Continuei de costas, mas corrigi rapidamente a postura. Eu sabia que era ela. O perfume doce, meio lascivo, que contaminara repentinamente o ar e rasgava as minhas narinas, era inconfundível. Uma mão repousou leve sobre o meu ombro. Era como uma folha no outono que, depois de seu tempo de beleza, se despedia calmamente de suas irmãs e descansava sobre o solo, aguardando o seu seguinte destino de secura. Senti uma dor na boca do estômago, que logo se alastrou para o resto de mim. Minhas pernas perderam a força de repente e senti como se fosse ir à lona. Àquela altura, eu lutava contra mim mesmo a fim de descobrir se teria forças para encará-la como um dia eu o fizera.

O Peso do PensarOnde histórias criam vida. Descubra agora