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Estava meio escuro lá dentro, ainda que o sol não houvesse sumido por completo no horizonte. Eu ouvia gritos enquanto arrastava a cadeira marrom-escura para o meio do meu quarto. Entre xingamentos e ameaças, a palavra divórcio surgiu. Silêncio. Mais silêncio. A porta bateu. Bateu tão forte quanto o meu coração o fazia. Fui até a janela, meio que por impulso, e vi mamãe andando esbaforida pela calçada. Logo atrás, segurando fielmente a sua garrafa de cerveja, o marido. Não pretendi continuar imaginando a razão daquela briga, mesmo porque eu já tinha entendido que eles eram incompatíveis como casal.
Abandonei a vista e voltei minha atenção para dentro. O que eu estava prestes a fazer era bem mais importante. Andei em direção ao assento de madeira e deixei em cima dele a corda que estava enrolada em meu ombro. Respirei fundo. Um, dois, três... Eu sabia como fazer boas amarras. Acampei uma vez na Reserva Florestal de Lelton; foi lá onde aprendi algumas técnicas de como montar uma tenda para dormir.
Tinha tudo o que precisava comigo.
Mãos trêmulas, suor e frio na barriga. Quatro, cinco, seis... Agarrei a corda, desta vez, tentei com mais firmeza, como se ela fosse um troféu precioso o qual eu jamais poderia deixar escapar, e subi na cadeira, amarrando-a em uma ripa grossa do telhado.
Era a hora.
Não havia mais nada a perder. Depois do iminente anúncio de separação entre os meus pais, da dor e os hematomas espalhados por todo o meu corpo, aquilo era, de certa forma, bem mais luxuoso. Sem qualquer motivo aparente, naquele dia mais cedo, na saída do colégio, aqueles filhos da puta me seguiram sem que eu notasse, me levaram a um lugar deserto, amarraram minhas pernas e braços a um tronco de árvore e me espancaram com pontapés e socos até que, como uma fonte de água em uma praça pública, o sangue jorrasse pela minha boca. Nem sabia como tinha saído de lá vivo.
Mas isso logo seria resolvido.
Eu já não tinha mais brilho. Tudo o que sempre considerei simples se tornou absurdamente complicado. Fazer a janta, lavar a louça ou escrever, coisas que, em outros tempos, eu faria de olhos fechados, se transformaram em catapultas que me lançavam em um lugar escuro, triste e frio.
E eu permanecia por meses no breu.
Durante anos, fui condenado a viver unicamente a fim de camuflar os meus sentimentos, e sorrir, como se tudo fosse ridículo de tão perfeito. A experimentar, em suas formas mais grotescas, o assédio moral e físico no colégio; a sobreviver àquele ambiente intragável que se tornou a minha casa. E no fim do dia, eu deveria apenas me conformar com a ideia de que não era forte o suficiente para arrebentar as malditas correntes que me aprisionavam àqueles males. Estava exausto de carregar tamanho fardo em meus ombros sem ao menos ter um objetivo. Não tinha ideia do que aconteceria em um futuro a longo prazo, assim como desconhecia o que poderia acontecer no dia seguinte. Eu estava certo em tentar me matar de uma vez, ou quem sabe eu preferisse continuar definhando no escuro do meu quarto. Iria acabar tudo igual mesmo. Só queria que terminasse de uma vez.
Viver, ou melhor, sobreviver, estava insuportável.
Deixei de lado as terríveis lembranças e me virei para a porta, de modo que a luz mediana que vinha da janela atrás de mim atravessasse timidamente as brechas em torno do meu corpo e desenhasse sua silhueta. Terminei de ajustar a corda ao pescoço. Contemplei pela última vez aquele cenário: o papel de parede antigo, quase sem cor, a cama em seus últimos suspiros, a cômoda de três gavetas ao seu lado... Eu já não pensava em muita coisa, só em acabar com toda aquela merda. Não importava o quanto fosse doer ou o tempo que levaria até que eu morresse. Eu finalmente havia tomado a decisão, aquela que adiei por tanto tempo.
Estar em um mundo onde o meu destino se resumiria em ser prisioneiro da minha própria covardia não poderia ser chamado de vida.
Eu finalmente saberia o que era ser livre.
Mas a porta se abriu.

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O Peso do Pensar
Novela JuvenilA mente humana é um mundo repleto de impulsos inexplicáveis. Julian Avilla, de dezessete anos, sabe bem disso. Em seu enfraquecido psicológico, ele carrega as marcas de um terrível mal: a depressão. Desde criança, o garoto sofreu com a forte e agres...