Um recomeço

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Passo meus olhos pelo aeroporto de Tallinn, apenas para confirmar o que já sei, que o lugar é incrível. Se eu estivesse ali em outra situação, provavelmente passaria o dia indo em cada portão para ver suas inúmeras possibilidades de lazer, mesmo já tendo uma ideia de quais são. No momento que a Estónia se tornou o meu destino e com o intuito de ocupar minha cabeça, fiz uma pesquisa minuciosa no senhor google para juntar o máximo de informações e me preparar para essa nova vida.

Vou para o lado oposto da minha chegada, em direção ao meio de transporte mais barato: o autocarro. A viagem é rápida, mas isso não me impede de admirar a arquitetura do lugar. O ar medieval traz um romantismo perfeito, dá para imaginar casais passeando de mãos dadas naquela paisagem tomada pela neve ou cavaleiros de armadura aparecendo em uma rua qualquer. Fico ainda mais surpresa pela capital do país quase não ser conhecida. Apesar do inverno rigoroso e a minha aversão ao tempo frio, diga-se de passagem que as batidas do meu queixo não melhora a situação (infelizmente mesmo com todas as roupas que cobrem meu corpo não estou vestida devidamente para os -6°C que o termômetro marca), a beleza do lugar é incontestável. Depois de 15 minutos chego no local indicado pelo papel que tenho em mãos.

O Medieval, restaurante que vou trabalhar, fica localizado no centro histórico. O prédio é um antigo casarão que não possui energia, mas tem um quarto disponível, que me foi cedido gentilmente pelos donos.

Depois de ter guardado os poucos pertences que trouxe em seus devidos lugares, vou em direção a cozinha para conversar com os meus empregadores, que a partir de hoje serão também minha nova família.

Agradeço mentalmente por saber falar alemão e não só o básico inglês.

Noto que a família Maripuu é composta por três integrantes: Eha, Jaan e Hillar. O último, um jovem alto, magro e com nariz adunco me observa fixamente, todo interesse que ele demonstra estar sentindo por mim começa a me deixar sem graça. Cruzo meus braços sobre os seios e me coloco a balançar a cabeça de forma mecânica, após cada palavra que saí da boca dos pais do garoto.

- Fomos instruídos a te colocar na limpeza. Você não está aqui para chamar atenção e ficar entre os funcionários que estão lidando diretamente com os clientes te deixará muito exposta. Pode limpar o chão antes do expediente e quando abrirmos, pratos, talheres e canecas serão de sua responsabilidade. - Eha se mostra extremamente rígida, enquanto fala seu rosto se mantém livre de qualquer expressão. Concordo mais uma vez com um simples balançar de cabeça, assim como ela, não quero demonstrar nenhuma reação e sei que se abrir a boca meu nervosismo vai ficar aparente. Esse não é meu mundo. Nunca fiz qualquer trabalho doméstico, por mais simples que seja.

- Qualquer dúvida pode falar com o meu filho Hillar, ele não vai excitar em te ajudar. - A voz de Jaan é serena, com um sorriso tímido no rosto ele tenta me passar a sensação de ter sido acolhida, diferente de sua esposa.

- Obrigada, falo com ele sim. Mais alguma coisa?

- Não, por enquanto é só isso - Jaar responde mais uma vez, sem deixar brecha para Eha falar algo. Observo a boca da mulher se fechar em uma linha rígida, pela primeira vez na noite demonstra algo, seu descontentamento.

- Então vou dormir, preciso descansar um pouco, a viagem foi extremamente cansativa. Boa noite! - digo saindo do cômodo.

Segundos depois ouço passos atrás de mim, antes que eu possa me virar uma mão segura meu braço.

- Kaja Kovalev?

- Sim, esse é o meu nome. - Meus olhos encontram os do garoto e como antes ele continua me encarando, em uma tentativa de ler cada expressão minha, só então percebo que o que ele sente é curiosidade.

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