Guarda Vidas

"...caixinha de surpresas..."

Twitter: ISBB5H

Narração: Camila

Palm Beach – Flórida – 10:02

A vida nunca falha em me surpreender.

Muitas foram as vezes em que assentada na cadeira principal de um camarote eu tive que assistir minha vida virar de cabeça para baixo. Testemunhar as coisas ao meu redor mudarem completamente de perspectiva da noite para o dia.

E quando eu acredito que já estou apta o bastante para prever as próximas cartadas do jogo, surge então um trunfo, um golpe radical e certeiro que deturpa a configuração à qual eu já havia me acostumado.

Foi assim durante a minha adolescência.

Foi assim quando cheguei à Miami trajando nada mais do que a minha singela e humilde vontade de continuar a existir (o que hoje percebo ser tão diferente de "viver") e acabei por conhecer Normani, a bela mulata que devolveu a cor aos meus dias.

Foi assim quando fazendo justamente uma das mais desinteressantes coisas que faço de melhor, nadar, que conheci a profissão que deu propósito à minha batalha interna.

Foi assim no dia em que indo cobrir um turno que nem ao menos era o meu e salvando mais uma vida que seria tragicamente perdida para o mar, conheci Lauren, a mulher que compensou a falta de afeto do resto do mundo comigo.

Foi assim há dois dias, quando ao passar pelo corredor do meu apartamento, encontrei minha namorada declarando as palavras mais bonitas e reconfortantes que eu já ouvi. Dela, de todos, de qualquer um... "Eu não tenho medo de quem você foi ou do que você fez e deixou de fazer." E isso me devolveu a vontade de acreditar. O desejo de crer em dias melhores e em mim mesma outra vez. Talvez, somente talvez, eu consiga ser feliz afinal de contas. Plenamente feliz, eu quero dizer.

E é por essas e outras que eu digo e repito... A vida nunca falha em me surpreender.

As quatro janelas estavam abertas e o ágil trafegar constante fazia com que o vento invadisse o interior do veículo desavergonhado. A urgência da brisa vinda dos quatro cantos preenchia, completava e inundava, e a sensação era a de que meu corpo levitava carregado pela força invisível.

Ao fundo a suave melodia de "Honeymoon Avenue" ressoava na mesma medida em que todo o meu corpo, involuntariamente, reagia às batidas delicadas. Meus dedos sendo estalados em ritmo articulado. Minhas pernas cruzadas acima do estofado, meus braços balançando devagar a frente do meu tronco, meus olhos fechados, nariz levemente franzido e meu lábio inferior refém de uma mordida fraca. Com essa postura eu desfrutava da harmonia e dava sentido à letra que formava uma espécie de poesia até muito coerente com um antigo tema de debate interno.

"You're saying - baby, don't worry - but we're still going the wrong way", aumentei a pressão em minha mordida após sussurrar o verso e tomei fôlego para o segundo assim que o elegi. "Stuck in the same old lane and going the wrong way home". Um dos meus braços que ainda se sacudia no ar foi parado em um movimento fraco e levado para repousar em minha coxa. Era Lauren pedindo por atenção. Minha morena agora tinha a mão entrelaçada a minha e fazia carinhos como podia com o polegar.

Sorri e abri os olhos buscando-a ao meu lado. A encontrei suspirando, mas ainda muito atenta à estrada. Seus belos lábios vermelhos estavam entreabertos, suas bochechas rosadas suspensas e convertidas em um sorriso largo e os negros fios de cabelo voando com rebeldia. A visão do paraíso, eu diria. – Preciosa. – Eu disse e esperei pela minha recompensa na forma de uma gargalhada tímida que não demorou a vir. – Eu te amo.