Capítulo 1

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Eu nunca fui de falar demais. No geral, eu era a pessoa mais calada da turma: só respondia quando me chamavam e, caso isso não acontecesse, afundava a cara nos livros de Augusto Cury. Era algo terapêutico, me relaxava e me fazia esquecer que existia uma vida fora dali. Já havia me acostumado com essa situação, tinha sido assim por anos. Felizmente, já estava quase alcançando o último ano e isso me aliviava de uma forma que ninguém conseguia entender. Tudo o que conseguia pensar era em sair logo daquele colégio e entrar em uma boa faculdade. Pensava em seguir um futuro brilhante, mesmo não tendo decidido ainda qual curso iria fazer.

Era segunda-feira. A luz do sol entrava pela fresta superior da cortina que se balançava suavemente com a pequena abertura da janela que deixei para dormir melhor. Acordei com o despertador tocando, assustada por causa do barulho, e rapidamente me levantei para calçar os chinelos e descer para tomar café. A minha rotina de manhã era sempre a mesma, desde o ensino fundamental: acordar, descer as escadas para tomar o café da manhã, apressada por causa da hora, levantar, colocar o uniforme e calçar o All Star preto de couro e tentar em vão disciplinar os meus cabelos.

Não sou uma dessas garotas do Ensino Médio que se arrumam até demais para ir ao colégio. Sempre apostei em um lápis de olho e acessórios como anéis e colares, até porque são simples e não gosto de chamar muita atenção. Bonita eu até sou, pelo que dizem, mesmo eu não me vendo assim.

Estávamos apenas no terceiro mês de aula e eu já não aguentava mais olhar para os mesmos rostos cheios de mal humor, para os cabelos cacheados mal alisados das minhas colegas e da falta de paciência dos professores, cansados de responderem as mesmas dúvidas dos alunos. O sinal do primeiro horário bateu e fui até o meu escaninho para pegar o material dos horários seguintes.

Elisa é a minha melhor amiga desde a primeira série. Uma amizade que passou por tantas coisas e até hoje está aí, firme e forte. Ela fez questão de me acompanhar até o escaninho, enquanto no caminho ia me contando uma coisa ou outra que ficou sabendo. 

No caminho de volta para a sala, sem querer me esbarrei com o garoto pelo qual tenho uma queda, ou melhor, um abismo, desde o ano passado. Quatrocentos e vinte dias se passaram desde o que dia que percebi que não era simplesmente uma queda e até então ele nem notou que criei sentimentos por ele. Eu também evitei ao máximo demonstrar, considerando a minha timidez e seu alto status pela escola: o melhor jogador de basquete do colégio e do estado. Não haverá um dia em que ele olhará para mim, uma simples garota que faz covers de bandas desconhecidas e fascinada em uma máquina de escrever. 

– Desculpa, Victor.

– Desculpa. Foi culpa minha – ele disse, me olhando nos olhos de uma forma sincera e, por incrível que pareça, humilde. – Clarissa, não é?

– Isso. Enfim, foi sem querer. Devo olhar melhor por onde ando.

– Está tudo bem, Clarissa. Esses corredores, como você já percebeu, são muitos estreitos. Mudando totalmente de assunto, você mudou alguma coisa em você? Sei lá, tá diferente.

– Não mudei nada, não. Deve ser o jeito que o meu cabelo está repartido.

– Nunca havia reparado nele antes.

– Eu sei. Você com certeza tem coisas melhores para reparar.

– Não seja boba. Não gosto que me vejam como esse tipo de cara.

– E que tipo de cara você é?

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