"Você verá, e para isso basta esperar! Verá que todo amor que lhe dediquei, por tanto tempo, poderia ser a cura para suas dores, e o alivio para as feridas da vida."
Por duas semanas quase que totalmente apaguei Valentina de meus pensamentos, em parte porque foram dias cheios de outras preocupações, e em parte porque apenas tinha visto ela uma vez. Não sei qual das opções é a melhor explicação, mas o fato é que ela praticamente sumiu de minha mente, e quando reapareceu, isso por duas, ou três vezes foi simplesmente por alguns minutos, logo algo a varria de meus pensamentos. Até que seu nome apareceu novamente em uma conversa, novamente dito de forma displicente por um garoto ao meu redor. Ele falou algo sobre apesar de ela ser uma garota legal, quase nunca dava muito papo para ele, e seus amigos, e que com certeza ele ficaria com ela se ela fosse mais acessível. Quase que institivamente olhei para ele, era um garoto de dezesseis anos, tinha um rosto gentil, e cabelos propositalmente desarrumados, não era uma presença constante em nosso grupo, mas ocasionalmente aparecia, atendia pele nome de Gustavo. Por um minuto olhei para ele, e pensei que ele não deveria nem mesmo ter uma chance com ela, pois uma garota como ela merecia um cara que soubesse realmente cuidar dela, e que era quase um insulto que um moleque pudesse pensar nela dessa forma. No minuto seguinte me repreendi por pensar tais coisas, afinal eu não a conhecia, e não sabia quase nada sobre ela. Eles bem podiam já ter tido algo, ou mesmo de alguma forma, por mais estranho que me parecesse ainda poderiam ter, e isso não seria de minha conta. Alguns dos garotos confirmaram que também ficariam com ela, mas ela era das mais difíceis que conheciam. Eu não externei minha opinião, já que era de conhecimento geral que eu não a conhecia, mas gostei de ouvir que ela não era do tipo de garota fácil.
Nosso grupo de amigos sempre foi muito diversificado quanto a idades, indo desde os quinze anos, até trinta anos, no caso eu que estava chegando lá, e sempre nos reuníamos para conversar, jogar um pouco de futebol, e andar de skate nas horas vagas. Os assuntos eram de interesse de todos, então nunca houve isso de conflitos de gerações, ou problemas pelas idades. As namoradas, irmãs e primas também se juntavam a nós, quer fosse para nos assistir jogar, ou para participar das conversas, eram sempre tardes animadas de final de semana, para descontrair do trabalho durante a semana. Eu havia me afastado por alguns meses por conta de um trabalho no maravilhoso Estado de Santa Catarina, e foi quando o primo dela, Lúcio, se juntou ao nosso grupo, e ela passou a aparecer algumas vezes com ele, e por isso eu não a conhecia até aquele dia.
No domingo seguinte lá estávamos nós novamente conversando enquanto alguns garotos faziam suas manobras na pista de skate, quando vi uma imagem se formando ao longe, e logo ficou claro que era Valentina que vinha chegando. Logo se aproximou, cumprimentou a todos que conhecia, e a mim, com um pouco de receio. Até então não tínhamos conversado, e para falar a verdade eu não sabia como começar essa conversa, mas o destino, ou a sorte, escolha você ai, deu uma forcinha, quando o Lúcio se dirigiu a ela.
- Prima, o Nicholas é escritor de romance. Você gosta dessas coisas né?
-Aposto que ela gosta desses romances americanos, os best-sellers. – Eu disse tentando parecer natural – Não tenho certeza se o que escrevo é tão atrativo.
- Na verdade eu gosto de ler de tudo um pouco. Adoraria ler o que você escreve. Onde posso comprar?
-Eu te dou alguma coisa para ler, você não vai achar minhas histórias para comprar.
-Beleza, eu vou cobrar.
Nós ficamos ainda conversando sobre livros, e coisas mais filosóficas do que praticas, por algum tempo, até o pessoal decidir que estava chato demais ficar ali, e resolver ir a lanchonete fazer um lanche. Era hora de almoço, e confesso que eu teria preferido almoçar, mas certo que seria voto vencido. Então os acompanhei, não por me sentir atraído pelos lanches engordurados, ou pelo cheiro de óleo velho que vinha da lanchonete próxima, mas por sentir atraído pela garota que era minha interlocutora. Sem duvida ela era uma boa leitora de romance, isso até então apenas me baseando no modo que ela falava sobre si, sobre os livros, e sobre a vida, pois havia algo especial em seu modo calmo, um pouco arrogante de falar, mas também um jeito especial de romantizar as coisas sem exagero. Não confunda o ato de romantizar, com o ato amoroso, mas entenda com o ver beleza nas palavras, nas coisas, e nas atitudes, sem esperar que o oculto mostre que a verdade é mais obscura que a capa apresentada. Havia um ar de ingenuidade consciente nela também, e isso me encantava a cada momento. Era nosso primeiro verdadeiro encontro, pelo menos a primeira vez que trocamos algumas palavras, ou muitas no caso, e agora pensando naquele momento vejo que ali eu deveria ter parado, e dito a mim mesmo que não devia embarcar em sentimentos mais profundos. No entanto também percebo que eu jamais teria feito isso, não sendo quem sou, com esse orgulho que sinto de ser quem sou, e do que produzo com meu talento. Meus escritos sempre foram o que de melhor eu podia oferecer ao mundo, e sempre amei ter o dom de transformar palavras desconexas em historias que encantassem as pessoas. O reconhecimento de minha inteligência, e de meu talento sempre me fez muito bem, e eu adoro receber elogios.
No final da tarde ela me deu seu numero de celular, antes que eu pedisse, assim como sem cerimonia pegou meu aparelho, e ligou para ela, para assim gravar o meu no dela. Despedimo-nos com a minha promessa que enviaria meus trabalhos para ela ler. Durante a noite pensei muito em nossa conversa, e como era fácil conversar com alguém como ela, mas perto da meia noite me obriguei a dormir, pois na manhã seguinte iria pegar o voo rumo a Minas Gerais, para um encontro de autores. Esses eram os momentos que eu mais gostava de minha vida, quando podia estar com pessoas mais inteligente que eu, e ter a chance de discutir, e aprender com eles sobre literatura, filosofia, e narrativa. E eu estava empolgado para chegar lá rapidamente.
Cheguei a Belo Horizonte um pouco depois do almoço, o aeroporto não estava cheio, então não tive problemas para encontrar meu amigo Narciso, que estava a me aguardar. Ele era responsável pela organização desses eventos em diversas cidades do Brasil, e tínhamos nos conhecido há cinco anos antes, quando eu estava começando a escrever meu primeiro romance a sério, foi ele me ajudou e orientou em muitos aspectos, apesar de ambos termos a mesma idade, ele já tinha muito mais experiência no campo editorial, e sua ajuda foi providencial para que eu conseguisse lançar "Do outro lado do Rio". E desde então participo dos eventos para novos autores, que Narciso organiza com enorme orgulho. Ele lançou seu primeiro livro aos catorze anos, um romance adolescente que vendeu nada menos que cem mil copias no primeiro ano, e ainda figura nas prateleiras de muitas livrarias, com um sucesso de vendas. De lá para cá ele lançou mais seis livros, todos com um sucesso estrondoso de vendas e criticas, mas sempre que algum de seus amigos comenta sobre isso, ele diz: "Você sabe que a maioria foi comprada por papai". Fazendo uso de seu bom humor, e ao fato do pai ter financiado a tiragem inicial do seu primeiro romance, e de sua família ser dona de uma cadeia de livrarias na região sudeste do país. Mas todos sabem que esses fatos não influenciaram tanto, pois ele tem um enorme talento, e um carisma incrível. E acredite que no campo editorial carisma muitas vezes vem antes de talento, ou financiamento. Quis Deus que ele tivesse a união de todos de forma abundante. Confesso que em questão de carisma tenho que me esforçar um pouco, sorrisos a todo instante, suportar conversas pouco interessantes, não são o meu forte.
Somos para o apartamento que ele alugava na cidade, sua família era natural de Contagem, mas ele gostava de ter um lugar na capital para poder escrever em alguns momentos, e receber amigos. Éramos muito amigos, e eu me sentia em casa ali, então fui para o quarto de hospedes para me tomar um banho, antes de sairmos para comer alguma coisa antes do evento. Quando sai do banho antes de me vestir percebi que tinha uma mensagem em meu celular. Era de Valentina.
"Sabia que ia tentar me enrolar... Ainda estou esperando o livro".
"Desculpe-me! Eu te falei que iria viajar hoje, estou em Minas, mas não esqueci, pedi para o Carlos te entregar o livro, ele deve pegar hoje na minha casa, e passar para você."
"Assim não vale, eu quero que você me entregue. Esse foi o combinado"
"Volto amanhã! Pode me encontrar no parque no começo da noite?"
"Sou uma moça de família, o que vou fazer no parque a noite?"
"Brincadeira, eu posso sim..." – Ela mandou em seguida, me aliviando do peso da culpa de ter sido inconveniente.
"Ufa! Ainda bem... Às 19h então."
"Combinado"
O Parque era o meu lugar favorito do bairro, e era bem movimentado no começo da noite, pelos corredores e esportistas de fim de tarde. Os dias estavam agradáveis, e seria bom pegar um pouco de ar após o retorno da viagem. Eu poderia ter dito para ela passar em minha casa, ou que deixaria o livro na dela, mas queria ter a chance de conversar com ela sem ter que dividir a atenção com o pessoal. O erro tinha começado, mesmo que não percebesse no momento, eu estava me apaixonando por Valentina, por tudo que eu imaginava que poderíamos viver. Eu estava me apaixonando por um sonho. Tão clichê de escritor, chega dar vergonha.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Beijo de Outono [Completa]
Short StoryE se um amor lhe fosse negado? Se a única garota que realmente fez seu coração bater mais forte, fosse aquela que não te quisesse? Nicholas Cavalieri, já tinha conquistado muito de seus desejos, aos trinta anos, inclusive algumas boas história...