"No começo tive medo, agora estou apavorado, sei lá acho que é assim mesmo quando aquilo que você mais ama, é também o que mais lhe é negado."
Quando cheguei ao parque, algumas pessoas caminhavam por ali, outros se exercitavam em alguns aparelhos instalados pela prefeitura, eram os esportistas de fim de tarde. Aquelas pessoas que após um dia cheio de afazeres em seus trabalhos, tentavam encontrar um pouco de alivio por meio dos exercícios físicos, eu nunca fui um adepto desta pratica, embora tenha cogitado diversas vezes adotar uma vida mais regrada, em todas elas acabava por desistir, devido a correria de minha vida. É claro que Valentina não estava entre eles, na verdade, ela nem mesmo tinha chegado ao local marcado, e eu sem ter o fazer por ali fiquei observando uma garotinha que acompanhada da mãe brincava na areia da velha e disputada quadra de futebol, mas que naquele momento estava vazia.
Quase dez minutos depois tirei minha atenção dos frequentadores do parque, e vi os contornos de uma garota se formando ao longe, não demorou em eu a reconhecer como sendo Valentina. Ela estava linda, apesar de estar vestida de modo comum, e com seus cabelos presos. Ao me alcançar retirou os fones dos ouvidos, e deu um sorriso, se desculpando pelos quase quinze minutos de atraso, eu apenas disse que não fazia mal, pois tinha me atrasado também, era uma mentira, mas ela nunca saberia que eu havia chegado dez minutos antes. Ocupamos uma mesinha próxima ao parquinho, algumas crianças brincavam ali, mas nada que atrapalhasse nossa conversa. Ela quis saber sobre a reunião de autores, e sobre como funcionava, e eu contei tudo para ela, desde as maluquices que apenas escritores podiam entender, até as coisas mais incríveis para qualquer ser humano, como a oportunidade de conhecer detalhadamente os personagens de um livro que será lançado no próximo mês, e que está sendo muito aguardado pelos leitores e críticos. Ela era muito curiosa, e quis saber sobre meu novo trabalho, porque segundo ela, mesmo eu não tendo comentado que estava trabalhando em algo, era obvio que eu estava. Claro que confirmei que sim, apesar de ainda ser quase uma ideia ganhando forma, um pouco mais de dez paginas escritas. Ela adorou a ideia de um livro sobre uma garota órfã e meio desajustada, que escreve seus pensamentos sombrios em um diário online, que é seguido por milhares de pessoas, inclusive seus colegas de colégio, que não desconfiam que seja ela a autora. Mas ficou decepcionada quando eu admiti que não fosse verdade, e que eu apesar de reconhecer o valor dos clichês, jamais escreveria algo tão obvio assim. E para compensa-la contei a verdadeira história de "Caixa de Saudades", um romance narrando à história de um homem de meia idade que relembra sua vida, e amores enquanto de prepara para levar sua filha ao altar, para se casar com o cara que ao ver dele era uma escolha certa demais para dar certo. Pois baseado em sua experiência de vida, ele considera que um amor para dar certo precisa de três básicas: Aceitar as falhas do outro, correr riscos pela relação, e admitir que você comete erros. Seu futuro genro é o tipo de pessoa em quem não se acha erros, jamais precisou correr risco por nada, e está longe de admitir que sua filha possa errar. Ou seja, esse casamento não tem como dar certo, pelo menos é o que Alberto Gogh, o personagem principal acha, e partindo desse principio começa a relembrar os amores que viveu, e os usa para embasar sua teoria do fracasso iminente do casamento da filha.
Aquela conversa estava incrivelmente centrada em mim, o que me incomodou, afinal eu a tinha convidado para conhecê-la melhor, então pedi que ela falasse um pouco dela. Apesar de um pouco receosa ela começou a falar de si mesma, de como achava estranho muitas coisas no mundo, principalmente os garotos que sempre eram muito bobos, e infantis com suas cantadas ridículas, eles sempre pensavam que ela se interessaria por eles, caso soubesse de como eles eram incríveis no uso de partes de seus corpos que ela não tinha qualquer interesse. Isso a cansava muito, e apenas pude lamentar pela idiotice desses garotos, ela disse que não era minha culpa, e mudou de assunto, falando de sua família, e de sua ligação com seu irmão menor, esse era sem duvida um assunto que ela gostava de falar, pois quando mencionava o irmão seus olhos brilhavam, aquilo era o mais puro amor fraterno, uma das coisas que autores através dos séculos apenas podiam ensaiar descrever com perfeição.
O meu estomago começou a dar sinais de que precisava ser abastecido, na ansiedade tinha me esquecido de comer algo além do lanche servido no voo de volta para São Paulo, e agora meu corpo implorava pelos nutrientes que começavam a faltar, eu sempre fui fraco em questão de sentir fome, e era muito prudente de minha parte procurar algo para me alimentar, então a convidei para jantarmos em algum restaurante do bairro, mas ela declinou ao convite, disse que estava ficando tarde, e que seus pais ficariam preocupados, um argumento forte, ou uma forma de se livrar rapidamente do convite, não me importei na hora, apenas disse que a acompanharia até sua casa, o que ela aceitou. Quando íamos saindo do parque me dei conta que até então não tinha entregado o livro a ela, isso porque esbarrei a mão em um corredor, e tomei consciência de que o livro estava nela. Passei o livro para ela que olhou atentamente, e elogiou a capa, e disse que começaria a ler naquela mesma noite, agradeci pelo elogio, e mentalmente agradeci aos céus, por ser um exemplar da terceira edição do livro, pois a capa da primeira edição tinha caído em meu desgosto dias após o lançamento, mas eu amava a capa da segunda, e da terceira edição, ambas feitas por um amigo designer de Curitiba, então tive certeza que o elogio era verdadeiro. Três quadras depois do parque nos despedimos, em frente a casa de sua família, sem muito drama, apenas um abraço simples, que deixou seu perfume em mim, e um desejo de boa leitura, e que ela gostasse de "Do outro lado do Rio".
Rumei para a parte comercial do bairro, para comer alguma coisa antes de retornar para casa, e lá encontrei Gustavo, acompanhado de uma garota ruiva, ele a apresentou pelo nome de Lorena, e trocamos algumas palavras enquanto a garota se mantinha um pouco afastada. Ele tinha passado pelo parque e me visto conversando com a Valentina, e quis saber se estava rolando algo entre a gente, eu disse que não, nada além de amizade, ele ficou aliviado, e deixou escapar que estava interessado nela de verdade, o que deixou sua acompanhante claramente contrariada. Eu não o repreendi por estar com uma garota, e falar de outra daquela forma, afinal não era de minha conta se ele era um estupido, mas pensei novamente que ele jamais teria uma chance. Apenas esperei passar um minuto, e disse que precisava ir, pois ainda iria jantar, ele não fez caso de continuar a conversa, e nos despedimos.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Beijo de Outono [Completa]
Short StoryE se um amor lhe fosse negado? Se a única garota que realmente fez seu coração bater mais forte, fosse aquela que não te quisesse? Nicholas Cavalieri, já tinha conquistado muito de seus desejos, aos trinta anos, inclusive algumas boas história...