Desafinado

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Um homem entrou no bar, a tiracolo uma bola de pelos emaranhados, com a língua pingando saliva simpaticamente para fora da boca. Parece um cachorro, pensou Stefany.

Caminhou até o balcão, tirou o casaco preto, com os cotovelos muito desgastados, que vestia sobre a camiseta branca amarrotada, jogou-o em uma banqueta ao lado. Na camiseta uma frase, impressa em preto trazia "A vida é muito curta para ficar se lamentando". Uma calça social da mesma cor do casaco, também com os joelhos marcados, porem mais desbotada, cobria as pernas.

- Olá senhor. O que vai ser hoje?

- O que você recomenda? – perguntou o estranho – a especialidade da casa...

- Olha senhor, não coma aqui, é tudo lixo... Mas se quiser arriscar, eu diria que aquele negócio seco e gorduroso que insistimos em chamar de frango frito, talvez seja o que alguns diriam ser a especialidade da casa.

- "Baby", por favor, vai com calma na negatividade – o homem deu um sorriso carregado de pureza, despertando em Stefany um misto de confiança e medo – Pode ser esse frango frito aí. E um leite pra beber.

- Só água de torneira e cerveja sem álcool para quem não

- Não beberei nada, então... Antes que eu me esqueça, querida... Qual seu nome?

- Vou buscar seu pedido, volto em um instante. Chamo-me Stefany – sorriu

Ao fundo o som melancólico da guitarra ecoava pela estrutura acústica no bar, um clima inebriante tomava o local. Uma televisão passava um jornal ou programa esportivo qualquer. O cachorro do homem corria alegremente por entre as mesas, sem se importar.

- Hey, poderia tocar algo menos triste, senhor... Tá um ambiente meio "sad".

- Jô. Pode me chamar de Jô! O que o senhor gostaria de ouvir? – disse o músico polidamente

- Pode me surpreender, mas seja menos triste e mais sincero. OK?

Stefany retornava da cozinha, em passos apressados.

- Aqui, sua refeição – Stefany depositou um prato com três pedaços de frango. Assoprou as pontas dos dedos, queimadas pelo calor do recipiente – O que te traz até aqui?

- Digamos que eu senti algo muito estranho vindo daqui, precisei entrar para conferir. – o homem procurou com o olhar – Aqui Buddy! – Chamou o cachorro para perto de si.

- Algo estranho...

- Pra te explicar melhor, vou te contar uma pequena história, senão for incomodo. – enquanto acariciava e brincava com o cachorro.

Stefany, sem dar muita importância, assentiu com a cabeça para que o homem prosseguisse. Estava acostumada com as histórias dos clientes, quase sempre chatas e sem graça.

- De onde eu venho às coisas são diferentes, Stef. Lá não há a noção de certo ou errado como aqui – olhava para o cão- Um assassino, de onde eu venho, pode ser até chamado de herói –olhou para a garçonete de relance – tudo depende das circunstâncias – olhou para a garçonete novamente, mas dessa vez ficou um tempo – tudo.

Como alguém que escuta um barulho no escuro e corre para ver o que é; Stefany apoiou as mãos no balcão, encarando. Na televisão a chamada do jornal falava sobre um mendigo que fora encontrado morto, e suspeitava-se de assassinato.

- Não possuímos nenhuma forma de entidade superior – segurou as patas do cachorro que estava de costas no chão - nossas crenças baseiam-se em decisões – soltou as patas do cão - Prezamos nosso modo... – levantou a cabeça a divagar -... De vida; acima de qualquer coisa, e damos valor a qualquer vida – aproximando-se da garçonete - Mesmo quando precisamos tirar uma, isto é feito de forma a honrar aquela vida tomada - o homem fez uma pausa - Quer dizer... Será uma vida mal vivida ainda assim uma vida? – reclinou-se na cadeira.

O Pseudo-escritorWhere stories live. Discover now