Desarmado

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Após conseguir transpor a multidão de cabeças entre a saleta do Coelho e o lado de fora; com todas aquelas conversas sem sentido acontecendo ao mesmo tempo, o som alto, o cheiro acre de suor, perfume barato e álcool, enfim estava fora do bar.

- Eu ajudo! – Uma voz soou no meio da algazarra. Markus continuou caminhando.

Algumas pessoas com olhares perdidos passavam por ele se esbarrando, quase caindo, Markus agoniado se desvencilhava procurando uma saída daquele lugar decrépito.

- Eu ajudo! – A voz estava mais perto. Markus continuava seu caminho.

Pôde ver as luzes dos faróis dos carros ao longe, estava chegando à saída quando ouviu pela terceira vez:

- Eu ajudo.

Markus virou-se. Um ser raquítico de olhos estralados e sorriso banguela se aproximou.

- Você saiu da toca. Precisa de ajuda. Eu ajudo – Dizia dando nervosas lambidas nos lábios.

- Não to com paciência. Vá caçar piolhos – Markus voltou-se novamente ao seu caminho.

- Eu ajudo. Quem visita à toca sempre precisa de ajuda. Dá pra mim uma pitadinha e eu ajudo – o homem mordia o lábio inferior arrancando pequenos pedaços de pele e carne, pequena gotículas de sangue também eram visíveis.

Markus sacou a pistola da cintura e ficou admirando por um tempo.

- Não sabia que gostava dela tanto assim. Até não ter mais por perto – mexia a arma em frente ao próprio rosto, analisando nos mínimos detalhes – E eu nunca a usei. Então pare de me encher a blergh com essas baboseiras e vá andando! – Markus guardou a arma e saiu, sem olhar para trás – Matraquento dos infernos!

Em seguida entrou no táxi que estava parado ali perto.

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O vento soprou sorrateiro pelo buraco na parede, que um dia já foi uma janela, desfilou pelo corredor, se dissipou aos poucos pelas portas que já não se fechavam mais dos apartamentos, e enfim quase sem forças alcançou os pés de Markus e subiu por baixo da calça, deslizando por suas pernas acima, deixando seus pelos eriçados. Markus conhecia muito bem o lugar, ficava a poucas quadras de onde morava, mas nem por isso deixava de ser um lugar perigoso.

Estava parado imóvel olhando uma daquelas portas. Um bilhete mal colocado, meio de lado dizia em uma letra mal escrita: Entre sem bater. Sentia seu punho formigar onde havia a cicatriz do chip-comprador, a operação de transmissão de informação a que Coelho o havia submetido tinha sido dolorosa. Enquanto normalmente a cicatriz passava informações para os dispositivos de cobrança, a ferramenta que o homem havia criado invertia os caminhos gerando um curto-circuito leve no chip fazendo confundir-se e receber informações que eram lançadas ao cérebro. Esse pequeno curto em casos extremos poderia gerar queimaduras de segundo grau, no caso de Markus gerou apenas um leve desconforto. A dor real estava no fluxo de informação desordenada chegando ao cérebro, pela quantidade e qualidade das informações recebidas o cérebro confundia-se e ativava os receptores de dor. Coelho havia dito "Algumas pessoas acabam ativando os receptores de prazer, como eu". Arrepios se espalharam pelo seu corpo ao lembrar do homem.

O vento soprou novamente. Markus puxou a maçaneta da porta, que se abriu devagar. Pela fresta aberta Markus só conseguia ver sujeira, pacotes de batata-chips espalhados pelo chão, pedaços de comida já mofados em cima de uma mesinha, louça suja, seringas, papel e manchas vermelhas davam o tom. Escutou um grito de raiva, outro abafado de desespero, e um estrondo de algo caindo pesado ao chão.

O Pseudo-escritorWhere stories live. Discover now