Acontece com as Melhores Famílias

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~narrado por Ashley~
Coloquei o mousse de chocolate na geladeira, depois de lamber a tigela em que eu tinha feito a mistura.
A cozinha estava uma bagunça, mas o que importava era que o jantar estava quase pronto e eu estava feliz com o resultado. Afinal, amava cozinhar, então não era difícil a minha satisfação...
Teri e Lily  estavam lá em cima, fazendo só Deus sabe o que.
Tinha frango na geladeira, então fiz frango grelhado e salada com alface roxa e pepino, deixando os pratos bem fofinhos com o molho agridoce do frango. Cebola caramelizada fez parte do prato também. 
Eu sabia que a Teresa ia cozinhar amanhã, então nem mexi nos marshmallows dela! Senão ela voava no meu joelho. Brincadeira!
Eu adorava o fato de ela ser mais baixa que eu, mas eu também não era tão alta assim... Tinha minha altura desde os 13 anos, então já tava acostumada. Porém minha amiga era quase 10 centímetros mais baixa que eu... É a vida, não é mesmo?
A altura do meu frango já estava boa, digo, o ponto já estava bom! 
Mexi a salada e fui colocando nos pratos, ajeitando bem bonitinho. Coloquei o frango ao lado da salada e o molho do lado dele, com a cebola por cima.
Nessa hora, ouvi os passos das duas, no assoalho da escada, e tirei o avental de joaninha, o pendurando no gancho ao lado da porta para o quintal do fundo.
Tirei o suco de laranja da geladeira, o colocando em três copos e devolvendo a jarra na geladeira. 
Sorri para elas, que entravam na cozinha.
-Hello - falei, pegando dois pratos e levando para a mesa - Teri, traz o outro?
A ruiva assentiu, pegando o prato e levando à altura do nariz, inalando o cheiro do prato.
-O cheiro tá ótimo! - falou, colocando o prato na mesa, enquanto eu voltava na cozinha e pegava os copos, levando dois na mesma mão.
Teri abriu a gaveta para pegar os talheres e os dispôs na mesa.
Lily nos observava, com a cabeça inclinada para a direita.
-Deixou comida pra sua tia? - indagou a ruiva, se sentando.
-Não não, ela vai comer a pizza que tem no congelador - rolei os olhos, irônica - Me cite uma cesta que eu esqueci da dona Maggie.
Teri estirou a língua pra mim, e eu sorri, deixando uma marca de gloss de morango em sua testa.
-Senta aqui, Lily - puxei uma cadeira para trás, indicando com a cabeça.
Lily assentiu e sentou, encarando o prato à sua frente.
Contornei a mesa, sentando de frente pra ela, no meu lugar costumeiro.
Teresa já atacava o frango, mastigando silenciosamente, e estava gostando do que saboreava. Eu sabia disso sem ela nem dizer, quando ela gostava, ela erguia as sobrancelhas, e quando não gostava, as franzia. As dela já estava perto do começo do cabelo naquela hora!
Lily pegou o garfo na mão, analisando o instrumento, o virando, girando... 
-Quer que eu corte o frango pra você? - perguntei, dando uma golada no meu suco.
-Sim - pediu ela, empurrando o prato em minha direção.
Sorri, cortando o frango em pedaços pequenos, e devolvendo o prato para ela.
-Prontinho - falei, comendo um pedaço de alface.
-Isso tá uma delícia! - falou Teri, pausadamente, e de boca cheia - Sério, cara, qual a magia que você usa?
Ri fraco, cortando um pedaço de frango e o enfiando na boca.
-Cozinhar é arte... - sorri, me virando para ela.
-Eu definitivamente não nasci para ser artista, só se for arte com fogo! - riu ela, fazendo os cabelos ruivos balançarem.
Lily comia silenciosamente e rapidamente.
"A comida não vai fugir não...", pensei, mastigando meu frango, ficando bem quietinha.
Acho que, de onde ela veio, ela não devia comer direito... E eu não conseguia pensar em nenhum lugar que se adequava a isso...
Até nos abrigos, orfanatos e ONGs da cidade  as crianças nunca passavam fome! Então de onde será que ela viria?
-Que tal um filme quando minha tia chegar? - sugeri, comendo alface - Podemos ver Zootopia...
Teresa assentiu, com cebola caindo do canto da boca.
-Teri, limpa o veneno aqui, ó - toquei no canto da minha boca, rindo.
Teresa riu e lambeu o lugar indicado, rolando os olhos depois.
-Cê não é Ave Maria, mas tá cheia de graça, hein? - provocou ela, rindo fraco.
Fiz careta, levando meu suco à altura dos lábios.
-Liga não, Lily, somos assim mesmo - Teri deu de ombros, ficando vesga e fazendo biquinho de peixe.
Com essas caretas, Teresa ia dar era pesadelo na menina! Brincadeirinha, viu?
Teri era uma ótima pessoa, e eu amava zoar ela... Assim que era uma verdadeira amizade...
Noooooossa! Eu lembro de um dia que eu e ela estávamos andando no parque, pra sair um pouco do sedentarismo. Na verdade estávamos fugindo, porque era dia de faxina, então resolvemos dar uma voltinha no parque.
-Olha a mulher fazendo fotossíntese - caçoou Teresa, apontando discretamente a mulher que fazia um movimento de Yoga.
Ri alto, batendo na cabeça da Teri.
-Ela tá fazendo a saudação ao sol, besta! - balancei a cabeça - Duvido que você faria uma melhor
Teri balançou os ombros e pegou o celular, digitando no Google o nome do movimento.
-Veremos... - Falou, com um sorriso desafiador.
Ri fraco, cruzando os braços e a observando, só esperando a hora de ela cair.
Dito e feito! Ela fez os três primeiros passos certo, mas no quarto...
"Ploft"!
Eu ri, mas eu ri tanto! Foi uma gargalhada monstra assim... Tive até que me sentar no banco pra respirar.
-Vai trouxa! - Falei, me acalmando.
Teresa também riu bastante, e me deu um tapa na cabeça depois.
Que bela amiga, não? Uma cai e a outra... Ri pakas! 
Sempre era assim, a gente se xingava, se batia, arrancava o cabelo uma da outra, mas o amor prevalecia sempre! Quando eu precisava, eu nem pensava duas vezes, era pra ruiva que eu corria. E ela não era diferente, ela sabia que eu tinha meu jeito meio irônico de ser, mas eu sempre soube dar conselhos, sempre fui boa pra essas coisas, do meu jeito, claro!
Encarei minha amiga, sorrindo fraco e me lembrando de todas as trapalhadas, e me virei para Lily, falando:
-Verdade - sorri largo, pegando a mão de minha amiga - A gente se mata, mas se ama!
Lily sorriu, pegando o copo de suco e levando à boca.
Meu celular começou a tocar, loucamente, aquele toque escandaloso, pra eu nunca esquecer de atender às pessoas.
Já sabia exatamente quem era, só pela hora.
-Alô? - Falei, atendendo - Tá, já vou. Beijo!
Desliguei a chamada com minha tia e coloquei meu prato na pia, voltando para a sala e fazendo um coque no cabelo.
-Vou buscar a Maggie - falei, pegando as chaves do carro e rodando no dedo.
-Okay, chuchu - sorriu Teri, jogando um beijo no ar - Quando você voltar lava a louça?
Rolei os olhos, pegando a bolsa.
-Nem morta! - falei, saindo e fechando a porta atrás de mim.
Lá fora já tava dando uma garoada, daquelas fininhas, um friozinho daqueles! Sorte que eu tinha casaco no carro... 
Fiz o caminho para a cafeteria, em silêncio, meus pensamentos estavam muito altos pro rádio estragar.
Eu precisava pensar mesmo... Botar as ideias em ordem, ver o que ia fazer da vida.
Vários desses pensamentos envolviam Lily, outros envolviam nossa vida daqui pra frente...
Parei em frente à cafeteria, buzinando duas vezes, para a dondoca sair.
Eu amava minha tia, numa intensidade do tipo, muito! Eu morava com ela desde os meus três anos, quando meus pais morreram, num acidente de carro... 
Minha tia era minha mãe, já que pouco me lembro da verdadeira. Mãe, companheira, cozinheira, dançarina, professora, melhor amiga... Ela era a melhor!
Sabe aquele seriado que tem a mãe e a filha, que a mãe teve a filha com 16 anos? Nossa relação era tipo a delas! Nos xingávamos, íamos a shows juntas, tinham horas que eu era mais madura que ela, que eu emprestava meu ombro pra ela chorar... Várias das nossas situações envolveram garotos, incluindo meu professor de química. Sim, minha tia teve um rolo com o Sr. Woldth... E todo mundo sabia que ela era minha tia, e que tava pegando o professor...
Pois é, várias peripécias... Ela era minha maior heroína, minha doidinha, problemática, safadona, 90% cafeína e 10% água...
-Meu Zeus! - entrou ela, no carro, com dois copos de café na mão - Volta pela cidade, preciso me atualizar!
-Sim, senhora - assenti, virando o volante e entrando na estrada que ia pra cidade - E, a propósito, ola pra você também, dona Maggie!
Ela riu e deu o copo de café na minha mão, beijando o dorso dela.
Sorri largo e ela ligou o rádio, conectando nas músicas do pendrive. 
-Começa aí... Como a menina está? -  perguntou ela, abaixando o volume, para ouvir minha voz.
Minha tia deu um gole no café dela e colocou o cinto, se virando para mim.
-Ela tá bem sim - falei, concentrada no caminho - Tipo, ela tava bem assustada, quando eu encontrei ela atravessando a rua, mas aí eu e a Teri alimentamos ela - ri fraco - Ela tava comendo até as paredes, de tanta fome.
Minha tia sorriu, mostrando suas covinhas.
-Você quis dizer que a Teresa alimentou ela, né? Porque você... Ash do céu, eu imagino que você tenha dado um pote de sorvete na mão da garota!
Ela me conhecia tão bem assim?! Ou será que eu que era muito previsível?
-Como você sabe?! - franzi as sobrancelhas, entrando em Deadwood.
Até hoje, o nome dessa cidade me dava medo! É muito sinistro!
-Tava faltando dois potes de de sorvete no congelador. Um você deu pra ela e um você levou pra casa! - riu ela, quase cuspindo o café.
Balancei a cabeça, dando um gole no meu café.
-Foi isso mesmo - dei de ombros - Enfim... Vamos ao ponto... Lily, o nome que a gente tá usando pra ela agora, é bem frágil, sabe? Ela não sabe o que significam varias palavras e fala pouquíssimas coisas, além de não entender algumas palavras... Tive que explicar o que era "prometer" - falei, dando mais um gole no café.
Um sorriso brotou nos lábios de minha tia, um sorriso que, como a conhecia bem, demonstrava orgulho.
-Ah, querida... - Falou ela, pegando minha mão que estava na marcha - Você está fazendo um bom trabalho, acredite. Acho que você teve um treinamento naquele acampamento.
Ri fraco, por ela ter citado o acampa. Tinha saudades daquele mês!
Eu e Teri passamos um mês trabalhando no acampamento e, posso dizer com convicção, foi o melhor mês da minha vida!
Eu tinha aprendido bastante com as crianças, e levado comigo várias dores no corpo! Sério, um mês correndo que nem uma maratonista, berrando até pra comer, lavando louça, ouvindo os problemas de meninas confusas...
-Sério? - franzi as sobrancelhas - Sinceramente, não acho que eu fui um exemplo de boa pessoa para aquelas meninas, e menos ainda para Lily, tia - falei, apertando o volante, com a mão que não segurava a dela - E não faço a mínima ideia de como ser um.
Minhas sobrancelhas se ergueram levemente, acontecia quando eu me sentia insegura.
Sério, eu não era um exemplo nem aqui nem na China! Eu era louca, desastrada, confusa, teimosa, irônica e explosiva ao extremo! Quem ia querer ser como eu? Outro louco, só pode!
-Querida, você é um exemplo! - afirmou ela, acariciando minha mão - Você facilmente toma decisões, dá bons conselhos, sabe ir à frente de tudo, cozinha bem... Querida, você é incrível! Não são alguns defeitinhos que vão te impedir de ser exemplo na vida dela.
Sorri fraco, virando o carri em uma rua qualquer.
-Talvez... - sussurrei, mordendo os lábios - Só quero que ela fique bem, e que encontre em nós o que ela precisa.
-Eu não sei o que essa menina passou... Talvez ela só precise de três loucas cuidando dela.
Balancei a cabeça, dando um empurrão na cabeça de minha tia.
-Somos peculiares, não loucas! - falei, sorrindo largo.
Minha tia sorriu de lado, um sorriso misterioso.
Eu não sabia o quão importante seriam essas palavras dali pra frente... Mas, de uma forma inexplicável, eu gostava muito dessa palavra, desde que a conheci... Sei lá, às vezes era coincidência...
Voltei à estrada que dava para nossa casa, depois de uma conversa sobre o gato de mais cedo. Com certeza, nós não batíamos bem!
Durante todo o caminho, eu pensava em como ia ser dali pra frente, como nossas vidas iriam ser, como a vida dela seria.
-Tia - chamei, enquanto ela tirava o cinto.
Minha tia se virou para mim, me fitando, atenta.
-Não vou deixar ela ir - falei, pegando minha bolsa e o copo de café - Não importam as consequências, eu só... Não posso.
Minha tia sorriu e abriu a porta do carro, se virando novamente.
-Ela não vai - afirmou, de modo misterioso, novamente.
Na boa, minha tia tava me assustando com tanto mistério... Ela não era disso, aí tinha coisa!
Saí do carro, equilibrando minha bolsa, a chave e o copo vazio de café, tentando, com dificuldade, travar o carro.
Caminhei até em casa, sentindo a garoa fina na minha pele.
Entrei em casa, colocando a chave no gancho e a bolsa no cabideiro.
-Tia, tem... - Dobrei os lábios, vendo minha tia tentar conversar com Lily.
Teri se levantou do sofá, onde estava sentada ao lado de Lily, e veio ao meu lado, passando o braço por trás de meus ombros.
Sorri fraco para ela e fomos para a cozinha, costumávamos lavar a louça juntas, ela lavava e eu secava.
De repente, um temor invadiu meu peito, como sealgo ruim estivesse para acontecer. Pela minha cara, Teri percebeu que tinha algo estranho no ar, e balançou a cabeça, pegando minhas mãos:
-Ash, eu sei que parece que algo ruim vai acontecer, também to sentindo isso, mas precisamos ficar juntas. - falou ela, suspirando - Lily não vai embora, ok? A gente vai arrumar um jeito de mantê-la perto de nós, nem que tenhamos que nos mudar de Deadwood. Você não vai deixar, eu não vou deixar e Maggie também não, nós vamos fazer de tudo. Ela vai ter amor, carinho, sua cama, roupas, e tudo o que precisar - falou, convicta, com um sorriso de lado - Você tá fazendo um ótimo trabalho, Ash, ela tá ganhando nossa confiança, vai dar tudo certo...
As lágrimas reluziam em seus olhos, e começaram a encher os meus também. 
Teri me abraçou forte, fazendo carinho em minhas costas.
-As crianças da ONG são mais sociáveis, e mais fáceis de lidar, mas ela é especial por ser diferente, por ser um desafio para nós - falei, baixo.
Teri me abraçou mais forte, e em seguida me soltou.
Não, eu não esperava ser fácil, mas eu odiava falhar, odiaria saber que tinha pisado na bola alguma vez...
Teri sorriu, limpando seus olhos e pegando a bucha , molhando com detergente.
Limpei embaixo dos meus olhos, pegando o pano de prato e colocando em meu ombro.
-Talvez ela te chame de mãe - brincou Teri, ensaboando um copo - Eu posso ser a tia.
Ri fraco, dando uma "panada" nela, que soltou um murmuro.
"Mãe?", pensei, sorrindo sem perceber.
Essa palavra soava como um conforto para minha alma, e a única coisa que acabou com ele, foi a cara de assombro da minha tia, ao entrar na cozinha.
-Preciso fazer uma ligação! Urgente! - ela berrou, nos assustando.
Teresa olhou pra mim, com os olhos abertos ao máximo, e eu segurei o braço da minha tia, a fazendo olhar para mim.
-Me prometa que não será 911! - falei, por entredentes, tendo o consentimento de minha tia.
-Vou ligar para Margareth.
Margareth era minha tia mais velha, mas raramente nos víamos. Ela e Marie. Marie tinha 23 anos, a tia mais nova que eu tinha, ela brincava bastante comigo quando eu era criança.
Franzi o cenho, não entendendo nada sobre o que estava acontecendo.
Fui até a sala, à passos rápidos, encontrando Lily abraçada com as pernas, balançando para frente e para trás.
-Lily... - falei, me aproximando - Eu não faço a mínima ideia do que minha tia falou, mas eu ficaria muito feliz se você me contasse.
Ela levantou o olhar pra mim e mordeu os lábios, apontando para a revista no rack da TV.
Olhei para a revista, esperando alguma coisa acontecer, como cair um meteoro, ou virar uma fogueira.
Enquanto Lily se concentrava, Teri nos olhava do balcão da cozinha, com olhar confuso.
A revista começou a voar, como se um fio de nylon prendesse ela ao teto, e parou em meu colo.
-Ah meu Deus - falei, pausadamente - Lily, como você fez isso?
Ela bateu o indicador na própria cabeça, limpando o sangue que escorria do nariz.
Teresa caminhou até a sala, secando as mãos no pano de prato, e se sentou no chão, de frente para nós.
Então era isso, Lily tinha poderes da mente, podia fazer qualquer coisa com ela, até matar uma pessoa...
-Ok, acho que tá na hora de você contar pra gente de onde veio - falou Teri, cruzando as pernas em perninha de índio.
Lily hesitou, e eu Segurei sua mão, apertando carinhosamente.
-Lugar ruim - falou, com voz quase inaudível - Pessoas ruins. Homens maus.
Franzi o cenho.
-Pessoas ruins? Quanto ruins?
Lily fez sinal de arma com a mão, apontou pra própria cabeça, depois para a minha e para a de Teri.
-Oh Lily - falei, puxando a pequena para perto de mim.
Teri levantou e se juntou ao abraço, fazendo carinho nas costas de Lily e cócegas no meu braço.
Eu dobrava os lábios para não rir, e lancei um olhar matador para Teri, que sorriu e parou com a mãozinha.
Então, tecnicamente, as pessoas ruins estavam atrás dela e, agora, de nós também.
-Acho melhor irmos dormir - falei, sorrindo fraco - Eu ainda tenho que tomar banho e hoje foi um dia cheio!
Teri concordou, agitando o pano estampado.
-Vou terminar a louça, fedida - ela piscou pra mim e deu um beijo na testa de Lily - Boa noite, pequena...
Coloquei o braço sobre os ombros de Lily e subimos as escadas, até o meu quarto.
Lily sentou na cama, me olhando, com um misto de tristeza e temor no olhar.
Balancei a cabeça e abri os braços pra ela, envolvendo num abraço.
- Eu estou aqui, e nenhum homem mau vai tocar em você. - assegurei, passando a mão em seus braços.
-Promete? - Sussurrou.
-Pink promisse, gatinha - sorri largo, a soltando devagar.
Ela sorriu fraco e eu abri meu armário, pra pegar o pijama. Bom, não era bem um pijama, já que eu usava um moletom e uma calça de algodão, com pantufas fofoletas.
Peguei a meia de gatinho na gaveta bagunçada e abri a porta do banheiro, me apoiando um instante na parede.
-Vou deixar aqui meio aberto, ok? - Falei, apontando pra dentro - Se precisar, pode berrar,entrar aí, ou sei lá!
Ela concordou e eu entrei no banheiro. Não que fosse costume tomar banho com a porta aberta, mas, fazer o que!
Arranquei minhas roupas, empurrando para o canto do banheiro com o pé.
O dia tinha sido cheio, e eu tinha a leve impressão de que só ia ser assim dali pra frente. Isso começava com o telefonema da minha tia. Ok, ela tinha total liberdade de falar com a irmã, mas não assim, do nada!
Passei a mão nos cabelos, desfazendo o coque com veemência. 
Liguei o chuveiro, fechando o box depois de entrar debaixo da água quente. Tudo que eu mais precisava era sentir a água escorrendo no meu corpo, levando pro ralo todas as energias negativas e pensamentos pessimistas.
Afinal? Que mal tem ter uma menina que controla as coisas com a mente dentro da sua casa, não é? Isso é bem comum! Acontece com as melhores famílias!
Deixei a água cair no meu rosto, limpando a base mal passada de de manhã, só usava pra não ir de cara lavada! Vai que aparece algum mochileiro gatinho no café, é bom estar prevenida...
Lavei meu cabelo, nem me importando se dormir com ele molhado ia me dar gripe, precisava de uma lavagem mesmo! Tava parecendo um ninho de mafagafinhos.
Desliguei o chuveiro e puxei a toalha que estava pendurada no alto do box, era uma toalha velhinha, tinham borboletas perto do meu nome... Devia ter sido presente da vovó, era bem a cara dela dar presentes assim!
Me enrolei no tecido áspero e saí de dentro do box, entrando na nuvem de vapor que cobria o banheiro. Banho quente não é bom pra pele, porém eu nunca fui do tipo que segue regras do dermato...
Num ato rápido, vesti o pijama e o par de meias de gatinho, amava meias desse tipo! Calcei as pantufas, mexendo meus dedos dentro da "bolinha de pelos".
As roupas jogadas no chão foram totalmente ignoradas, exceto pelo fato de que eu as arrastei beeeem pro canto, até quase sumirem. O pensamento era que eu as tirasse dali no dia seguinte, mas a realidade era que elas ficavam ali até formar uma pequena montanha de outras roupas, aí eu me incomodava e tomava vergonha de colocar pra lavar.
Peguei o creme de cabelo e a escova, quando a névoa já não era tão grande, e abri devagar a porta do banheiro, observando Lily silenciosamente.
Ela  estava olhando minha caixinha de música, onde eu guardava meus brincos de bebê, já que era uma das únicas coisas que minha mãe havia me dado. Sorri com aquela cena tão singela, em que a pequena se encantava com a bailarina
Lily, quando percebeu que eu a olhava, deixou a caixinha no lugar, ainda com um sorriso nos lábios.
-Foi um presente da minha mãe - sorri fraco, sentando na cama, enquanto passava creme em meu cabelo - Um dos remanescentes, na verdade.
Eu não sabia se ela entendia o que eu falava, mas era gostoso contar isso mais uma vez, era bom recordar os poucos momentos que tive com ela.
Tia Maggie dizia que eu tinha muitas coisas parecidas com ela, como o jeito, o sorriso... Pelas fotos, realmente parecia, mas eu não lembrava do jeito da minha mãe, só sabia assim por cima, pelo que minhas tias e minha avó falavam, mas nada concreto.
Me diziam que ela era doidinha, gostava de dançar em lugares públicos, mesmo que não dançasse bem, ela era boa com arco e flecha e gostava de fazer trilhas pela mata... Incluindo nisso daí, eu só me encaixo no "doidinha" e no arco e flecha.
Ok, não é muito comum uma garota da cidade praticar arco e flecha, mas, como eu morava praticamente no meio do mato, era divertido acertar as latinhas e espantalhos mal feitos!
Lily olhava para mim, com o sorriso um pouco mais fraco. Ela havia se sentado na cama, enquanto eu passava a escova pelos meus cabelos, e parecia captar cada movimento que eu fazia.
-Acho que não é bem saudade que eu tenho dela... - falei, entortando os lábios - Eu mal a conheci, não dá pra ter saudade...
Dei de ombros, fazendo careta.
Lily dobrou os lábios, e olhou pras próprias mãos, sobre os joelhos. Talvez esse não fosse um bom assunto.
Continuei passando a escova pelos fios castanhos de meu cabelo, ouvindo o som distante da chuva na janela.
Chuva em Deadwood era assim: começava no fim da tarde, meio fraca, aí parecia que ia desse jeito até o fim, mas não. Lá pelas tantas ela começava a virar tempestade, dava até medo! 
O cheirinho peculiar do creme de cabelo perfumava o quarto, com uma mistura de mel e flor de laranjeira. Pelo menos era o que tava escrito no rótulo!
-Você tem saudades? - falei, do nada - Digo, dos seus pais, ou de alguém que cuidava de você? 
Lily dobrou os lábios e balançou a cabeça, com o olhar triste e distante.
Não sei se o que eu senti foi pena... Acho que era mais um misto de compaixão e sei lá mais o que. Tudo isso se resumia na vontade de cuidar dela pra sempre, apagar cada marquinha que o mundo deixou e fazer tudo passar.
Mordi meus lábios, deixando a escova de lado, junto do creme.
-Às vezes, Lily, a vida quer testar nossos limites e, por mais fracos que achemos ser, sempre somos mais fortes, só temos que achar essa força e usá-lá da maneira certa - falei, escolhendo as palavras.
Ela respirou fundo e assentiu, forçando um sorriso.
Beijei a cabeça dela, antes de me levantar para guardar o creme e a escova.
Eu me surpreendia com tanta bagunça que eu conseguia fazer! O armário da pia do banheiro era um ovo, mas eu consegui deixar ele parecendo um sei lá o que! Devia ser algum tipo de poder mágico!
Escovei meus dentes e voltei para o quarto, me jogando na cama e fazendo o lado em que Lily estava sentada pular.
-Dia cheio, hein? - Falei, afastando o cobertor.
Lily concordou e deitou na cama, do meu lado, olhando para o teto.
Me enfiei debaixo do cobertor e a cobri, deitando de lado.
-Acha que consegue dormir? - Perguntei, quando ela virou pra mim.
Pode até ser uma pergunta estranha, mas, pensa: você aparece num lugar descomhecido, aí três desconhecidas começam a cuidar de você. Você dormiria?
Eu dormiria. Sou daquelas que dormem até no balcão da cozinha, porque não dormiria na casa de um desconhecido?
Ela deu de ombros, deitando a cabeça no travesseiro, de olhos abertos.
-Consegue? - Perguntou, colocando as mãos sob a cabeça.
-Eu consigo, mas se você quiser eu fico acordada com você - falei, me apoiando no braço.
Ela sorriu de lado e eu encostei minha cabeça no travesseiro,  me questionando se conseguiria mesmo ficar acordada.
Eu estava cansada, mas não um cansada normal, do tipo que você chega só trabalho, se joga no sofá e fala "Nossa! Tô cansada!". Não. Era um cansaço mental. Precisava apagar, nem que fosse só por algumas horas.
E foi caindo no sono que eu percebi que o meu limite não era nem perto daquele...

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Hello peoples, tão gostando da história?
Deixem um contrário pra Tia Laly ficar feliz, tá?
Até o próximo capítulo!







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