Ohana

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~ Narrado por Ashley ~
-Eu cresci aqui. - falei, para Teri, quando me joguei no sofá, já meio cansada da correria de se mudar em um curto período de tempo.
Sabe, eu nunca fui muito fã de mudanças... Sei lá, acho que sou meio acomodada, acostumada com meu conforto, com uma rotina que não é assustadora.
Mas não era só a mudança o problema, nem o fato de ela ser repentina... Era porque ela trazia dúvidas cruéis, trazia incertezas sobre o futuro e ameaçava,de alguma forma, minha segurança.
Onde eu ia estar no próximo ano novo? Será que nas férias ainda íamos viajar pra praia? Como será que eram as crianças do orfanato?
Além de tudo, ainda tinham as questões da dimensão! Céus! Será que eles tinham que fugir para os urubus não pegarem eles? Será que tinham leões de estimação?
-Pois é... - suspirou a ruiva, depois de se sentar ao meu lado.
Balancei a cabeça, tentando juntar alguns pontinhos, pra ver se parecia menos assustador. É... Nada ajudou.
-Mudanças são difíceis. Um dia, a gente tá servindo café pra uma ave e, no outro, viajando entre mundos que a gente nem sequer sabia da existência! -falei, depois de algum tempo, após escolher as palavras.
A ruiva mordeu os lábios, balançando a cabeça pra cima e pra baixo, concordando comigo.
-Mas mudanças, por vezes, são necessárias - disse ela, pausadamente - Por maiores e mais assustadoras que elas pareçam, são necessárias.
Mordi os lábios, fitando o assoalho cor de mel da sala.
Mas eu era muito ansiosa mesmo! Já inventando coisas e ficando com
medo delas, sendo que nem tinham acontecido, e tinham 50% de chances de nunca acontecerem.
Teri, percebendo, talvez, minha confusão interna, segurou minhas mãos e as apertou, de um modo forte e confortável.
-Eu vou estar aqui, Ash, independente da mudança. Eu vou continuar estando aqui... - Falou, com os olhos cravados nos meus.
Aquelas exatas 13 palavras fizeram toda a diferença. Era como um botão sendo acionado e o conforto simplesmente aparecia, invadia minha mente.
Sorri de canto, passando o polegar pela mão dela.
-Te amo, sabia? - falei, apoiando a cabeça no ombro dela.
Ela tombou a cabeça pra cima da minha, se aconchegando, e assentiu.
-Também te amo, docinho - ela falou, beijando minha cabeça e se levantando depois, sem largar minha mão.
-Lily tá no banho? - Perguntou, com um leve sorriso.
Assenti, levantando e a rodando, no meio da sala.
-Bora lá, falei pra ela que ia passar batom nela - falei, rindo fraco.
Lily tinha me visto passando maquiagem mais cedo e tinha ficado curiosa, aí eu dei a ideia de passar nela, e ela gostou. Simples assim!
Subimos as escadas, entrando no meu quarto devagar.
A cama já estava sem lençol, meu guarda-roupa estava todo lá em baixo, não sobrou quase nada, além da necessaire de maquiagem e da mochila que eu planejava levar.
Ela era de gatinho e tinha bigodes... Se alguém me visse na rua andando com uma mochila dessas, das duas uma, ou nunca me levaria à sério, ou ia me achar fofa.Só achar mesmo.
Girei o anel de flecha no meu dedo médio, esperando Lily sair do banheiro.
Teri já tinha sentado na cama, deitado, na verdade.
-Lembra da primeira vez que eu vim dormir aqui? - Ela perguntou, encarando o teto.
Não vou falar que eu fiz um tremendo esforço pra lembrar, porque não fiz, mas eu dei uma tentadinha...
-Não lembro... Você lembra? - Arqueei uma sobrancelha, me perguntando se ela lembrava mesmo.
-Também não, queria te testar mesmo - sorriu ela, colocando as mãos abaixo da cabeça.
-Tonta - ri fraco, me deitando na cama também, usando sua barriga como travesseiro.
Eu ia sentir saudade de tudo isso. Já sabia que, mesmo o orfanato sendo o"lar" das minhas tias, talvez não sentisse como se fosse o meu lar também.
Tipo, eu não penso em me levantar de madrugada e tomar sorvete direto do pote na cozinha de lá. Eles tinham um cozinheiro, vai que o homem fica bravo e resolve me cozinhar com batata? Eu que não ia arriscar!
Na verdade, eram grandes as chances de eu arriscar, minha fome da madrugada não podia ser ignorada!
Em meio aos meus pensamentos gulosos, Lily saiu do banheiro, usando minhas roupas de pequena, uma calça jeans e una blusa amarela. Pra uma criança, eu não me vestia nada mal, hein?
Eu mesma estava com um macaquinho jeans e uma blusa preta, com um sorriso que me lembrava o do gato da Alice, meu AllStar branco e algumas bijuterias básicas e fofinhas, que a Teri havia me dado, porque eu não tinha nenhuma paciência pra escolher essas coisas!
-E aí, gatinha? - Teri sorriu, levantando só a cabeça para ver Lily, com a voz meio esganiçada.
Lily sorriu, segurando a toalha rosa-clara no braço.
Me sentei, fitando a garotinha no meu quarto.
Visivelmente, ela estava bem melhor do que quando eu a tinha achado, na estrada. Ela estava com uma camisola que parecia de hospital, cheia de ferimentos e sangue saindo do nariz... Sem comparação. Aliás, ela parecia mais feliz também, quer dizer, na medida do possível...
Ela se sentou ao meu lado na cama, colocando a toalha no colo e se virando pra mim.
-Agora vamos fazer a mágica, hein? - brinquei, indo pegar a necessaire de maquiagem e me sentando novamente na cama.
Segurei o queixo dela, analisando seu rostinho jovial, tão frágil...
Sorri, involuntariamente, e abri minha necessaire, pegando um batom rosa bem clarinho e abrindo.
-Que acha? - perguntei, sentindo Teri se levantar atrás de mim.
-Ui, que fofete - falou a ruiva, sorrindo largo, apoiando a cabeça no meu ombro.
Ri fraco, vendo Lily assentir, olhando para o batom, de embalagem prateada.
Segurando seu queixo, passei o batom em seus lábios, com cuidado, deixando-os levemente rosados.
Sorri, com o resultado e me inclinei para trás, contemplando a obra de arte.Nossa, do jeito que eu to falando, parece até que tinha acabado de pintar um quadro!
Peguei um blush, meio alaranjadinho, puxado pro rosa também, e peguei o pincel macio, com cabo de oncinha, o passando de leve na embalagem de blush, pra depois passar nas bochechas dela.
Quando eu era criança, eu vivia pedindo pra minha tia passar maquiagem em mim,nem que eu fosse até o parquinho, tinha que estar com maquiagem e uma presilha no cabelo, sempre!
Os benefícios de ser criada por uma tia eram vários. Eu sabia que eu nunca ia apanhar dela, mesmo que desse motivos, ela sempre fazia o que eu gostava e era"por dentro" dos assuntos da atualidade... Quando eu tinha uns seis,sete anos, ela trabalhava num hotel, como camareira. Eu lembro que, quando eu saia da escola, eu ia pra lá e ficava com ela, fazendo minhas lições enquanto ela trabalhava.
Minha tia sempre foi meu exemplo, meu colo na hora de chorar, minha boba da corte na hora de rir. Nós sempre passamos por vários micos juntas, o que sempre nos deixou mais próximas.
Doidinha e espontânea eram palavras que descreviam minha tia muito bem. Acho que, de tanto conviver, acabei ficando bem parecida com ela, a ponto de começara oferecer chá à pessoas que estão com problemas e, acredite, ajuda em 99,9%das vezes.
Sorri para Lily, me lembrando dos meus tempos de criança e, por uma fração de segundo, desejei que fosse assim com nós duas, que ela pudesse ver em mim alguém com quem poderia sempre contar...
-Vem se olhar no espelho! - Teri falou, levantando da cama e puxando ela, até o espelho na parede do meu quarto.
A ruiva segurava nos ombros de Lily, sorrindo largo, enquanto a garota se olhava no espelho, com o sorriso crescendo.
-Bonita? - ela sussurrou, tocando as bochechas.
-Muito bonita... - disse Teri, balançando-a pelos ombros.
Ri fraco, fechando a minha necessaire de maquiagem e levantando da cama.
-Tá linda, Lily - falei, me aproximando delas.
Teri passou o braço em meus ombros, me puxando pra perto dela, de frente para o espelho.
Naquela hora, me dei conta de que ela sempre estaria comigo. Não que eu já não soubesse disso, mas tive certeza. A certeza que me trouxe paz e coragem pra enfrentar o que estava por vir.
***
-Tá, mas pra que você quer pegar as armas, tia?! - perguntei, descendo para o porão com minha tia.
Nunca tinha descido lá, e pelo jeito era um arsenal, pra emergências.
Eu tava começando a achar esse negócio de ser peculiar perigoso, tipo, primeiro a gente descobria que estava em perigo e depois minha tia decide viajar com armas nos carros... Realmente, minha família pode ser tudo, menos normal!
-Emergência, já disse! - falou, ligando a luz.
Maggie era louca.
Pra você ter uma noção, a parede tinha vários suportes para arma, cheia delas, de todos os tipos: lanças, arco e flecha, pistolas,machados, balas, coletes à prova de balas...
-Você foi pra guerra? - perguntei, pegando um arco - Ei! Esse era o meu arco!
Sim, eu tinha aprendido mais ou menos a usar arco e flecha, quando era menor,mas eu não fazia ideia que isso serviria para o meu futuro...
-Não, não fui pra guerra e sim, esse é o seu arco. - ela falou, pegando um cinto de colocar as armas e uma bolsa estranha.
Franzi as sobrancelhas, olhando para a bolsa, que parecia ser feita de, sei lá,tapete velho...
Passei os dedos por algumas armas, presas na parede, surpresa por sempre ter tido um arsenal debaixo do assoalho da sala, sem nem saber da existência,
-Escolhe uma arma pra você - ela falou, pegando a varinha, que prendia seu cabelo em um coque.
Minha tia agitou o pedaço de pau mágico e metade das armas desapareceu, de repente, quer dizer, elas foram pra dentro da bolsa de tapete.
-Como coube tudo aí?! - perguntei, enfiando a cabeça dentro da bolsa - Isso é encantado, por acaso?
Pela risada de minha tia, entendi que, obviamente, era sim encantado.
-Tá, escolho o arco - falei, pegando o arco e quatro aljavas, com flechas de pontas diferentes.
"Pedra, osso, madeira e ferro...", pensei, tirando uma flecha de cada aljava.
-Vai precisar de tanta flecha assim? - ela falou, em tom de brincadeira.
-Melhor prevenir do que remediar! - falei, jogando as mãos pra cima, olhando para o arco que tinha pego.
Minha tia abriu uma gaveta, me dando uma capa para guardar o arco, junto com um par de luvas de couro.
Balancei a cabeça, colocando o arco dentro da capa, e as luvas num bolsinho de fora.
-Qual a sua arma? - perguntei pra ela, querendo chegar em outro assunto rapidamente.
Acontece que eu tava bem curiosa, com toda essa coisa de peculiaridade, qual seria a dela? E a minha? A de Teri também...
-Lanças, facas... - ela deu de ombros - Na verdade, eu sei um pouco de todas...
Ela riu fraco, passando o dedo numa faca, mas não na lâmina, claro!
-Que menina prendada... - brinquei, sorrindo de canto.
Minha tia terminou de "colocar" as armas na bolsa e olhou para mim.
-Fala pra Teri descer pra escolher a arma dela - pediu, me direcionando para a escada.
Ri fraco, subindo as escadas do sótão, com a capa do arco pendurada no ombro.
Eu sei lá, mas tinha uma leve impressão de que arco e flecha não era como andar de bicicleta. Acho que eu ia ter que dar uma treinada, talvez seria útil pra alguma coisa, futuramente.
-Ruiva! - berrei, chegando ao andar da sala - Cadê tu?
Teri colocou a cabeça pra fora da cozinha, sorrindo.
-Oi, gata - falou, ajeitando a blusinha.
-Vai lá escolher uma arma - ri fraco, indo para a cozinha, enquanto ela me fitava, com a expressão confusa - Pois é, nós tínhamos um arsenal pra um batalhão de guerra inteiro, nem me pergunte...
Teri balançou a cabeça, descendo as escadas.
O cheio de alho e cebola já tinha invadido a cozinha. Era o último dia que Teri ia poder cozinhar aqui, então tinha que botar fogo na cozinha de vez.
Deixei o arco na bancada de mármore, sendo observada pelos olhinhos curiosos de Lily.
-Pois é, ainda não sei usar meus poderes tão bem quanto você, mas sei usar o arco - brinquei, mexendo o tempero na frigideira com a colher de madeira.
Ela sorriu e encarou o azeite, semicerrando os olhos de um jeito semelhante ao dia anterior, quando ela ergueu a revista.
O azeite se levantou do lugar, voando até a frigideira e desrosqueando a própria tampa e derramando um pouco na frigideira, fazendo um barulho gostoso de coisa fritando.
Sorri fraco, pegando o azeite no ar e o tampando novamente.
-Você é boa nisso, mas... - mordi o lábio - Não acho que isso faça bem pra sua saúde mental e física.
Mexi mais um pouco da mistura cheirosa e me virei para ela, desligando o fogo.
-Sabe, você não precisa lembrar de tudo o que passou ao usar seus poderes - falei,percebendo sua carinha triste - Agora, ninguém vai te machucar e nem te dar medo. Eu não vou deixar, Lily. Posso não saber qual é o meu poder,peculiaridade, diabo à quarta, mas eu sei que, assim que eu o descobrir, eu irei aprender a usá-la e a proteger você por meio dela, ok?
Dizem que as pessoas não sabem o valor das promessas no momento em que as,fazem. Eu não sabia disso naquela hora, não sabia o que estava por vir. Obviamente, minha peculiaridade não era de profecia, ver o futuro ou sei lá o que...
Lily olhava para os próprios pés, perdida em meio ao seu próprio mundo, à sua dor...
Fui até ela e me abaixei, ficando dentro de seu campo de visão. Peguei suas mãos e as segurei dentro das minhas, sorrindo fraco.
-Confia em mim? - perguntei, baixinho.
Seu olhar encontrou o meu e ela assentiu, devagar.
-Promete? - perguntou, com a voz quase inaudível.
-Prometo. - assenti, sorrindo, tentando transmitir segurança - Eu prometo,Lily.
A abracei forte, a sentindo aninhar sua cabeça em meu ombro. Passei a mão por sua cabeça cabeça raspada, sentindo seu cabelo ralo fazer cócegas em minha mão.
Lily precisava de mim. Ela precisava da minha proteção e coragem. E eu sabia que, pra isso, não existiriam barreiras.
***
Fechei o porta-malas do carro preto, me certificando de que estava mesmo fechado.
Depois de minha tia ter subido com a leve - você leu certo, leve mesmo - e lotada bolsa encantada com nosso arsenal, de Teri ter escolhido as lanças como arma e de termos almoçado uma gororoba "a la Teresa", estávamos colocando nossas últimas bagagens nos carros.
Minha tia iria sozinha, mesmo eu tendo insistido para Teri ir com ela, e eu,Lily e Teri iríamos juntas, no meu carro.
Todas aquelas malas e caixas couberam nos carros, com aquela ajudinha básica.
Depois que você é apresentado à magia, você se aproveita dela, mas depois tem que descobrir a não viver dependente dela.
Nossa, frase de cima foi bem profunda, achei até petróleo já. Ok, Ashley, foco!
Minha tia sorriu pra mim, me entregando dois copos de café, pra sobreviver à vários quilômetros de estrada.
Teri ia dirigir depois que eu cansasse e vice-versa, já que nem eu nem ela éramos de ferro.
Parecia que a cada coisa que eu fazia, eu descobria um poder que não era meu, tipo super velocidade, ser incansável, ler a mente, super força... Será que eu podia,imitar algum bicho?
Tentei fazer um som de macaco, mas saiu muito, mas muito tosco! Tipo, muito tosco mesmo!
-Miga, imita a vaca que é mais rápido, você já tem prática - brincou um serzinho ruivo, enquanto jogava a bolsa para dentro do carro.
-Engraçadinha!- falei, estirando a língua.
Coloquei os copos no carro, que na porta tinham dois porta-copos, e a fechei novamente.
Precisava encher o tanque e minha tia também, sem sombra de dúvida!
Depois de,praticamente termos esvaziado a casa, exceto os móveis grandes, panelas, e essas coisas, paramos em frente à casa, dando uma boa olhada.
-Não gosto de despedidas - comentou minha tia, de um jeito nada maduro - Vou sentir falta da nossa casinha...
Respirei fundo, assentindo, enquanto encarava a janela do meu (ex) quarto.
Ia fazer falta mesmo. Eu não conseguia imaginar muita coisa no orfanato dasminhas tias e privacidade não era uma palavra que aparecia muitas vezes...
-Todas vamos - completou Teri, assentindo.
-Realmente... Foram tantas lembranças... - Suspirei.
Lily não devia estar entendendo nada, tadinha.
Sinceramente, parecia que a casa ia morrer e a gente tava fazendo tipo um velório pra ela, porquê aquilo tava uma melancolia só!
Minha tia subiu os degraus da entrada e virou a chave, trancando a casa.
Ela ia deixar pra alugar, não queria vender de jeito nenhum. Ela colocou uma das chaves pendurada num arbusto e a outra ela colocou na mochila, num dos milhares de bolsinhos internos.
Era oficial. Ao virar aquela chave, era como se ela desse autorização para as mudanças, para o futuro e tal.
Se eu tivesse uns cinco anos e estivesse passando por isso, depois que ela trancasse,eu ia falar que tava com vontade de ir no banheiro só pra voltar lá dentro.Nunca fui uma criança normal, me julgue!
Lily olhou para mim, sorrindo de canto e segurando minha mão, fazendo o mesmo com a de Teri, do outro lado, minha tia captou o recado e segurou minha outra mão.
Pois é...Como dizia Lilo e Stitch "Ohana quer dizer família e família quer dizer nunca abandonar ou esquecer".
Sorri,com esse pensamento e olhei levemente para os carros, depois para a estrada e depois voltei meu olhar para a casa.
-Acho que precisamos ir - disse Teri, verbalizando o que nenhuma de nós tinha tido coragem - Quer dizer, Maggie falou que é meio longe...
Segundo minha tia, o portal ficava em Mitchell, ou seja, a 314 milhas de onde morávamos, então, com possível trânsito e algumas paradas, umas cinco horas de viagem.
Minha tia assentiu e soltou da minha mão, depositando um beijo na minha testa.
-Vocês vão me seguindo, ok? - ela falou, arrumando a mochila no ombro.
-Aham,pode deixar - falei, sorrindo e me dirigindo para o carro - Eu vou dirigir até um certo ponto e depois a Teri troca comigo, porquê não somos de ferro, ainda.
Minha tia riu com meu comentário, exibindo aquele sorriso que eu sempre achei lindo.
Abri a porta do passageiro, deixando minha mochila lá e encarando a caixa térmica no chão.
-Tem comida pra vários dias aqui - ri fraco, o abrindo, enquanto Teri entrava no banco de trás, com Lily.
Peguei uma lata de energético na mão e a balancei para Teri.
-Pra quando o café acabar - brinquei, devolvendo na caixa.
As compras que Teri tinha feito estavam lá, só que as cenouras tinham ido com a coelhinha. Tirei os pacotes de marshmallow, deixando ao lado da minha bolsa.
-Quero um! - Teri falou, talvez sentindo o cheiro, porque eu tenho certeza de que não tinha passado no campo de visão dela.
Rolei os olhos, sorrindo, e joguei o saco pra trás, acertando sua cabeça.
Uma coisa que eu era boa, mas não sabia se era um poder, era na mira. Desde pequena, tudo que eu queria acertar, eu acertava. Ok, podia, algumas vezes, não ser na primeira vez, mas acertava o previsto.
Isso me ajudava muito no arco e flecha. Na maioria das vezes eu acertava o alvo sem dificuldade, só bastava foco, mas também exigia prática. Acho que, se eu tivesse praticado mais, eu poderia até não precisar de tanto tempo pra focar...Item número um de coisas pra se fazer na outra dimensão.
Minha tia buzinou, me apressando, como se eu já não soubesse.
Já falei que super velocidade não era meu poder, né? Isso ficava cada vez mais claro.
Entrei no banco do motorista e devolvi a buzinada pra ela, enquanto ajeitava o retrovisor.E foi assim que iniciamos a longa viagem até Mitchell.
***
Virei o segundo copo de café, tentando fazer a gotinha solitária cair, enquanto esticávamos nossas pernas num ponto da estrada.
-Devíamos ter parado num posto - resmungou Teri - Ia ser melhor, quero fazer xixi!
-Mijona - murmurei, com um sorriso brincalhão nos lábios.
Ela chutou o ar, na minha direção, sorrindo fraco.
Lily bocejou, enquanto enfiava o milésimo marshmallow na boca.
-Lily também tá com fome - falou minha tia, dando uma mordida na cenoura
- Bate ai, Lily!
Viagens de carro são sim estressantes, ainda mais quando são longas, tipo, bem longas...
Mas até que o clima estava leve, ninguém tinha se matado ainda.
Teri assumiu a posição de motorista, mesmo apertada. Eu também já não tinha nem perna, já tava moída!
Sentei em uma janela e Lily na outra. O rádio tocava baixinho numa das playlists que eu fiz Pra viajar.
Murmurei a letra da música, baixinho, encostando a cabeça no vidro da janela. Tudo o que eu via era mato, às vezes tinha um cavalinho solitário, ou um café caindo aos pedaços, resumindo: nada interessante.
Tirei o celular do bolso, pra verificar a hora. Já estávamos rodando a duas horas e pouco, ou seja, quase metade da viagem já tinha sido feita.
-Argh! - resmunguei - Cadê essa droga de posto? Também to precisando ir no banheiro!
Eu queria mesmo era ficar mais do que cinco minutos fora do carro, tomar um café bem forte, comer um doce e depois ir no banheiro, era só um resumo de tudo isso.
-Depois eu que sou a mijona - riu Teri, me olhando pelo retrovisor.
Lily olhou pra mim, por um instante, e concordou, encolhendo as pernas no assento do carro.
-Três mijonas, ótimo! - ri, desbloqueando o aparelho - Vou mandar mensagem pra minha tia e ver se ela também vai entrar pro clube...
[Eu: Tiaaaaaaa]
Demorou um pouco até minha tia responder, tipo, um marshmallow e meio, mais ou menos.
[Maggie: Sabe que é proibido por lei mexer no celular enquanto dirige? Quer que eu vá presa? jsjsjhhsdjhsjhjs]
Minha tia e as risadas estranhas dela... Vai entender!
[Eu: Há há há, muito engraçada vc!
Eu: Tá todo mundo querendo mijar, tem posto perto?]
Enfiei mais um marshmallow na boca, mastigando lentamente.
Desviei meu olhar para a estrada novamente, a tempo de ver um posto se aproximando.
-Posto! -  berrei, pressionando o rosto no vidro da janela - Graças aos céus!
[Maggie: Serve aquele ali?]
Sorri com a última mensagem e comecei a apressar Teresa, pra ela estacionar logo.
-Espera, criatura! - reclamou ela, atenta nas vagas - Deixa eu manobrar primeiro!
Fiz careta e me joguei no banco novamente, vendo Lily rir da minha cara.
-Não ria! - falei, estirando a língua - Se você rir, vai mijar nas calças!
Ela dobrou os lábios, juntando mais as pernas. Dessa vez foi a minha vez de rir.

***

-Deuses, que alívio! - gritou minha tia, de dentro da cabine do banheiro, enquanto eu lavava minhas mãos - Vou precisar começar a levar um penico nas viagens!
Ri fraco, pegando as folhas de papel áspero para secar as mãos. Parecia até papel reciclado, credo!
Lily saiu de uma das cabines e foi lavar as mãos também, ao meu lado.
Pelo menos ela não tinha tido problema com a higiene e essas coisas, né? Já pensou? Eu e a Teresa tentando ensinar uma menina a usar o banheiro? Não ia dar certo, não mesmo!
Ri fraco, com o pensamento doido e arremessei o papel no lixo, o acertando.
-Cesta! - vibrou Teri, nascendo do chão, me dando um susto.
-Aí, sua fênix! - falei, rindo fraco.
Teri abriu a torneira para lavar a mão e a secou em mim, agitando as mãos molhadas na minha direção.
-Ei! - ri alto, girando, enquanto as gotinhas de água caiam em minha pele, refrescando-a.
Sabe, acho que a viagem não ia ser tão ruim, as mudanças também podiam não ser tão drásticas. Era só eu me concentrar nas coisas simples, não era?

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