Janeiro de 2133
Me lembro apenas vagamente que estive catatônico por cerca de três semanas e a psiquiatra do hospital tentou sem sucesso me fazer falar e reagir nesse período. Colocaram em minha cabeça uma espécie de tiara magnética e só assim comecei a melhorar. Sei que é totalmente artificial, mas algo está impedindo a sensação de desespero e impotência que senti todos esses dias, e já começo a ter energia para retomar as sessões com o fisioterapeuta.
***
Eu estava terminando o banho quando o Dr. Jair entra afobado com alguns papéis na mão. Ele põe a mão esquerda no meu ombro em atitude de consolo e me diz:
- Tenho algo aqui que pode te alegrar um pouco!
Diante da minha expressão de dúvida apática, ele continua:
- Veja essa revista de Biotecnologia! Aqui nessa página eles anunciam que esses modelos de partes biônicas já estão à venda aqui em Curitiba! Poderíamos marcar uma implantação aqui mesmo no centro cirúrgico do hospital!
Eu a olho e respondo desanimado:
- Mas é tudo caríssimo! Eu teria que vender até minhas cuecas pra ter essa fortuna!
- Sim, mas bens materiais você pode recuperar em alguns anos, já seus membros, só com esses implantes!
- Eu vou pensar... Amanhã dou uma resposta. Hoje não tenho ânimo pra fisioterapia.
Ele sai desanimado, mas deixa a revista comigo. Eu termino o banho, vou pra cama e olho várias matérias da revista. Havia de tudo, desde corações novos feitos de células-tronco do próprio paciente até um implante nasal interno que prometia barrar até os novos tipos de vírus criados no final da Guerra da Água por ecoterroristas e que ainda fazem vítimas pelo mundo.
Cochilei e sonhei com pernas novas com as quais poderia correr como um corcel e saltar de um prédio sem levar nenhum arranhão.
Quando acordei, digitei um e-mail para Dr. Jairo dizendo apenas "Aceito!". Ainda pensei por alguns minutos na questão do valor e em tudo que me ocorrera nos últimos meses, além das palavras convincentes do meu fisioterapeuta. Percebi que no meu estado seria difícil levantar esse dinheiro sozinho. Liguei pra Getúlio e pedi para que ele arrumasse um advogado que cuidasse da procuração que eu passaria pra ele cuidar das vendas por mim.
***
No dia seguinte eu passo a procuração para Getúlio e ele promete levantar o dinheiro, mas já avisa que precisaria tirar os honorários do advogado e a comissão do corretor que venderia meu apartamento.
Logo depois Dr. Jair chega. Nós decidimos que eu precisaria de duas pernas biônicas, um aparelho auditivo mais moderno, a parte inferior de uma medula espinhal biônica, e finalmente, de um braço esquerdo novo. A ideia de passar por outra amputação me deixou bastante desconfortável, mas ele me tranquilizou dizendo que seria melhor isso do que ficar com um braço disfuncional.
***
Dias depois
Pelo site do banco percebo que o dinheiro necessário já está na minha conta. Verifiquei o e-mail e Getúlio já tinha escrito um relatório detalhado sobre a venda do apartamento, o robô, o carro, eletrodomésticos e móveis. As poucas coisas pessoais que sobraram ele levou para o quarto de hóspedes de sua casa. Segundo ele, Bone, o cachorro, ganiu longamente enquanto cheirava minha mala de roupas, e depois dormiu ao lado dela, rosnando pra todos que o tentaram fazer dormir no quintal.
É um alívio não ter que voltar para aquele apartamento depois de perder minha família. Não que não queira continuar recordando dos meus filhos, ao contrário, lembro deles todo dia. Penso apenas que seria doloroso demais voltar lá e ver tudo vazio, sem os risos de Danilo, a correria de Diogo, as brigas típicas de irmãos, e todos os seus brinquedos preferidos.
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Eco-Íris
Science FictionNo séc. XXII, em um mundo pós-guerra, um engenheiro curitibano com problemas familiares vai da glória à ruína depois de uma série de desastres em poucos dias. O que ele não esperava é que seus esforços para melhorar de vida levariam a uma oportuni...