30 de Setembro de 2132, Terça-feira
Passei a manhã descansando e lendo no computador coisas que tinha deixado pra depois por falta de tempo. Quando as crianças chegaram da escola, nos arrumamos e fomos para o litoral no carro novo, muito mais potente e com um painel incrível. Não pude deixar de sentir meu ego massageado quando via algumas pessoas de dentro de suas latas-velhas virando o pescoço para olhar aquela supermáquina.
As praias estavam muito destruídas e castigadas, comparadas com o que eu já pude ver em fotos antigas, da época em que elas avançavam muitos quilômetros pra dentro do que hoje está coberto pelo mar, por causa da erosão repentina causada pela megatsunami após a queda do asteroide Apophis e pela lenta degradação do aumento do nível do mar, mas ainda era nosso programa preferido de final de semana. Nos divertimos bastante, ajudamos a recolher um pouco de lixo e animais mortos, e na volta para Curitiba eu estava muito queimado (até o meio da virilha por causa dessa maldita moda "retrô anos 80 do século XXI" de sungas muito cavadas) e cansado, mas feliz.
Chegando mais perto da cidade vi uma coluna de fumaça preta gigantesca. Temendo que fosse um novo ataque como o que ocorreu na minha infância, ordenei que o carro parasse no acostamento e liguei o monitor antes de decidir se continuava ou voltava o trajeto. O canal informava que a usina de fusão explodiu poucos minutos antes e que poucos funcionários haviam sobrevivido. Ao mesmo tempo em que fiquei profundamente abalado, me reconfortei com a ideia de que eu tive sorte de estar de folga naquele dia, pois as imagens mostradas eram de uma imensa cratera com chamas espalhadas e dos micro-ônibus de emergência lançados pra longe pela onda de choque. Os poucos sobreviventes estavam nos micro-ônibus menos avariados.
Entramos em casa e eu liguei para todos os telefones residenciais que tinha dos meus colegas e tentei falar com as viúvas ou os filhos dos que a TV informara estarem entre os mortos para reconfortá-los como fosse possível e saber sobre os funerais. Os bombeiros já haviam informado que quase todos os corpos foram pulverizados pela potência da explosão, então quase todos esses funerais seriam simbólicos, pois as famílias não receberiam sequer os restos mortais de seus entes queridos.
Minha esposa viu que eu estava tremendo e pálido, então ofereceu um de seus calmantes e um copo d'água. Eu, sem pensar, tomei. Quando minha mente já estava ficando turva eu me lembrei de ligar para a Secretaria de Infraestrutura e perguntei como ficaria a situação dos funcionários sobreviventes. Responderam que seriam remanejados para outros órgãos em alguns meses, mas perderiam os postos e os benefícios. Desmaiei no sofá.
31 de Setembro de 2132, Quarta-feira
Acordei com dor na bexiga e uma tontura terrível. Russa, a nossa gata estava lambendo meu pulso largado quase ao chão, e parecia preocupada por me ver ali naquele estado. Percebi que já era outro dia e que tinha dormido no sofá. Rosana estava na suíte e disse que eu dormi umas doze horas seguidas e ela não teve forças pra me arrastar do sofá até a cama quando percebeu que eu estava dopado demais pra acordar normalmente.
No banheiro, depois do que pareceu meia-hora, o monitor acusou "Excesso de cortisol na urina". Mas que surpreendente!
Assim que saí do banheiro, Russa estava miando desesperada com os sons típicos de fome. Perguntei a Rosana se ela ou o robô (às vezes tenho a impressão de que a casa já tinha um robô há anos) deram comida para a gata. Ela respondeu que tinha esquecido.
Fui até a despensa e abri uma lata de ração, depois Russa foi me "guiando" até a varanda onde ficava sua tigela e a caixa de areia. Ainda estava muito grogue e me assustei quando ela se enroscou nos meus pés. Com o desequilíbrio, tentei me apoiar no parapeito, mas estava tão descordenado que acabei caindo pra fora. Me lembro apenas de uma forte sensação de vertigem e um grito de criança. Depois, apenas uma longa escuridão.
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Eco-Íris
Science FictionNo séc. XXII, em um mundo pós-guerra, um engenheiro curitibano com problemas familiares vai da glória à ruína depois de uma série de desastres em poucos dias. O que ele não esperava é que seus esforços para melhorar de vida levariam a uma oportuni...