"eco-iris-spatial@kourou.com
Senhor Paulo Souza Huber,
Primeiramente prestamos sinceras condolências por sua perda recente, mas também o parabenizamos por seu notório sucesso profissional. Mantivemos contato com o governo brasileiro para selecionar candidatos para um projeto internacional de extrema importância para toda a Humanidade.
Gostaríamos de saber se é do seu interesse contribuir com seus inestimáveis conhecimentos de Engenharia Elétrica para nosso projeto no Centre Spatial Guyanais, sediado em Kourou, Guyane. Abaixo seguem informações para confirmação dos dados do projeto para sua segurança.
Aguardamos retorno.
Grato,
Andrè Mouton, Diretor do Projeto Eco-Iris de Exploração Estelar"
Ainda confuso com o convite e assustado com o fato de aparentemente ter minha vida pessoal rastreada por um governo estrangeiro, passo os olhos na lista de dados do projeto, com selo da ONU, brasões oficiais da Guyane e do Brasil, número de contato e endereço do Centro Espacial, além de várias outras formas de aparentes confirmações da validade do tal projeto e algumas especificações sobre seus objetivos.
Pesquiso por "Eco-Íris" no site de buscas sbrin.com e descubro que se trata do projeto audacioso que fora anunciado escandalosamente em todas as mídias poucos meses antes do meu acidente na varanda. Pelo que me lembro eles estavam reunindo uma verba literalmente astronômica de todos os países membros da ONU para construir uma nave interestelar para criar uma colônia humana em algum planeta fora do Sistema Solar.
Tudo isso me pareceu tão mirabolante e fantasioso agora que o mundo apenas começou a se reerguer dos destroços da Guerra da Água que nem cheguei a dar muita importância por achar que eles jamais conseguiriam sequer a verba para iniciar o projeto. Apesar disso vejo algo plenamente justificável entre os objetivos "Preservar uma parcela da espécie humana das ruínas da Terra de modo a evitar nossa própria extinção total no caso de outra hecatombe nuclear ou piora nos desastres climáticos e ecológicos", e começo a me interessar mais sobre a plausibilidade dessa empreitada, mesmo não botando total fé no tom apocalíptico do texto. Passo a manhã toda lendo sobre ele, afinal estou aposentado e não há nada com que eu precise ajudar aqui, pois o robô doméstico faz tudo.
No almoço procuro não olhar diretamente nos olhos de Lúcia, então me ocupo discutindo sobre o surpreendente convite com Getúlio, e observando o modo de Flaviano comer, que lembra bastante o que meus pais diziam que eu fazia na idade dele, como separar os tipos de comida no prato e comer um de cada vez. Talvez seja algo genético, mas não consigo me lembrar se Getúlio também o fazia quando ficava lá em casa na infância. Meu primo, do alto de seus magnânimos conhecimentos de corretor de imóveis, faz um longo discurso enaltecendo a tecnologia e admirando o fato de que talvez já consigamos construir naves interestelares. Apesar do discurso comicamente prolixo, acabo ficando ainda mais empolgado com a ideia de contribuir para algo que será um marco histórico tão grande.
Passo a tarde falando com meus superiores no setor estatal e com as embaixadas do Brasil e da Guyane para tentar entender como chegaram até mim, mas, com exceção da informação de que meu nome já constava na fila de espera para tirar passaporte sem que eu nunca tivesse solicitado nada parecido, e de que havia um ofício no Itamaraty sobre a concessão de mão de obra brasileira para o projeto em Kourou no qual já constava meu nome, não descobri mais nada.
Tudo isso me deixa amedrontado e maravilhado ao mesmo tempo. Eu já deveria saber que num tempo em que cada batimento cardíaco pode ser monitorado tecnologicamente pelo governo, algo assim seria de se esperar, mas não consigo entender porque foi ocorrer logo comigo.
YOU ARE READING
Eco-Íris
Science FictionNo séc. XXII, em um mundo pós-guerra, um engenheiro curitibano com problemas familiares vai da glória à ruína depois de uma série de desastres em poucos dias. O que ele não esperava é que seus esforços para melhorar de vida levariam a uma oportuni...