Dezesseis Dias Antes

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Acordo sozinha numa sala que eu ainda não tinha visitado, há um acesso no meu braço direito, onde goteja um remédio lentamente, que deve ser o motivo de eu me sentir tão zonza. Começo a me lembrar do que me fez chegar aqui e tenho que me controlar para não me desesperar novamente. Eu sabia que não ia dar certo falar do Rodrigo, que eu não ia aguentar, mas mesmo assim fui lá e fiz, não sei qual o meu problema.

Uma enfermeira que ainda não conheço entra no quarto e sorri pra mim. Estranho todas as enfermeiras daqui serem senhoras de idade, mas deve ser alguma política deste lugar.

- Como se sente mocinha? Você nos deu um belo susto – ela verifica o acesso no meu braço.

- Estou um pouco tonta e com sede – minha voz sai falhando, o que me deixa um pouco irritada.

- A tontura é do remédio, vou chamar o médico e já trago sua água.

Ela sai da sala, me deixando sozinha. Não tenho ideia de quanto dormi, de que dia é hoje, que horas são e isso só ajuda a minha irritação. Tento olhar pela janela do quarto, mas percebo dois desenhos ao meu lado, estico o braço para pegá-los.

O primeiro é de uma mulher sentada em um piano, enquanto uma menina assiste. Noto que a mulher do desenho tem feições angelicais, se veste em tons brancos e parece flutuar, enquanto a menina está vestida de preto, mas seus olhos azuis brilham na direção das notas musicais desenhadas como se saindo do piano. O desenho não está assinado, mas nem precisa, sei quem fez. No lugar da assinatura, duas palavras: fica bem.

Não sei se ainda estou sensibilizada por causa das últimas ocorrências, mas aquilo me toca. Eu significo alguma coisa pra essa menina, a música que eu toco faz bem pra ela, isso me faz sentir menos mal em relação a mim. Pego o outro desenho e também não preciso de uma assinatura para saber de quem é. São duas mãos entrelaçadas e passando por elas, uma nota musical.

- Como vai a minha amiga? – O Guilherme está caminhando na minha direção – Vejo que recebeu os desenhos.

- Recebi, achei legal da parte deles – Ele checa meus sinais vitais.

- De fato, são legais – ele olha os desenhos, sorrindo – Desculpa, só posso te dar água quando o remédio acabar, não queremos você vomitando o pouco que come, não é mesmo?

- Com certeza. O que houve?

- Eu acredito que a descarga emocional combinada com o pouco que você oferece ao seu estômago causaram o desmaio e seu organismo acabou usando um bom tempo para se reestabelecer.

- Quanto tempo eu estou aqui?

- Quase quarenta e oito horas – me espanto, dois dias aqui. É muito.

- Nossa - é o que consigo responder.

- Cada organismo tem seu tempo de reação – ele sorri – mas sabe, tem bastante gente sentindo falta dos seus dedos no piano.

- Quando posso voltar? – Vejo o espanto dele, mas não é por mim. É por quem se sente bem quando eu toco.

- Quando se sentir a vontade – ele olha o soro – que tal você dormir mais um pouco antes do remédio acabar? Depois você pode comer e ir para o seu quarto, ou tocar.

Concordo com a cabeça e ele me dá um sorriso, mas não se levanta, suponho que não é de agora que ele vigia meu sono, para ter certeza que a crise não vai voltar. Eu arrumo minha cabeça no travesseiro, logo meu organismo se adapta novamente ao remédio e eu afundo em um sono sem sonhos.

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