Nove Dias Antes

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A tarde de ontem foi bem proveitosa, mais uma composição apareceu pulando na minha mente, como se meu próprio cérebro estivesse me distraindo do desespero de contar tudo para alguém.

Sentei perto de pessoas durante o almoço e a janta, não que eu tenha conversado com elas, mas também não quero ter medo de interações. Eu prometi pro Guilherme e para mim mesma que faria tudo que pudesse para melhorar e estou fazendo.

Deixo minhas composições no quarto e rumo para o consultório. Ele está na porta, me esperando.

- Bom dia - ele cumprimenta com o sorriso profissional de volta ao rosto.

- Bom dia, estou atrasada?

- Não, de jeito nenhum. Mas gostaria de pedir um favor.

- Qual?

- Podemos conversar no jardim hoje? Acho que o ar livre pode te fazer bem - ele incentiva e apesar do medo, concordo.

- Tudo bem - respondo, mas minha voz me trai e treme.

- Vai ficar tudo bem, eu prometo.

Nós caminhamos lado a lado, sem dizer nenhuma palavra. O jardim é muito florido, como eu esperava que fosse e há muitos pacientes acompanhados de enfermeiras, aproveitando o ar matinal.

Nos sentamos em um banco, lado a lado e eu abraço os joelhos novamente. Ele não fala nada por um tempo, o que é bom, pois consigo me acalmar, respirando fundo.

- Aprecio o esforço que você está fazendo - ele me dá um dos sorrisos sinceros.

- Onde paramos? - Pergunto, querendo saber o quanto ele lembra.

- Quando você achou o Sapato perfeito para combinar com seu vestido preto.

- Ah sim. Eu estava contente sabe? Podia parecer uma idiotice para maioria das pessoas, mas eu tinha conseguido sair sozinha e ainda tinha feito compras. No dia da festa, eu estava um caco, não tinha dormido nada, o que me fez dormir a tarde toda. Eu deixei os cabelos soltos, em ondas suaves e fiz uma maquiagem que deve ser considerada muito discreta para noite, mas não me importei. No espelho eu via uma jovem de dezenove anos que tinha dezenove anos e estava saindo para curtir uma noite com o melhor amigo e os colegas da faculdade. O Rô veio me buscar e trouxe um amigo com ele, ambos me elogiaram e eu fiquei sem graça, não estava acostumava com elogios.

- Deveria - o Guilherme solta, me interrompendo. Decido fingir que não escutei.

- O menino, Vinicius, me deixou ir na frente, inclusive abriu a porta para mim, mas não falei muito com ele até chegarmos na festa. Bom, era uma festa de universidade, você pode imaginar o barulho, quão cheio estava e o cheiro de álcool que pairava no ar. O Rô pegou bebida para o amigo e ele e uma água para mim.
" Há uma noite memorável", o Vinicius propôs o brinde, sorrindo para mim. Entrei na brincadeira e brindei com eles. O Rô ficou com a gente na primeira hora, que fiquei basicamente sentada, me acostumando ao ambiente. Logo ele perguntou se eu me importava dele caçar um pouco, me lembro de rir e dizer que ele podia ir a vontade ao mesmo tempo em que o Vinicius se oferecia para me fazer companhia.

- Cara esperto esse Vinicius - o Guilherme comenta.

- Você não tem ideia - lembro, com o peito doendo. - Nós conversamos um pouco e de repente ele ficou mudo.

" - Posso confessar uma coisa? - Ele gritou acima da música, mas havia um quê de medo na voz dele.

- Claro, a vontade - Eu estava me divertindo, gostei de conversar com ele.

- Eu pedi pro Rodrigo me trazer - ele da um sorriso e naquele momento eu me encanto por ele - eu queria muito te conhecer.

- Me conhecer? - Me espanto.

- Bem que o Rodrigo falou que você não tem noção disso - ele ri - garota, você é maravilhosa, linda, dá raros sorrisos, mas eles iluminam os dias de quem vê - sinto meu rosto corar e agradeço por estar escuro - eu sei, estou sendo muito atirado, mas nunca tinha visto uma garota como você.

Fitei os olhos castanhos dele por algum tempo, sem saber o que responder. Eu estava sorrindo, claro que estava, mas eu não conhecia aquele garoto, aquilo podia ser só uma cantada.

- Ok - ele começa, visivelmente sem graça - exagerei.

- Na verdade um pouco - sorrio - mas foi muito gostoso de escutar.

- Jura? - O rosto dele se iluminou e eu também sorria.

- Juro, mas por que aqui? - Faço um gesto, mostrando a festa.

- Porque é um ambiente neutro - ele dá de ombros - achei que você pudesse não gostar disso. Fora que não tive coragem até ontem, quando pedi para ele me trazer junto - ele dá risada - não parece, mas eu sou tímido.

- Realmente não parece, mas gostei de conversar com você.

- Isso quer dizer que eu tenho chance? Tipo, posso te levar para sair?

- Claro, isto aqui nunca contaria como encontro - dou risada e ele me acompanha.

- Então, mais nova amiga - ele me estende a mão - vamos dançar?

Eu não respondi, mas segurei a mão dele e nós dançamos a noite toda. Quando não estávamos dançando, estávamos conversando ou rindo. Não nós soltamos o resto da festa, ele segurava minha mão e eu não me importava, conseguia frear a voz ridícula que gritava na minha cabeça que aquilo era uma péssima ideia. Quando eles me deixaram em casa, quase sete da manhã, deixei meu número de telefone para ele, que respondeu com um beijo na minha mão, o que me fez corar novamente.

Quando entrei em casa, meus pais já estavam acordados e não comentaram nada, mas pude sentir a felicidade deles em me ver sorrindo, com a maior cara de cansada do mundo e a dor nos pés típica de quem dançou a noite toda em um salto alto. Tomei um banho e fui mandar uma mensagem para o Rodrigo, agradecendo a noite, mas já tinha uma mensagem, de um número novo, me agradecendo a noite maravilhosa.

Dormi com um sorriso maravilhoso no rosto e um sentimento muito leve dentro de mim."

Paro para beber água e percebo o quão concentrado o Guilherme esteve no que eu falava. Seus olhos estão desfocados, como se ele estivesse dentro da história e não mais ali.

- Apreciando a história? - Pergunto a ele.

- Muito, você é uma ótima contadora de histórias.

- Só não esquece que ela não tem um final feliz.

- Isso não muda que você a conta de uma maneira linda - Seus olhos sorriem e eu me assusto. Ele é meu médico porra, não dá para ser assim não.

- Eu acho que chega por hoje - Tento ter o controle da situação.

- Tudo bem - O médico está de volta, para meu alívio. - Vou trocar um dos seus remédios da noite, me conta como reagir a ele.

- Pode deixar - sorrio e ele se levanta.

- Vai ficar por aqui?

- Acho que sim, faz muito tempo que não fico no sol - dou um sorriso e ele se despede com um aceno de cabeça.

Suspiro depois que ele se vai, lembrar o Vinicius é muito bom e muito ruim. Ele foi uma estrela que passou na minha vida, isto foi ao mesmo tempo uma benção e uma maldição, depende do dia e do meu ânimo. Hoje, ter conhecido ele foi uma benção, mesmo que meu peito esteja doendo de saudades e as lágrimas queiram sair sem controle. Consigo controlar e fecho os olhos, aproveitando o sol que eu me nego há tanto tempo.

Sinto uma brise leve no rosto, quase como um beijo casto e neste momento, tenho certeza que ele também sente minha falta.

Me EsperaOnde histórias criam vida. Descubra agora