Onze Dias Antes

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- Mais folhas? - A enfermeira me pergunta com um sorriso - Estamos criativas, não?

- Bastante - falo, tentando parecer simpática, mas ciente de que acabo soando um pouco impaciente.

- Bom, divirta-se.

Ela me entrega um bom número de folhas de bordas arredondas e eu volto para o quarto mais uma vez. Desde sexta eu saio do quarto apenas para comer e usar o banheiro, mas apenas uma vez uma das enfermeiras interrompeu o que estou fazendo.

Acho que elas acreditam que se a criatividade está tão forte, pode ser um sinal de melhora, ou o Guilherme achou que eu precisava ficar em paz com os meus pensamentos e disse para que elas vigiassem de longe. Não importa qual o caso, mas fico agradecida.

A composição em minha mente é uma senhora orgulhosa, toma meu tempo e minha cabeça, o que é maravilhoso, porque eu realmente não quero pensar no trato que fiz com o medico. Antes de escrever mais um pouco, paro ao teclado e toco baixo o que tenho até agora.

Estou satisfeita, eu nunca compus antes, mas a melodia é extremamente tocante. Os sensíveis lá de fora, como passei a chamar meus antigos companheiros de piano, não suportariam sequer a introdução dela sem se debulharem em lágrimas. 

Pela primeira vez em quase um ano, sinto falta de alguém ao meu lado, um amigo, em quem eu confiasse o suficiente para mostrar isto. Que compartilhasse comigo a sensação estranha de ter algo tão bonito saindo de alguém tão sem vida como eu.

- Com licença - uma das enfermeiras entra no quarto - você não tem passado muito tempo sozinha mocinha? - A voz dela é atenciosa, diria até preocupada, mas o sorriso profissional não nega que ela está só fazendo o trabalho pelo qual é paga.

- Ah, é que preciso terminar o que comecei - aponto para os papéis espalhados pelo quarto.

- Uma música? - Ela pergunta e gosto de notar um brilho de curiosidade passando por seus olhos.

- Talvez um grito de liberdade - Confidencio a ela, sabendo que a única pessoa que vai ficar sabendo desta conversa é o Guilherme.

- Me parece mágico. Poderei ouvir?

- Não sei - respondo, sincera - não sei como vou me sentir quando acabar.

- Sem problemas - ela me dá um olhar carinhoso e não de pena, como eu esperava - mas se for toca-la, por favor, lembre-se de mim. Eu sou uma das pessoas que mais sente falta de te escutar ao piano.

- Sinto muito por não estar mais lá, eu estava fazendo mal aos outros - dou de ombros.

- Eu duvido, mas às vezes as pessoas não sabem expressar seus sentimentos e acabam nos magoando.

Ela se levanta, ainda sorrindo para mim.

- Só não se esqueça de comer, tudo bem?

Ela sai do quarto, mas as palavras dela ecoam na minha cabeça por alguns momentos. Não entendi o que ela quis dizer quando comentou sobre as pessoas não saberem expressar os sentimentos. Aqueles dois expressaram a mágoa deles muito bem, assim como eu expressei a minha logo depois.

Não tenho muito mais tempo para pensar nisso, a melodia volta a ressoar na minha cabeça e eu me debruço sobre o teclado novamente.

Me EsperaOnde histórias criam vida. Descubra agora