Quinze Dias Antes

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- Conversaremos sobre o que hoje? – O Guilherme me pergunta, se concentrando em não derrubar suco de laranja nos nossos copos.

            - Não sei, pensei em te falar sobre algo muito recente – dou de ombros.

            - Sobre esses desenhos que você trouxe? – Ele estende a mão para pegar os desenhos e eu os entrego. – São muito bonitos.

            - Eu meio que encontrei um significado para eles – conto, olhando para o meu copo.

            - Já está pronta para me contar?

            - O da menina, acho que sim – levanto os olhos para ele, mas ele está concentrado no desenho dela – Eu acho que ela me vê de uma maneira tão bonita. Eu não tenho certeza sobre isso, mas é como se ela visse uma luz ao meu redor, que ela não é capaz de ver nela mesma.

            - De fato, é uma teoria interessante – ele sorri, me encarando – já pensou em se aproximar dela?

            - Não, nem dela e nem de ninguém – recuo, apertando o copo na mão.

            - Laura, posso te dizer algo? Como amigo? – Balanço a cabeça – fatalidades acontecem, a culpa não é sua de estar aqui e não é porque aconteceu uma vez que vai acontecer com todo mundo que está perto de você.

            - Não aconteceu só uma vez – reclamo, soando como uma criança.

            - Não? – Ele se espanta. Claro que ele não sabe, isto não está em arquivo nenhum.

            - O nome dela era Luana, éramos La e Lu, melhores amigas de infância, morávamos no mesmo prédio, frequentávamos o mesmo colégio, combinávamos cores de mochilas e lápis de cor em desenhos. Eu tinha sete anos e ela seis quando os pais dela resolveram nos levar para um passeio de barco. Depois de muita conversa, meus pais deixaram e lá fui eu, toda feliz. – Ele está totalmente concentrado no que eu estou falando, ele não esperava que eu falasse – Na volta, nós duas estávamos brincando com a mãe dela, perto da beira, mas estávamos com colete. Até hoje eu não entendo muito bem o que houve, mas pelo que sei, o pai dela bateu em uma pedra e eu me desequilibrei, a mãe dela tentou me segurar e isso desequilibrou a filha dela, que caiu e bateu a cabeça em uma das pedras que o pai dela não tinha visto. Ali foi a primeira vez, não a que você soube pelo relatório.

            - Laura – ele suspira, segurando a minha mão – você sabe que a culpa não foi sua, não sabe?

            - Sim, em algum lugar eu sei disso – finalmente admito – mas durante anos eu vi aquela mãe me olhando e pensando que ela me salvou e deixou a própria filha morrer e agora vejo mais duas que perderam os filhos para que eu continuasse aqui. Elas perderam filhos e eu perdi partes de mim, não posso arriscar.

            - O Rodrigo foi seu único amigo depois disso?

            - Sem contar o Vinicius, sim.

            - Na verdade não, você sabe disso? Você tem toda uma família, que eu sei que não é pequena e continua muito viva, até mais do que você. Eu sei que não estou sendo profissional agora, mas nem sempre o que eu aprendi resolve. Se você não reagir, a única pessoa que vai se perder é você.

            - Eu não me importo.

            - Então não tem muito que eu posso fazer por você – ele aponta para nós dois – isto aqui é uma perda de tempo. Você precisa reagir e eu não vou desistir.

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