As paranoias nos condenam?

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— Me conta de novo.

De novo? Eu já te disse. Eu estava lá, parada, no meu bar. Travada. Estava apoiada pra não cair no chão. E você do meu lado. Não sei como foi parar ali.

— Eu tava ali fazia tempo. Você chegou depois.

É? Tá, eu acredito em você. Desculpe, não te notei quando cheguei. Mas notei depois. Te vi ali, parada, com cara de chateada. Como alguém pode ficar chateada num bar vestindo uma camiseta do Iron Maiden? Mas estava. Decidi não me intrometer. Mas daí apareceram aqueles dois carinhas todo empolgados e tirando fotos enquanto faziam caretas. Tiraram uma foto sua, eu acho. Mas estavam enchendo o saco. Daí você saiu de perto deles e parou do meu lado no balcão. Falei a primeira coisa que me veio na cabeça. "Maldita..."

— "Maldita inclusão digital". Sim, foi isso que você disse. Na hora pensei: "Taí. Um cara que pensa. E é gatinho".

Pois é. Quando vi estávamos conversando. Você pediu uma porção de pastel pra você e sua amiga mas nós dois comemos. Sua amiga só comeu um, né? Me desculpe. Você meio que insistiu e eu estava com fome. Era por isso que estava tão bêbado. Não tinha jantado. Que grosseria a minha, né?

— Que é isso? Eu ofereci. Não tava sendo educada.

Mas pode estar sendo agora. Como vou saber? Olha eu com minha paranóia de novo. Fico assim quando bebo demais. Lembro que te assustei. Não lembro exatamente porque, mas lembro que tive que pedir desculpas.

— Foi. Um pouco antes de irmos pra pista. Você gosta mesmo de Pearl Jam?

Não o suficiente pra comprar um disco. Mas eu queria te ver dançar. Queria evitar ao máximo dar mais uma gafe por estar bêbado demais. E faria isso diminuindo o papo e apostando no clima da pista. No começo a gente meio que se sentiu estranho, né?

— É. Você estava cambaleando. Meio descabelado. Eu estranhei. Mas daí você fechou os olhos e começou a dançar. E dançou. Como se não houvesse amanhã. Como se não tivesse ninguém assistindo. Fiquei besta com aquele seu ritual. Você não estava ali para me beijar. Você estava ali. Se me beijasse seria bom, mas não era seu objetivo. Me senti meio...

Coadjuvante? Foi isso que sentiu? Me desculpe. Não foi intencional. Eu tendo a... viajar quando estou em ambientes com música alta. E também tem outra coisa. Eu sou um covarde. Jogo sempre na segurança. Não dou passos impensados. Nem bêbado.

— Não precisa mentir pra mim. Você joga, sim. Você aposta no azarão frequentemente. E raramente perde. Mas no meu caso você sentiu medo. Medo de ser rejeitado. Medo de estragar tudo com uma garota tão bonita e tão interessante. Vacilou. E esse vacilo te custou caro.

Tentei beber água. Tentei ordenar as ideias. Tentei ser eu sem medo. Eu divertido. Eu inteligente. Eu antes de vir pra esse lado. Acabei falando demais nas horas mais inconvenientes. Você parou do meu lado e me olhou com aquela cara de "que desperdício".

— Olha a paranóia de novo.

Não, mas é verdade. Eu vacilei. Não consegui pensar em nada. Não consegui ser natural. Não consegui ser aquele homem diferente que você se interessaria. Não entendo. Por que você ficou comigo mesmo assim?

— Não fiquei.

Não? Espera. Como assim?

— Você ainda está bêbado. E é melhor se levantar que o bar já está fechando.

Te vejo de novo?

— Não sei. Eu nem estou aqui. Como vou saber?

Espero que sim.

E foi mais um de muitos delírios meus com ela. Aquela que jamais vou esquecer. E maldita bebida que me deixa maluco falando sozinho. Brindemos a isso! 

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