Infância e adolescência em crise.

54 6 4
                                    

Me recordo bem, desde pequena já sofria com preconceito, algumas pessoas não falavam diretamente pra mim, mas eu sentia que não gostavam quando eu me aproximava. Quando entrei para a 1° série, estava super animada, era tudo muito novo, e diferente de muitas crianças daquela época, eu já sabia ler. Quando eu cheguei no primeiro dia para a aula, a professora estava separando a turma, de um lado quem sabia ler, do outro quem estava aprendendo ou não sabia, ela estava perguntando para cada aluno, mas quando chegou na minha vez, ela simplesmente mandou eu sentar do lado de quem não sabia ler, mas eu não fiquei calada e disse que sim, que sabia ler, foi ai que ela me deu um livro, li um trecho e ela ficou surpresa ao ver que eu realmente sabia. Então me passou para o lado que era realmente meu lugar.
Com o tempo eu comecei a me destacar na sala, sempre fui boa aluna e tirava ótimas notas. E ao mesmo tempo, começou as "brincadeirinhas" por parte dos coleguinhas da escola. Criticavam meu cabelo, a minha cor, lembro que os meninos costumavam fazer uma listinha e colocar o nome das meninas da sala e ir votando para ver quem era a mais bonita, eu sempre ficava triste, porque não era votada. Por ser negra e ter "cabelo ruim", eu era a mais feia da sala. Parece besteira, mas para uma menina de 10 ou 11 anos, que ainda está se descobrindo, se reconhecendo isso é um passo para insegurança e autoestima baixa. Da 1° à 8° série, eu convivia diariamente com isso, sofria racismo e preconceito, era chamada de "macaca", "cabelo duro", "feia", entre outros adjetivos. Mas no fundo eu nunca deixei aquilo me afetar completamente, eu me fazia de durona, enfrentava todo mundo, discutia, brigava e devolvia ofensas. Mas quando eu chegava em casa, eu desabava, me sentia um lixo e chorava muito, mas sempre escondida, não queria que ninguém soubesse, eu sentia vergonha. Até que a minha vó (que me criou desde pequena) me viu chorando e me perguntou o que estava se passando, eu então desabafei e contei, ela me disse pra eu não ligar mais, deixar falarem que iriam se cansar, quanto mais eu me irritasse, mais diriam coisas assim, se eu fosse indiferente isso iria acabar.
Então eu fiz, deixei de responder, mas todas as meninas que como eu sofreram isso, sabem que não adianta, você apenas finge não ligar, mas a tristeza é a mesma.
Comecei então a fazer processos químicos no cabelo, primeiro usei alisante e depois relaxante, amava quando meu cabelo ficava "liso escorrido, achava lindo, me sentia bem, ainda havia um pingo de autoestima naquela menina. Ai descobri a chapinha "minha heroína", usava todo dia, e praticamente toda hora, como não tinha nenhuma noção sobre cuidados com o cabelo, ele acabou quebrando todo, mas mesmo assim eu não parava, parece vício sabe, você fica cega, parece que sua vida depende daquilo.
Quando meu cabelo não estava no "quase liso", eu me sentia mal, na hora de arrumar o cabelo pra ir à escola, ou qualquer outro lugar, eu chorava e muito, não sabia o que fazer com o cabelo. Era chapinha e mais chapinha, meu cabelo claro, não aguentou, foi murchando de baixo pra cima, e olha que eu tenho muito. Mas não há cabelo que aguente a tanta falta de amor próprio.
Nesse tempo eu conheci meu atual namorado, eu não me sentia bem comigo mesma, isso refletiu muito na minha vida e no meu relacionamento, eu era insegura, achava ele demais pra mim. Mas é difícil pensar o contrário, quando a vida toda você sempre ouviu que não era suficiente pra você mesma e nem pra ninguém. Mas ele me aceitou, quando eu mesma não aceitava, me amou como eu nunca poderia me amar naquele momento, e me dizia o quanto eu era bonita pra ele. Isso me fez bem, enquanto estávamos juntos me sentia especial, mas lá no fundo a sementinha da insegurança persistia. É tão devastador se sentir inferior.
Eu queria ser aceita, seguir um padrão que não dá pra alcançar, de que adinta viver, e não poder ser você mesma, isso é sobreviver, a gente já abre mão de tanta coisa nessa vida, porque deixar ir VOCÊ.

"Tô tentando entender
Esse seu jeito vulgar que tem ao dizer...
Como devo caminhar e o que devo fazer...
Se quer saber não vale a pena gastar proceder
Senta e observa como eu faço
Cala essa boca e tenta entender"
(Karol Conka)

Não é só cabelo !  Onde histórias criam vida. Descubra agora