Pergunto-me se é real. Se os dedos a passarem pelos meus cabelos, é real, ou se a minha mente está a jogar contra mim e a levar-me para finais de tarde no sofá apenas assim, encostada a si e com o seu toque pela minha nuca.
-Blair. – Preciso de fechar os olhos e saborear, sinto até uma pequena vontade de chorar no meu mais interior. A sua rouquidão maravilhosa nos meus ouvidos, dizendo docemente o meu nome. Depois, desencosto-me apenas um pouco do seu ombro para olhá-lo. – Desculpa. – Demora até dizê-lo, espera que os nossos olhos se concentrem apenas um no outro. E posso sentir o seu pedido no meu interior, é genuíno.
-Por quê? – Preciso de saber. Preciso que me diga.
-Por, apesar de te ter tentado perceber, não me permitir fazê-lo. Deixar a minha dor vencer-me. E no meu estado mais revoltado ter dito que precisava que sentisses o mesmo que eu. Nunca poderia fazer-te sofrer, apenas queria que me compreendesses. Nem na minha maior confusão e dor, eu poderia ter uma imagem tua a sofrer. Matava-me. Eu amo-te Blair. – A sua mão encontra a minha, e o seu toque envia-me diversas sensações que desejava há tanto tempo. – Amo-te mais do que alguma vez poderei explicar. Mas peço-te que me compreendas. Peço-te que me deixes ouvir-te. Que me contes.
E entendo o que quer dizer. Não pede pelas minhas razões ou o que aconteceu naquele dia, há anos atrás, quando o deixei no seu apartamento. Pede, sim, pelo que aconteceu depois.
-Eu posso esperar. Mas só conseguirei continuar depois de saber. – Nunca o pude ver tão calmo. A cada dia destes que o vi, noto como mudou. Não é desejoso pela verdade, sabe esperar por ela, mas colocar uma consequência com isso.
-Não, eu compreendo. – Levanto a minha cara, para o poder olhar nos olhos e demonstrar como realmente entendo o que me diz. Depois, suspiro. – Eu quero contar-te. E prefiro fazê-lo agora.
Eu acho que prefiro. Quando penso nas minhas dúvidas, elas baseiam-se no medo de que ele não aceite os meus motivos. E se isso tiver de acontecer, acontecerá em qualquer altura. Então eu terei de estar pronta para lhe contar. Endireito-me no sofá. Hoje, não entrei na suíte de um quarto, mas sim num quarto de um pequeno hotel. Isso leva-me a questionar cada vez mais o que aconteceu naquele dia, como ele preparou tudo a cada mínimo pormenor. Leva-me a pensar como está agora na vida. Se continua a trabalhar naquela empresa em que conseguiu emprego nos últimos tempos em que estivemos juntos. Ou se está em algo melhor. Ou pior. Se aquela suíte foi algo que não durou sequer aquela noite, e apenas fez parte da execução rápida do seu plano, do nosso reencontro.
-Eu não vou dizer que não te peço que me compreendas. Porque eu quero. Preciso que me entendas, ou que no mínimo tentes entender. –Ele mantém-se em silêncio. Respiro fundo. – Dois dias depois de eu te deixar, decidi mudar-me para cá. A Katherine deu-me casa, ajudou-me. Os primeiros tempos foram um pesadelo. – Quando tento puxar o mínimo ar, é como se estivesse prestes a desabar em lágrimas, o meu peito dói. – Tive de arranjar emprego. A Katherine disse-me para não me importar com a renda ou as despesas, não dava trabalho. Na verdade, ela chegava a obrigar-me a comer. Mas senti-me nessa obrigação. Então, apenas quase dois meses depois, encontrei forças para arranjar um emprego, pensei até que me poderia distrair. Mas foi difícil. Era empregada num café aqui perto, fazia os turnos da manhã ou da tarde, variava a cada semana. Sentia-me demasiado saturada. A Katherine e o Liam tentavam animar-me, mas era difícil. Todos os dias acordava a perguntar-me como estarias, onde estarias e a tentar imaginar o que estarias a fazer. E adormecia a culpar-me, a querer voltar atrás mas a ser impedida pela ideia de que nunca mais me quererias ver. – Suspiro, tento não me concentrar no sentimento que cada palavra que digo me traz. – A Katherine costuma fazer voluntariado. Um dia, ela resolveu levar-me com ela até ao orfanato onde às vezes ia brincar com as crianças e levar lápis de cor e livros para colorirem. – O meu coração está a doer-me cada vez mais, podendo senti-lo melhor a cada segundo que passa contra as paredes do meu peito, ao parecer-me que Harry começa a raciocinar e a chegar a algum ponto, pela carranca na sua testa e sobrancelhas arqueadas. – E foi aí que eu conheci a Felicity. – Digo-o num sopro, o mais rápido que posso para a minha voz não quebrar. Sinto-me a começar a chorar, e peço que não seja verdadeiro. – Ela tinha apenas três anos. – E estou a fazê-lo. Porque custa-me tanto. A imagem ainda presente dela indefesa, uma pobre criança de três anos sem ninguém. - Era a única das crianças que não queria brincar, era tão tímida - Recordo-me. Ela deixou de o ser assim, com o tempo. – Eu reparei nela numa mesa sozinha. E ela estava a olhar para mim, séria e com olhos brilhantes. Então eu decidi chamá-la. Mas ela não vinha. Uma senhora do orfanato explicou-me que ela não costumava ir ter com ninguém e pouco falava até com quem cuidava dela. Então decidi ser eu a ir ter com ela. E acho que de alguma forma ela me estava destinada. Não demorou muito a habituar-se a mim, para surpresa de todos. Todos os sábados, ia ao orfanato brincar com ela. E aos poucos e poucos tornou-se uma rotina. Por muito que me tentasse impedir, ia visitá-la mais que uma vez por semana. Ela já pedia para me esperar, nas escadas que davam acesso do jardim para o edifício. Katherine já nem vinha comigo. – Respiro fundo mais uma vez. – Aqueles eram os únicos momentos em que eu me esquecia da minha dor. Quando lhe lia livros, sentadas na relva, debaixo da larga árvore, tudo isso se evaporava. Quando pintávamos juntas ou imaginávamos o que cada pessoa estaria a pensar. Às vezes, eu chegava a imaginá-la como minha filha. – Engulo em seco, as lágrimas ameaçam-me um pouco mais. - E foi inevitável. – Encolho os ombros. - Eu adotei-a. – Sinto uma lágrima a escorrer-me até ao queixo. Baixo a minha face. Por muito que não me dê conta, ainda não aceito a ideia que a imaginei como o meu filho perdido, que vi nela esperança, felicidade, que fui fraca para não me imaginar algum dia a ter um filho meu.
VOCÊ ESTÁ LENDO
The Shadow 3 - ForEver
FanfictionNa tentativa de que a distância possa ajudá-la a esquecer o seu passado perverso, Blair cria uma vida baseada na mudança, no mais desejado longe do contacto com as memórias. Harry culpa-se pelo definido fim que pensa ter chegado, não deixando de...