Capítulo 5 - Paloma: Como eu o conheci.

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O cheiro de agua sanitária e detergente era bem característico, Jhonny havia ido até a lanchonete do hospital pegar um copo de café para mim. Estávamos ali há mais de dez horas à espera de um posicionamento e ainda não havia nenhum parecer. O clima estava tenso. A espera se tornava angustiante. E numa fração de segundo minha mente viajou ao dia em que o conheci.

Tinha sido apenas uma pequena viagem, estávamos comemorando um ano de namoro e estávamos voltando para casa. A viagem tinha sido maravilhosa, era como se tivéssemos casado e tido a melhor lua de mel que pudesse se imaginar. Estávamos nos acomodando em nossos lugares quando vejo um garoto ruivo entrar, parecia distraído com os fones de ouvido e se sentou ao nosso lado.

Pegou a mochila que estava a tira colo e pegou um exemplar de "Manipulador" que obviamente era de um dos meus autores preferidos, ele o abriu e folheou algumas páginas, eu como compenetrada que sou não resisti em ter um bate literário então cutuquei ele. Ele me olhou confuso e parecia altamente aéreo e alheio a mim quando ele pronunciou de forma baixa.

- Oi?

- Em que capítulo – apontei para o livro – Você esta?

Ele deu um sorriso tímido.

- Bem na parte da vingança. Bem na verdade o livro todo é bem vingativo, mas posso dizer que este é o êxtase da ação.

Nos rimos.

- Me chamo Paloma e este aqui – apontei para Jhonny que parecia ter apagado – É meu namorado.

- Eu sou Guilherme, mas pode me chamar só de Gui. É como todos me chamam.

- É um prazer Gui.

- O prazer é meu.

- Então o que está achando desse livro, eu o comprei, mas não comecei a ler ele ainda.

- É bem diferente da maioria dos outros livros, bem... não que ele seja clichê, não é isso. Mas a cada livro novo é uma nova perspectiva, é como se ele lutasse para nos mostrar as variações de pessoas que existem e suas fragilidades quanto motivações. Não é como as novelas da televisão ou a maioria dos outros autores, não há uma linha tênue entre o que ser e não ser.

- Eles são quem eles são. – completei.

- E na verdade sinto inveja dos personagens dos livros, eles não tem medo de serem quem eles são.

- E você tem medo de ser quem é?

- Tenho medo de que ser quem eu sou não seja o que todos esperam de mim.

- E o que todos esperam?

- Isso pode variar de quem seja. Mas em alguns momentos me sinto saturado e acabo me tornando alguém irreconhecível. E quando o estrago já está grande demais, algo me faz voltar a ser quem eu era e sinto que estou indo à estaca zero de novo.

- As coisas não são bem assim.

- Eu até compreendo que não seja. Mas acho que estou tão machucado, tão remendado, que tive que me livrar de muitos sentimentos. Me sinto de certa forma vazio. E ler é uma das poucas coisas que me faz me sentir eu mesmo. Eu posso ser quem eu sou com os livros.

- E se a culpa foi minha? – Math dizia com as mãos no rosto, visivelmente abalado, me tirando do meu devaneio.

- Não foi culpa sua. – disse indignada. – Foi algo que ninguém esperava.

- Se eu não tivesse voltado...

- Você estaria se lamentando que não estava aqui para evitar, algumas coisas acontecem porque tem que acontecer, você estar aqui não mudaria o fato.

- Eu não posso perde-lo.

- Nenhum de nós quer.

- Se eu achar quem fez isso... – ele fechou os punhos com força – Eu não sei...

Seus olhos se focaram nos pais de Gui e fiz o mesmo, havia um médico ao lado deles. Joshua senta-se na cadeira e coloca as mãos no rosto, Caleb tenta acalma-lo. Meu estomago começou a se remexer de forma estranha e no instante seguinte vi Math se levantar. Ele começou a correr no corredor do hospital, desesperado, ele gritava o nome dele o mais alto que podia. Enquanto inevitavelmente as lagrimas me tomavam os olhos.

Enfermeiros tentaram segura-lo, mas não foi o suficiente, foi então que Math foi impedido de entrar por dois médicos e quatro enfermeiros que o puxaram para trás.

- Gui! – ele gritou – Me soltem! Eu preciso estar com ele! Me deixem vê-lo! – as lagrimas já rolavam seus olhos.

Math estava completamente à deriva, não só ele como todos nós. Sem saber o que fazer ou o que esperar. E por alguma razão uma lembrança invadiu a minha mente.

- Alguma vez já pensou em como seria se você morresse, inesperadamente? – ele me perguntou de uma forma despreocupada enquanto folheava um livro que acabara de tirar de sua estante.

- Não – respondi – Porque isso agora?

- Não sei, na verdade me peguei pensando nisso do nada. Como um pensamento aleatório, acontece as vezes. Mas acredito que morreria feliz se eu pudesse consertar meus erros.

- Ao que se refere?

- Desde os meus pais a Math.

- Math?

- É. Math contra todas as possibilidades conquistou alguma coisa dentro de mim, além é claro de... – ele balançou a cabeça rapidamente, parecendo afastar o pensamento – Mas não sou a pessoa certa para ele.

- Porque?

- Eu não posso ama-lo.

- Porque não quer?

- Acho que meu coração por alguma razão se nega a este sentimento. Sei que eu sei a resposta de tudo o que aconteceu. Mas Math não estava nos planos, ele nunca esteve e, no entanto, estive tão preso a ele como nunca esperei estar.

- Não estou entendo...

- Estar com o Math mesmo não estando juntos, foi o mais próximo que senti desde que descobri que não poderia mais amar.

- Seu cabeça dura... – disse em meio a um sorriso enquanto as lagrimas rolavam pela minha face – Você o amava, só não queria aceitar isso.

Olho para Math sendo acalmado por Caleb e Jhosua que compartilhavam da mesma dor dele, não que eu não sentisse a mesma dor, mas por alguma razão meu coração estava tranquilo, por conhecer Gui, sem as máscaras, sem os segredos. Eu sabia quem ele era. Um garoto idiota as vezes, suscetível a erros frequentes. De péssima coordenação motora, que era forte por fora e frágil por dentro, que se achava menor que os outros, inseguro ao mesmo tempo determinado. E por mais que ele negasse a si mesmo o maior e mais lindo sentimento, este o havia enganado, e apesar de todas as proteções que ele criara, seu coração estava onde devia estar, mesmo que não soubesse disso.

Eu sou Demais - Livro III (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora