Capitulo 10 - Eu sou Math

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Meus olhos estavam fundos, havia uma escura macha negra ao redor dos meus globos oculares. Meu cabelo estava fora do lugar. A água fria que tocava meu rosto era uma tentativa de me manter acordado com o reforço de café, muito café. Meus braços tinham ganhado um tom estranho de palidez, as mangas do moletom estavam dobradas para que não se molhassem.

O ambiente era pequeno e mal iluminado, o espelho era baixo demais em relação a pia, eu tinha que me curvar mais do que o normal para poder enxergar mal meu rosto. Mas isso não era algo realmente importante. Olho vagamente para meu rosto, tento dar um sorriso confiante sem sucesso. Abro a porta do banheiro e sigo pelo corredor pouco movimentado.

Esse era um dos momentos do meu dia que eu não podia ficar perto de Gui. A voz dos pais dele ecoava em minha mente me dizendo que não era saudável para mim. O que eles poderiam entender do que poderia ser ou não saudável a mim? Eu só quero estar do lado dele, no pior que ele possa ser e no melhor que ele possa dar. Mesmo que isso me quebre em pedaços, eu sempre estarei do lado dele.

***

Caleb me olhava, eu conhecia aquela expressão que ele compartilhava com Joshua. Ambos pareciam ser muito mais novos do que aparentavam, ambos estavam sentados na minha frente. Joshua parecia desanimado e sem vida, já Caleb se mantinha firme, mas as marcas em volta dos seus olhos o denunciavam. Todos estavam sofrendo com o que estava acontecendo.

— Nós estamos preocupados com você Math.

— Entendemos que não é um bom momento, mas você parece que vai definhar se continuar sempre aqui. – disse Joshua, sua voz era complacente, terna e tranquila.

— Eu estou bem. – tentei argumentar.

— Querido você já se olhou no espelho? Nós estamos realmente preocupados com sua saúde, você acha que Guilherme gostaria de te ver assim?

Meus punhos vão de encontro a mesa de centro que treme. Minha cabeça se abaixa e me esforço para que as lagrimas não caiam pelo meu rosto.

— Ele me entenderia. – disse com a voz embargada.

— Math... – tentou falar Caleb.

— Não! – minha voz ecoou pelo local – Vocês não entendem, esse é o problema. A vida não é uma fábrica de realização de sonhos. Guilherme sabe disso, mas ele sempre seguiu em frente, mesmo que isso magoasse alguém. E vocês não fazem noção do quanto foi difícil para que eu pudesse compreende-lo de verdade. Sem os muros, sem as armaduras, sem o medo.

Levantei e segui para a janela, pingos de água começavam a escorrer pela superfície translucida e com elas as lagrimas que eu tentava com tanto esforço segurar começaram a descer pela minha face.

— Eu cuidei dele, o protegi. Eu entendo os medos e os receios dele. Vocês não sabem o que o filho de vocês passou!

— Já chega! – berrou Caleb – Não atreva a falar do que não sabe.

Um sorriso nasceu em minha face, mas logo em seguida ele deu lugar a dor. Me encolhi em um canto da parede olhando para os dois homens que estavam em pé agora e que se aproximavam de mim, mas que não sabiam do que realmente o filho tinha passado. Que ingenuidade da parte deles, não enxergarem o obvio, tudo se resume na frase que é uma fase. Mas o que nossos pais realmente sabem sobre nós.

***

Eu havia prometido que comeria e que dormiria, entretanto eu não sairia do hospital. O problema é que eu não sentia fome, sono ou até mesmo vontade de viver em um mundo em que Gui não existisse. Eu estava cansado de pessoas me dizendo que a dor passaria, que se o pior acontecesse eu deveria seguir em frente e que eu não deveria ser exagerado. Minha vontade é de mandar todos se fuderem, porque eles não sabem o que é sentir isso. O vazio em seu peito, todos os dias e a incerteza de que você verá a pessoa que mais ama bem novamente.

Não posso sentir o mesmo, mas posso comparar meu sentimento a uma mãe que perde o seu filho. Ele não pode ser substituído, porque ele era único. Somente outra mãe em uma mesma situação pode imaginar a dor da outra. Você a vê todos os dias, ela pode sorrir com o passar do tempo, ser carinhosa, afetuosa, mas você nunca à vera a noite em seu quarto sozinha, chorando pela perda do seu filho. Essa é uma dor que somente aqueles que sentem sabem o que realmente são.

***

— Você se sente bem?

Arxos que segurava meu ombro e se sentava do outro lado da mesa, mesmo eu não estando com cara que de desejava companhia em minha mesa solitária no refeitório do hospital.

— Não estou afim de um papo de que tudo está bem Arxos.

— Que bom, porque eu não vim falar sobre isso mesmo.

O olho com desdém. Ele parece não se abalar e cruza os braços sob a mesa e me olha nos olhos.

— Eu só quero te pedir uma coisa.

— O que? – o olho curioso.

— Se você ama mesmo Gui, então por favor se recomponha.

— E quem é você? A voz da sabedoria? Não foi você que enganou Gui com o seu irmão pirado? – cuspi as palavras em sua cara.

— Não é algo que eu me orgulhe, mas vamos deixar claro as coisas aqui. As pessoas erram e se arrependem. E eu sou mais velho que você e quero o melhor para Gui quando ele acordar.

Dou uma risada irônica.

— Só me escute Math. – o olho vagamente – Não deixe que a dor tome conta do seu coração. – ele se levanta e sai caminhando.

***

Finalmente eu poderia estar com ele novamente, depois de um longo dia poder vê-lo era um alivio. Me aproximei de sua cama e olhei, seu rosto estava sereno e tranquilo. Apesar de todas as complicações ele iria ficar bem, só precisava sair do estado de coma por conta do traumatismo.

Eu nunca fui uma pessoa religiosa, muito menos orei ou fiz catequese. Jamais entrei em uma igreja, mas por alguma razão suplicar a Deus para que ele acordasse me parecia o mais sensato naquele momento. Era incrível pensar em como eu havia mudado por Guilherme.

Eu deixei de ser um cara pegador e meio drogado porque eu queria apenas fuder com ele, assim como eu fazia com alguns caras da escola. Era pura diversão, mas Gui não era para esse tipo de coisa. Ele me maltratou, humilhou, pisou e tirou minha dignidade, mas tudo só me fez querer mais ele. E não sou o tipo de cara coitadinho, fiz muitas merdas, mas por ele eu deixei tudo. A felicidade dele acabou sendo a minha felicidade e protege-lo se tornou minha principal missão. Eu não poderia deixar que nada de mal o machucasse novamente.

Contra todas as chances, todas as possibilidades ele havia me escolhido. Poder ver tantos caras com quem ele poderia ter sido feliz, mas ele preferiu ficar ao meu lado. Por esse e outros motivos não o deixarei sozinho. Eu fiz por merecer estar ali. E se ele demorar vinte anos para acordar eu estarei aqui e se ele nunca mais acordar, eu estarei aqui ao seu lado até o dia em que tudo tenha um fim.

— Meu Deus eu não sou seu melhor filho – meus olhos se fecham – muito menos o merecedor de tamanha graça, mas se me devolver Gui eu prometo ao senhor que tentarei ser mais religioso, e que... – minha voz se tornou um sussurro em minha mente em que cada palavra foi dada com ênfase. Meus olhos se reabrem e dou um beijo em sua testa – Eu te amo Guilherme.

Eu sou Demais - Livro III (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora