Capítulo 4 CLARA

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Estou fitando o teto há mais de uma hora enquanto sinto os braços de Rodrigo sobre minha barriga. Ele dorme profundamente, graças a Deus ou então perceberia minha inquietação.
Eu sabia que vir ao Brasil seria uma péssima ideia, principalmente se encontrasse Matt, mas não imaginei que isso mexeria tanto comigo. Seu olhar enquanto saía, me partiu o coração, o que vi não foi só arrependimento, foi sofrimento. Esses pensamentos me perturbam e me causam um frio na barriga. Mas não vou deixar sentimentos do passado destruir o que tenho hoje, não posso e não farei isso com o Rodrigo, ele não merece.
Não sei a que horas finalmente consegui dormi, mas quando acordei, o sol já iluminava o quarto. Me mexo na cama e não encontro Rodrigo, estranho e o chamo, como ele não responde, resolvo levantar da cama. Faço minha higiene pessoal e coloco um roupão, antes de ir atrás de Rodrigo. Olho por todo meu quarto, ele está exatamente como deixei há quatro anos, apenas uma coisa está coisa faltando.
— Cadê... cadê... achei — Reviro minha mala a procura da foto dos meus pais, a encontro no bolso pequeno e a coloco no lugar que ela ocupou durante anos, em cima da minha penteadeira. Saio do quarto e no corredor já escuto o barulho de panelas batendo.
— Ai está você! — falo quando me aproximo de Rodrigo.
— Onde mais eu estaria, se não fosse ao lado da minha namorada? — ele fala me puxando para seus braços e me beijando suavemente.
Enquanto tomamos café, minha irmã me liga nos convidando para almoçar com ela, um "não" para July nunca é opção, então lógico que aceito. Rodrigo se anima, fala que tem que conhecer melhor a cunhada. Coitado mal sabe o que o espera, minha irmã é extremamente enxerida quando o assunto é minha vida.
Arrumo a casa enquanto Rodrigo fica resolvendo coisas da sua empresa no quarto, ele passa a maior parte da manhã em frente ao computador e no telefone. Isso me dá tempo de colocar meus pensamentos muito confusos em um lugar bem guardado em minha cabeça.
Antes do meio dia chegamos à casa de July, dona Maria nos recebe com abraços e carinho, nos levando até a sala onde July nos espera com Alice.
— Finalmente chegaram — July fala me abraçando.
— Que exagero, ainda está cedo — falo retribuindo seu abraço apertado.
— Rodrigo, que bom vê-lo novamente — July abraça Rodrigo enquanto pisca para mim.
— Obrigado pelo convite — Rodrigo responde com seu sotaque charmoso.
— Devo ter ciúmes disso? — A voz de Fernando nos surpreende.
— Papai! — Alice grita e corre para seus braços.
— Oi, minha princesa — Fernando beija o pescoçinho de Alice que gargalha alto.
Fernando nos cumprimenta e questiona July por estar abraçando outro que não fosse ele, minha irmã revira os olhos e dá de ombros, algo como "morena atrevida" sai dos lábios de Fernando e July sorri.
Dona Maria nos chama para almoçar e logo é liberada por Fernando para ir para casa. O almoço segue em um clima gostoso, claro que minha irmã enche Rodrigo de perguntas, mas sinto que ela gosta dele e isso me deixa aliviada. Mesmo sendo maior de idade e independente, a opinião da minha irmã é muito importante para mim.
July me chama para olhar algumas decorações para festa enquanto Rodrigo e Fernando seguem para o escritório levando Alice, isso dará tempo de fofocar um pouquinho com minha irmã.
— Então, o que achou dessa? — pergunto mostrando a decoração do desenho Frozen para July.
— Adorei, acho que vai ser essa.
— Finalmente, não aguento mais olhar tanta decoração.
— Aprendeu comigo a ser exagerada? — July questiona sorrindo.
— Tendo você de professora, aprendi direitinho.
July me pergunta sobre a empresa, sobre minha vida, sobre meu namoro e respondo tudo. Conto até sobre o encontro com Amanda e Erick em Nova York. Ouvir o nome da "vadia" como ela a chama, fez os olhos de July brilharem de raiva, mas logo a tranquilizo dizendo que ela teve o que mereceu.
Depois de ouvir como Rodrigo me defendeu, July fala que ele acaba de ganhar um ponto extra com ela, não posso deixar de sorrir com seu jeito. O telefone toca e July atende, a ouço falar o nome de Carol animada, mas depois de um tempo em silêncio, sua expressão muda de alegria para algo como raiva.
— Ok, Carol, você sabe o que faz, se cuida — Depois de desligar o telefone, July respira fundo e se encosta no sofá.
— O que houve com a Carol? — pergunto preocupada.
— Acho que a tinta do cabelo atingiu seu cérebro — fala de cara fechada.
— July é sério, o que houve?
— Ela não vai para o bar hoje.
— Por quê?
— Há um pouco mais de três anos, Carol começou a sair com um promoter de uma boate em que eu era DJ, o Tiago, só que ele é casado. Cada vez que Carol sai com ele, é a mesma história que ele vai largar a mulher para ficar com ela, que a ama e essas coisas. Mas quando isso não acontece, ela sofre por dias, quando volta a ficar bem ele reaparece e ela sempre cai na história outra vez.
— Nossa! Coitadinha dela.
— Pois é, mas não adianta falar, ela nunca escuta.
O tom de voz da minha irmã indica que ela sofre por ver a amiga nessa situação, conheço July ela é muito protetora e se esse cara ainda está vivo, é porque Carol deve tê-la proibido de chegar perto dele.
Fernando sai do escritório com Alice dormindo em seu ombro, ele avisa a minha irmã que acabou de receber um telefonema para um jantar de negócios, July fala que precisa ir ao bar e que não tem ninguém para olhar a Alice. Todos os olhares da sala nesse momento caem sobre mim.
— Posso cuidar dela essa noite — me ofereço.
— Ela pode estranhar você, ela é meio manhosa, talvez chore um pouco. Não seria melhor você ficar no bar, vou tentar chegar cedo, para July te encontrar lá — Fernando sugere e algo na voz dele me deixa cismada.
— Mas o Rodrigo vai ficar sozinho — Falo encarando meu namorado.
— Amor, eu posso ficar em casa, tenho alguns e-mails para responder e alguns projetos para analisar então vou ficar bem, não se preocupe — Rodrigo responde, e um sorriso de lado se destaca no rosto do meu cunhado.
— Bem, se for assim, por mim tudo certo — respondo e minha irmã o agradece.
Saio da casa de July no fim da tarde, chego em casa e vou direto para o chuveiro, tenho que me arrumar e ir para o bar, essa hora ele já deve estar aberto. Coloco uma calça jeans e uma regata preta, uma sapatilha da mesma cor e deixo meus cabelos soltos. Dou um beijo em Rodrigo que está concentrado em seu computador e saio de casa.
Chego ao bar e já tem movimento, é como se a noite de quatro anos atrás se repetisse. Assim que entro vejo Matt preparando um drinque para uma mulher que está praticamente subindo em cima do balcão para agarra-lo. Mas diferente da outra noite quando nossos olhares se encontram não vou embora, entro no bar, o cumprimento e sigo para trás do caixa. Sinto seu olhar sobre mim, mas não viro para olhá-lo, dessa vez vai ser diferente.
— O que faz aqui? — Escuto a voz de Matt atrás de mim e meu corpo inteiro se arrepia. Droga. É de frio, tem que ser de frio.
— Sou dona desse bar, esqueceu? — repondo ríspida.
— Cadê a July? — ele questiona e me viro para encará-lo. Quando aqueles olhos encontram os meus, me sinto nua. É como se ele conseguisse enxergar minha alma.
— Fernando precisou ir para um jantar de negócios e não tinha ninguém para olhar Alice então ela ficou em casa.
— Você ainda lembra como se trabalha aqui? — sua pergunta sai debochada.
— Tem coisas que nunca conseguimos esquecer. Infelizmente! — Matt se afasta, mas não posso deixar de notar que antes ele me olha como naquela noite. A maldita noite.
O movimento do bar diminui quando já passa da meia-noite, dispenso as garçonetes quando o último cliente sai. Matt está no estoque, enquanto fecho o caixa. Depois de tudo limpo e finalizado, entro no estoque para chamá-lo.
— Matt? — O chamo entrando no estoque.
— Sim? — Ele responde saindo de trás de uma parede, e meu Jesus amado, o infeliz está sem camisa, que tentação.
— É... será... hum...
— O que foi, Pequena, perdeu a fala? — O miserável se aproxima sorrindo.
— Precisamos ir embora — falo desviando os olhos do seu abdômen. E que abdômen.
— Precisamos? — sua voz sai sussurrada e isso me causa algo muito estranho lá em baixo.
— Sim.
— Eu senti sua falta — Quando Matt termina de falar meu subconsciente grita que não posso ser idiota novamente.
— Mateus, tenho que ir embora, se você quiser ficar, tudo bem, mas tranque tudo antes de sair — Mando uma mensagem para minhas pernas não travarem nesse momento e, graças a Deus, elas me obedecem e seguem em direção a porta.
Porém, antes mesmo de conseguir abri-la, meu corpo é virado abruptamente e sinto minhas costas sendo pressionadas na madeira da porta pelo corpo de Matt. Respirar se torna quase impossível.
— Me sol...
Antes de terminar de falar, sou interrompida por lábios macios que pressionam os meus com intensidade. Antes de pensar na burrice que estou fazendo meu corpo corresponde ao beijo. Droga!
Meu subconsciente grita que tenho que interromper o beijo, mas meu corpo não obedece. Matt me pressiona com mais força contra a porta e não posso deixar de sentir seu peito firme e definido. Esse homem vai me matar qualquer dia desses.
Matt se afasta abruptamente e me olha com desejo, no momento que ele fala é que percebo o que acabei de fazer.
— Você não quer ir embora, seu corpo me diz isso — Ele faz carinho no meu rosto e lágrimas escapam dos meus olhos.
— Eu não poderia ter feito isso. Ai, meu Deus, o que eu fiz? — Toco nos meus lábios e sinto raiva de mim.
— Calma, Pequena, não chore! — Matt se aproxima e tenta me abraçar, mas o empurro com raiva e me afasto da porta.
— Você não entende? Eu traí o Rodrigo, ele não merecia isso.
— É sério que você vai se lembrar desse cara agora? — Matt pergunta nervoso.
— Eu não o esqueço nem por um segundo.
— Não foi o que pareceu quando você me beijava — ele rebate irritado.
— Coisa que não vai mais acontecer.
Fico encarando Matt e sinto sua raiva por todo lugar, me recuso a continuar chorando e enxugo as lágrimas. Eu amei tanto esse homem, se ele me beijasse assim há quatro anos eu não pensaria duas vezes antes de me entregar, mas hoje sabendo que tenho um homem maravilhoso me esperando em casa, a única coisa que sinto é raiva dele e de mim.
— Preciso ir embora — Sigo novamente para porta, mas paro ao ouvir a voz de Matt.
— Você não o ama! — sua voz é baixa, mas escuto perfeitamente suas palavras e o que mais me dói é que no fundo ele pode ter razão.
— Vindo de uma pessoa que não sabe o que essa palavra significa, chega a ser meio irônico.
— Você não o ama. Não como me amou — suas palavras me rasgam por dentro, me viro para encará-lo e a dor que sinto no momento nem se compara a raiva e a vontade de quebrar uma garrafa na cabeça dele.
— Sabe qual é o seu problema? Você não sabe escutar um não. Eu vou embora Matt, se quiser ficar, pode ficar, mas feche tudo quando sair.
— Antes de dormimos aquela noite, você disse que me amava, eu vi em seus olhos que era verdade.
— Co... como? — Sinto minhas pernas fraquejarem e volto a me encostar na porta para não cair.
— Eu me lembro de tudo. Para falar a verdade, aquela noite é a única noite que eu jamais poderei esquecer — ele fala cada palavra me olhando nos olhos, eu já imaginava que ele sempre mentiu sobre esse papo de "não lembro, estava bêbado", mas ouvir isso saindo de sua boca machuca demais.
Um filme passa nesse momento pela minha cabeça; nós dois no bar, eu caindo, os drinques, a casa dele, o quarto, à noite acabando comigo dizendo que o amava e o dia começando com meu coração destruído.
Não percebo que meus ombros tremem pelo choro que não tento reprimir, Matt se aproxima e me abraça, fico sem reação. Como ele pôde? Por que fazer isso? As perguntas fervilham na minha cabeça, mas não consigo questioná-lo sobre nada, fico em choque tentando processar o que acabei de ouvir.
Sinto seu cheiro, seu corpo tão próximo e uma raiva que nunca imaginei sentir na vida por ninguém, me atinge. Ódio pela mentira, ódio por ele achar que por revelar isso, as coisas mudam, ódio por mais uma vez ter sido feita de idiota.
— Calma, Pequena — ele sussurra no meu ouvido e era só disso que eu precisava para explodir.
— Seu desgraçado, miserável, maldito, como você pôde? — Grito as palavras enquanto desfiro tapas e socos no seu peito, minha voz sai abafada por causa do choro, mas a raiva é tanta que só quero gritar.
— Calma, Clara! — Ele coloca os braços na frente do peito, mas estou cega de raiva e isso não me impede de continuar.
— Eu te odeio.
— Chega! Pare de falar isso, você não me odeia, Pequena — Matt segura meus pulsos me fazendo olhá-lo nos olhos e, pela primeira vez, eu finalmente o olho com algo que não tem nada a ver com amor
— Eu... eu me entreguei para você, entreguei meu coração naquela maldita noite e você me usou. O que ganhou com isso? — Puxo meus braços do seu aperto e dou dois passos para trás. — RESPONDE! — meu grito ecoa pelo bar.
— Meu Deus, Clara, se acalme — Ele tenta se aproximar, mas levanto a mão o fazendo parar na hora.
— Fique longe ou juro por Deus que não respondo por mim. Agora me fale, o que você ganhou com tudo isso, levando a idiota da irmã da sua amiga para cama?
— Clara me escuta, eu...
— Ah, mas eu imagino que o sacrifício deve ter sido imenso para você, isso deve explicar o porquê de você ter bebido tanto aquela noite, foi para criar coragem? — Cada palavra que sai da minha boca é uma facada que entra e atravessa meu peito.
— Eu te amo, sempre te amei — sua voz sai com desespero e por um segundo eu até acredito, mas quando lembro de tudo uma risada sarcástica que, se não tivesse apenas eu e ele nesse bar, me arriscaria dizer que não é minha.
— Ama? Sério que você vai usar isso agora? Você não sabe o que é amor, você nem mesmo sabe o que é respeito, porque se soubesse não teria feito o que fez. Mas sabe, Matt, eu até tento entender, não se pode esperar muito de uma pessoa como você. Se um dia eu te amei, hoje eu tenho nojo de você, te desprezo com a mesma intensidade.
Matt me olha e uma lágrima escapa dos seus olhos. Como eu queria acreditar que é de arrependimento. Como eu queria, meu Deus, que suas palavras fossem verdade.
— Eu sinto muito, você pode não acreditar, mas eu te amo, sempre te amei.
— Resolveu me falar só agora, por quê?
— Quando eu te vi entrando em casa, beijando aquele cara...
— Ah, está explicado! Claro, tinha que ser. Então tudo isso é por ego ferido?
— Não! Eu não disse isso. É que eu te vi com ele e pensei que tinha te perdido para sempre. Eu fiquei com medo, saber que nunca te falei o que sentia, me fez ver que a culpa foi minha, de tudo.
— Eu vou sair por essa porta e você vai me fazer um favor, o mesmo favor que me fez há quatro anos. Não vai vir atrás de mim, vai esquecer que eu existo, porque se restava algum sentimento por você aqui dentro — Coloco a mão sobre meu peito. — Ele morreu hoje.
Matt dá dois passos para frente, mas antes que ele consiga se aproximar ou falar algo, saio do bar e vou em direção ao meu carro. Como há quatro anos, ele não vem atrás de mim.
— Burra, burra, burra... — Grito enfurecida comigo mesma dentro do carro, enquanto bato com meus pulsos no volante.
Fico minutos, talvez horas, não sei ao certo, chorando com a testa grudada no volante. A sensação é pior do que a daquela noite e eu pensando que ele não seria capaz de me magoar nunca mais. 
Passo as mãos pelo rosto e respiro fundo. Chega de chorar, esse homem é passado, meu presente está me esperando em casa e ele sim vale a pena. É por nós que vou lutar, me dedicar, Rodrigo me merece por inteira.
Ligo o carro e sigo pelas ruas de São Paulo, vou voltar para o meu porto seguro, quando a festa da minha sobrinha passar, voltarei para Nova York e essa será só mais uma noite que eu deixarei para trás junto com todo o sentimento de um passado que não me merece.

Sedução - DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora