CAPITULO 8 CLARA

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Minha vida estava totalmente equilibrada, meu passado estava enterrado e eu finalmente encontrei alguém que me ama, me faz feliz, e como o retribuo? Beijando outro.
A última vez que vi Matt foi há três dias e aquele maldito beijo ainda mexe comigo, suas palavras ecoam pela minha mente me fazendo sentir raiva e uma vontade louca de ir até lá descontar a magoa que guardei por anos no meio da cara dele. Mas eu não sou assim, não é mesmo? Sou a doce e compreensiva Clara. Só que estou cansada de ser assim, quero poder gritar, fazer barraco, chorar e pôr para fora toda dor e raiva que carrego por anos.
Me movo na cama, impaciente, Rodrigo vira de lado e percebo que estou fazendo muito barulho, não quero acordá-lo. Mesmo porque ele me conhece bem demais e saberia que estou "estranha" usando as palavras dele esses últimos dias.
Meu coração se aperta de culpa, lágrimas queimam meus olhos, mas enxugo-as antes que rolem pelo meu rosto. Porque tem que ser desse jeito? Eu segui em frente, porque o destino insiste em me colocar em um caminho que me machuca?
Não sei que horas finalmente consegui dormir, mas quando abro os olhos o sol já ilumina meu quarto.  Viro para o lado e sinto a falta de Rodrigo.
— Porra! Como assim o contrato foi cancelado? — Me sobressalto com o tom alterado de Rodrigo.
Levanto-me rápido e sigo sua voz que está cada vez mais estridente.
— Não posso ficar alguns dias fora que vocês fazem essa merda toda? — ele grita as palavras para a pessoa do outro lado da linha, misturando os idiomas.
— Ok, volto hoje mesmo para resolver isso. — O telefone é desligado e arremessado no sofá.
— Rodrigo? — o chamo e ele se vira em minha direção.
— Ah, meu amor, te acordei. Me perdoe! — Seus braços estão abertos quando ele anda em minha direção e eu me aconchego neles inalando seu perfume.
— Você está bem? — Seu suspiro é a resposta que eu precisava.
Rodrigo se afasta, mas segura minha mão me guiando para sentar ao seu lado no sofá.
— Aconteceram alguns problemas na empresa e ninguém consegue resolver — Suas palavras saem baixas, mas conhecendo Rodrigo sei que está puto da vida.
— E agora? — pergunto mesmo sabendo que a resposta será o que eu não quero ouvir nesse momento.
— Preciso voltar para Nova York, Clara. O mais rápido possível.
Pensa, Clara. Pensa... Droga, com Rodrigo aqui já está difícil, sem ele a situação pode chegar ao ponto do “tarde para voltar atrás”.
— Vou com você — falo rápido como se tivesse encontrado a solução de todos meus problemas.
— Mas Clarinha, você não precisa voltar agora, amor...
— Eu vou e está decidido — o corto e ele me olha de testa franzida.
— Clara, é o aniversário da sua sobrinha, serão só alguns dias. Eu pretendo voltar para o Brasil essa semana ainda.
Me levanto do sofá e começo a andar de um lado para o outro, não quero ficar longe de Rodrigo, não posso ficar longe dele. Droga.
— Ei, calma, amor — Rodrigo me abraça e só então percebo que estou chorando.
— Não quero ficar sozinha.
— Você não vai. Tem sua irmã, seus amigos... Só são alguns dias até eu resolver esse problema e volto para você.
Depois de me abraçar apertado até eu parar de chorar, Rodrigo vai para o quarto para arrumar suas malas e sigo com ele. Levará apenas uma mala de mão, deixará todas suas coisas aqui e isso me deixa aliviada. Ele voltará logo.
Rodrigo consegue um voo para o final da tarde e, para não correr o risco de se atrasar, seguimos para o aeroporto duas horas antes. Algo que nunca muda é o trânsito de são Paulo.
A despedida foi dolorosa, foi como se parte de mim estivesse indo junto. Não é um adeus, mas porque sinto que estou perdendo o Rodrigo? A sensação é que mais uma vez o destino está brincando comigo e novamente tirando de mim alguém que é meu porto seguro.
Olho através do grande vidro do aeroporto enquanto o avião decola. Quero gritar para que ele volte, mas em vez disso, lágrimas demonstram o quanto essa partida está mexendo comigo. Pego meu celular e ligo para a única pessoa capaz de me entender sem que eu precise falar nada.
— Julia, preciso de você — falo enquanto enxugo as lágrimas com as costas das mãos.
— Estou indo te buscar — escuto minha irmã falar do outro lado da linha, depois de dizer onde estou.
Espero do lado de fora do aeroporto até o carro da minha irmã estacionar e ela praticamente saltar dele ainda em movimento, correndo para me abraçar. Não falo nada, apenas sinto seu carinho e a estranha sensação de estar em casa. Seguimos em silêncio e estou estranhando ver July dirigir, mas não quero puxar assunto e ela respeita isso.
Uma hora depois estamos sentadas no tapete da nossa antiga casa, a casa que crescemos e que vivemos tantos momentos felizes, minha irmã me entrega um copo de leite quente e não posso deixar de sorrir, meu pai fazia a mesma coisa quando eu era criança e estava triste.
— Você sabe que isso já não funciona mais, não é? — pergunto antes de tomar um gole do leite.
— Sei, mas ainda é reconfortante.
— Concordo.
O silêncio não é constrangedor, muito pelo contrário, é aconchegante, sei que July está pensando o mesmo que eu. Nossos pais.
— Acho que eles estão orgulhosos — July me olha e concordo com a cabeça. — Então, Rodrigo não virá para festa de Alice?
— Virá, ele voltará essa semana.
— Ah!
— Matt e eu nos beijamos.
A crise de tosse que minha irmã tem me assusta. Ela começa a ficar vermelha e levanta os braços. Bato de leve em suas costas e ela arregala os olhos.
— Você o que? — sua voz sai fina e sufocada, seguida por outra crise de tosse.
— Na verdade, ele me beijou.
— Ah, claro, isso muda tudo.
— July!
— O quê, Clarinha? É verdade, quem beijou quem não muda o fato de que teve beijo — ela fala voltando a sua cor natural.
— É, eu sei! — respondo de cabeça baixa.
— Mas e então? O beijo foi bom, com aquela pegada de “minha nossa”? — ela me olha com expectativa.
— É sério?
— Ah, Clarinha, para de me enrolar e fala logo.
— July, eu namoro o Rodrigo e estou sentindo uma culpa dos infernos — revelo me levantando e andando pela sala.
— Olha a boca garota, quem fala assim sou eu, não você.
— Esse é o problema, eu não sei o que está acontecendo, não sou assim. Eu sou a certinha, a que faz tudo direito e agora estou ferrada — July levanta e sorri.
— Quando foi que você aprendeu a falar assim? Porque não foi comigo, viu?!
— July, para de brincar que a coisa aqui é séria — falo irritada.
— Ei, calma — Ela levanta as mãos em sinal de rendição, mas ainda posso ver seu sorriso. — Olha, Clarinha, sei que você está sentindo culpa e juro que entendo, mas você sempre amou o Matt, minha irmã, e tentar esquecê-lo com o Rodrigo não vai mudar isso, muito pelo contrário, você só estará fazendo três pessoas sofrer.
— Três? — pergunto sem entender.
— Sim! Você, Rodrigo e Matt — ela fala como se fosse óbvio.
— Ah, Julia tenha dó, Matt nunca nem me olhou.
— Ele sempre foi louco por você, ele só...
— Foi um desgraçado, canalha que passou a noite comigo e depois fingiu que não se lembrava — falo antes mesmo de me dar conta.
— Ele o quê... então foi por isso? Por isso você foi embora daquele jeito? — July se senta no sofá, atônita.
Uma lágrima escapa e fico olhando para July que me encara surpresa. Sei o quanto ela ama o Matt e que a magoa muito saber o que seu melhor amigo me fez. Eu não deveria ter falado nada, mas isso é mal de família; na hora da raiva falamos mais do que deveríamos. Me sento ao seu lado e decido contar tudo, já que comecei prefiro terminar, assim ela para de pensar que algum dia Matt sentiu alguma coisa por mim.
— No dia da nossa briga, eu saí muito nervosa daqui e fui direto para o bar, fiquei sentada no chão por horas chorando, até o Matt chegar. Ele tentou conversar, mas eu o tratei mal, porém ele ainda continuou ali. Eu acabei me machucando e ele fez um curativo na minha mão, preparou alguns drinques e fomos até sua casa. Eu percebi que ele estava bêbado, sua frieza me rasgava por dentro, mas o que eu podia fazer? Eu o amava, passamos a noite juntos e foi tudo o que eu sempre sonhei.
Enxugo minhas lágrimas e continuou meu relato:
— Eu acreditei que depois daquilo ficaríamos juntos, achei que finalmente ele iria admitir que me amava, típico de conto de princesas. Mas o meu príncipe virou sapo na manhã seguinte, ele fingiu que não se lembrava. Eu me senti tão humilhada que sai de lá prometendo a mim mesma que nunca mais iria derramar uma lágrima por ele. O que não foi verdade já que um mês depois eu estava chorando e sofrendo mais uma vez — falo tudo e, dessa vez, nenhuma lágrima escapa, minha raiva é bem maior.
— Então, naquele dia, foi você que ligou para ele? — A olho sem entender e ela se apressa para explicar. — Ele estava no hospital comigo, recebeu uma ligação e saiu apressado, foi você?
— Não, eu não queria nem olhar para cara dele, mas acho que foi a Carol, porque ela me viu chegar no bar.
— E por que você disse que ele fingiu não se lembrar de nada? — o tom da minha irmã não é de acusação e sim de curiosidade.
— Eu suspeitei no primeiro instante, mas se ele preferia fingir que não me amava então não tinha porque eu continuar tentando. Quando fiquei no bar na segunda, ele admitiu, me disse que se lembrava de tudo e ainda teve a cara de pau de dizer que me amava — Ao lembrar-me disso meu peito se aperta de magoa.
— Mas você só foi embora algum tempo depois...
— Quando o Fernando me ofereceu o cargo na Dean Bau, eu achei que seria a oportunidade perfeita dele se arrepender e finalmente se declarar, quando cheguei da minha formatura, fui correndo atrás dele e lá estava o homem que eu amava com uma siliconada se esfregando nele. Decidi ir embora e não me arrependo, agora estou de volta para passar por tudo isso de novo — July se levanta do sofá e caminha pela sala.
— Por que nunca me disse? — sua magoa me machuca.
— Pelo mesmo motivo que você não falava do Fernando quando vocês se separaram.
— Porque dói — ela afirma.
Minha irmã volta a se sentar no sofá e bate com as mãos em suas pernas, deito minha cabeça em seu colo e seu carinho me faz lembrar de nossa mãe. Sei que tudo o que falei a deixou triste, mas sei também que ela respeita minha decisão e me entende.
— Às vezes, Clarinha, nosso pior inimigo é nossa consciência, eu que o diga. Vivi muitos anos me culpando pela morte dos nossos pais. Matt também enfrenta os seus, e não é nada fácil para ele nunca foi, mas agora é diferente ele está vendo você com outro e sente culpa por não ter lutado por você. Mas pior que isso sente alívio por alguém te fazer feliz como ele não foi capaz de fazer, consegue entender? Sei que tudo isso é uma droga, mas vocês precisam conversar, nem que seja para cortar de vez esse laço...
— Não existe laço nenhum — falo apressada.
— Você não pode ajudá-lo a enfrentar seus problemas, mas pode escutá-lo, apoiá-lo a seguir em frente, porque se alguém é capaz disso, essa pessoa é você.
— Você sabe de alguma coisa que eu não sei? — pergunto levantando para encará-la.
— Eu sei que ele te ama e que você sente o mesmo — ela fala tirando uma mecha de cabelo dos meus olhos.
— Já é tarde demais para nós, July, agora tenho Rodrigo.
— Nunca é tarde demais, minha irmã, para lutar pela felicidade.
Volto a deitar em seu colo e se antes eu estava confusa agora estou completamente perdida.

Sedução - DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora