Trem da Morte

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Gosto de pensar na vida como um trem. Ele para em várias estações, pessoas entram e saem, algumas fazem bagunça e outras arrumam tudo. Algumas vão até a última estação, e outras descem na próxima.
Além disso, todos nós temos o Trem da Morte, algumas pessoas permanecem nele por mais tempo do que outras. Quase bati meu Trem da Morte.
Passava das 23h, não sei que dia da semana era, não sei se estava frio, ou calor, ou se estava chovendo. Um rastro de luz vindo da sala era a única coisa que invadia a assustadora penumbra, a tela do celular acesa ao meu lado e coisas brilhantes por todo o quarto. Sim, coisas. Não eram humanos, alguns tinham cabeças de animais, outros tinham asas, alguns eram deformados. Outros sangravam, em questão de segundos, enquanto estava paralisada, congelada de medo deles, meus pais entraram no quarto, passou por minha mente dar graças aos céus por aquilo, contudo, quando dei por mim já estava colocando um por um dos mais de 30 comprimidos antipsicóticos o mais fundo possível em minha garganta, não sei quanto tempo demorei para acabar com a caixa inteira.
O que aconteceu em seguida é mais difícil relembrar do que parece, as paredes brancas, as luzes no corredor, as rodinhas da maca fazendo barulho no chão lustrado.
Tinha uma mulher ao meu lado com centenas de tubos ligados à ela, meu coração estava acelerado, perdi a visão periférica, meus batimentos pareciam irregulares, era como se conseguisse ouvir qualquer coisa até mesmo as que não existiam, me sentia como uma nuvem de tempestade.
Os acontecimentos seguintes não posso confirmar com tanta clareza, o Trilho do Trem foi colocado em meu nariz, a sensação era como se estivesse me afogando em um mar ácido, segurei aquele tubo de plástico que estava sufocando-me e o puxei, arrancando aquilo que queria estragar todo meu plano perverso de homicídio.
Enfiaram novamente o ácido ferrífero em minhas narinas.
Puxei.
Enfiaram novamente.
Puxei.
Desta vez me amarraram, amarraram meus punhos machucados na maca que rangia enquanto eu tentava me soltar puxando os braços para cima com o restante de força que ainda restava em meu corpo.

Meu terceiro homicídio foi mal sucedido. Digo "homicídio" pelo fato de que eu não queria morrer por completo, eu queria matar a parte que me magoava, a parte fragilizada, eu queria matar uma parte de mim, a parte da qual não reconhecia mais.
Sei que ao tomar todos aqueles remédios, mudei minha saúde até meus últimos dias, minha perda de controle foi ao extremo naquele dia e sei que voltará.
Quando você tenta cometer o próprio homicídio significa que tentará novamente.
Significa que a próxima vez será melhor planejada e melhor sucedida.

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