Corvo

5.4K 598 40
                                    

Acordei cedo como sempre, bocejei, me sacudi para tirar os pelos caídos e comecei a observar o nascer do Sol. É lindo, glorioso. A luz da manhã é delicada deixa as nuvens rosas como as flores no campo.
Seguirei o Corvo hoje, minha fome está começando a se manifestar novamente. Ele continua dormindo na mesma posição parece ter grudado lá, não posso sair daqui com toda certeza ele vai embora e não poderei segui-lo, depois do que você disse é claro que ele vai fazer isso. Decido me deitar novamente e esperar ele sair.
Demora um pouco mas finalmente ele acorda, não vejo estou deitada, mas posso ouvir o bater de asas. E agora começa a missão do dia: seguir o Corvo.
Ele sempre foi muito reservado, nunca falou seu verdadeiro nome, nem se tinha família. Me lembro de quando eu era filhote e ele passava o dia todo conversando com minha mãe, enquanto eu corria atrás de borboletas e molhava minhas patinhas num riacho não muito longe da toca. Ele me olhava e voltava a conversar com minha mãe. Tenho quase certeza que ele é muito velho, sabe coisas demais para ser só um corvo adulto.
Continuo andando até escutar um barulhinho de água, olho em volta, é um rio começando a descongelar. A primavera está chegando, não está mais tão frio. Estou seguindo o corvo pelo seu cheiro. Esta parte da floresta é nova para mim, farejo o ar, tem vários cheiros diferentes, de linces, corujas, coiotes e raposas. Nenhum cheiro de lobo. A luz do Sol atravessa os galhos secos e deixa a neve brilhante, uma coisa linda de se ver. Já eu...
Meu pelo está emaranhado a parte branca das patas e da barriga, a parte cinza das costas e da minha cabeça não estam muito melhor, os cortes se transformaram em feridas e meus olhos amarelos escuro devem estar do mesmo jeito de sempre: observadores.
Amo observar, faz minha vida ter um pouco de sentido. O Sol está no meio do céu, será que vai demorar mais?
Minhas patas estão começando a se cansar e minha fome, bem ela parece gostar de mim e não quer me abandonar. Vejo o corvo, ele pousou no alto de algo que não sei o que é.
Que é isso?
Cheiro estranho.
Ruídos estranhos.
É a toca dos humanos.
Me escondo entre a neve e uns arbustos para observar o local. É a primeira vez que vejo os cães, se parecem comigo, estranho eu jurava que eles eram diferentes. Voltando as observações é uma construção de madeira eu acho.
Um humano sai de lá de dentro e chama os cães que se levantam assim que escutam. É uma humana, carrega algo nas... nas o que? Patas? Não parecem patas. Ela está carregando comida! Sinto o cheiro, é carne de pato. Meu estômago se contorce. Ela dá um pedaço a cada um. Eles abanam a cauda, pulam e latem não parecem ter medo dela. Humm... se eu conseguir chegar lá à noite e finger ser um deles? Será que ela percebe? Ela não é cega e depois eles irão latir pra você. Obrigada consciência, você não sabe o quanto me anima. É melhor tentar roubar. O corvo não está mais aqui, já sei o caminho mesmo, não preciso dele. Irei tentar caçar um cervo por enquanto. Deixo os arbustos e trilho meu caminho de volta para a solidão da floresta.
Um pequeno detalhe.
Não gosto da solidão.
Ela me perturba.
Às vezes penso que até vou esquecer o meu nome. O corvo me lembra. Raksha é um belo nome, eu acho, queria saber o nome dos meus verdadeiros pais. A ideia me entristece, sei que nunca vou vê-los, nem sei se estão vivos ou mortos. Não vai fazer diferença nenhuma na minha vida. Sacudo minhas orelhas e sigo em frente, sempre em frente mas sem rumo.
Chego em um leito de rio congelado.
Há alguns cervos do outro lado.
Será que esse gelo me aguenta?
Parece quebradiço.
Coloco uma pata em cima, ele está derretendo.
Dou meia volta e sigo de volta para floresta.
Passo por entre as árvores, elas parecem me observar, vou tentar pegar uma lebre, elas são muito magrelas mas vão acalmar minha fome de lobo.
Continuo andando sentindo a neve sob minhas patas, farejo o ar em busca do cheiro de alguma lebre.
Achei um buraco no chão, tem cheiro de lebre. Hoje estou com sorte.
Só espero que ela não fuja como o último bicho que tentei pegar, começo
a cavar a neve, não demora muito para ela sair da toca e tentar fugir. Desculpe lebre hoje você vai morrer,
a abocanho e mordo o pescoço. Sinto uns ossinhos se quebrando. Morreu.
Me deito aqui mesmo e a devoro, alguns pelos inconvenientes tentam descer goela abaixo mas eu os cuspo.
Termino a lebre o que sobra só são alguns ossinhos e a cabeça, o Sol está se pondo. Humm...
Eu tenho duas opções.
A primeira: Ficar aqui e dormir tranquilamente a noite toda.
A segunda: Voltar a casa dos humanos e tentar roubar comida.
A segunda é mais tentadora, pelo simples fato que estou curiosa.
Como os cães não tem medo dos humanos?
Será que eles não são tão ruins assim?
Bem, talvez eu descubra isso hoje à noite. Também quero saber sobre aqueles dois que pareciam lobos.
Como podem parecer lobos?
São tantas perguntas e eu sou muito mas muito curiosa, eu também não tenho nada pra fazer.
Tenho planos para essa primavera e verão, irei começar a seguir os ursos. Lobos velhos e exilados fazem isso, só não sou velha mas quem se importa.
Sabe, agora que o inverno está acabando, mais lobos irão aparecer, mais disputas de território vão começar e por fêmeas também.
Eu não quero estar por aqui quando isso tudo começar, uma parte de mim se anima com a ideia de ser disputada embora a outra parte acha isso uma vergonha.
Lambo minhas patas, me levanto e vou na direção da toca dos humanos, o Sol já se pôs. A noite é uma das minhas horas favoritas.
As corujas brancas estão caçando ratos, algumas conseguem outras não.
A toca deles está iluminada com uma espécie de luz amarela.
Acho que é fogo.
É, é mesmo fogo.
Os cães estão deitados, que preguiçosos. Os dois que parecem lobos estão ali perto da entrada são irmãos um macho e uma fêmea.
Está na hora de procurar a comida.
O único problema será passar por eles.
- Raksha! - era o corvo - Sai daqui! Quer morrer é?
- Relaxe, eles não irão me ver.
Bem eu pensei que eles não iriam.
Quando eu chego perto o suficente escuto um latido. São os dois que parecem lobos.
Estão rosnando para mim.
O grande tem olhos azuis e me encara, a pequena tem olhos castanhos e também me encara.
- Escute, ladra, saia daqui antes que...
Ele foi interrompido pela irmã.
- Tikani, olhe bem para ela.- olhos voltados para mim, me encolho, ja me arrependi de ter vindo. - Está morrendo de fome coitada.
Eu estou paralisada de medo?
Não é medo.
- Espere aqui...- ela saiu e me deixou sozinha com seu irmão, que continuava a me encarar de forma impassível. Pareceu uma eternidade, mas ela voltou com um pedaço grande de carne.
- Obrigada. - foi a única coisa que saiu da minha boca, peguei o pedaço de carne e quando eu ia começar a correr ela me parou.
- Espere, qual seu nome?
- Raksha.
Dessa vez eu consegui correr.
Corri para longe dali.
Bem longe.

RakshaOnde histórias criam vida. Descubra agora