A coruja e o outono

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Dikeledi chegou junto do anoitecer e seu olhar de surpresa ficou nítido em seu rosto quando nos viu de perto.

- De fato, vocês realmente são parecidas. Mãe e filha. - ela retornou seu olhar para a coruja que lhe informou disso. - Qual o seu nome? A alfa pergunta a minha mãe e essa a responde rapidamente:

- É Rakih, eu queria agradecer pelo que fizeram com os filhotes das alcatéias do norte, nenhumdesses inocentes merece morrer por uma crença antiga. - Rakih me observa com os olhos suaves. - Apenas vim ver ela novamente, ainda não consigo acreditar que ela tenhsobrevivido.

Para ser sincera, nem eu, as habilidades de caça dela no inverno não são nada invejáveis...

- Não causarei problemas, alfa. - ela fala com um respeito aprendido por anos lidando com lobos piores. - Vou seguir meu caminho daqui a pouco.

Eu observo em silêncio a conversa entre as duas, ambas com cicatrizes e olhares cansados. Penso em intervir, pedir a Dikeledi para que minha mãe possa nos acompanhar por ao menos um dia e uma noite, mas a resposta vem logo em seguida, da alfa.

- Eu poderia te deixar ficar, mas as outras lobas, elas não acreditam que você não é como os outros lobos que uivam. - Dikeledi fala com a voz baixa. - Agradeço por entender.

Dikeledi me informa que partiremos quando a meia-lua surgir no céu e depois desse aviso, volta pela mesma trilha com cheiro de sangue, deixando sua coruja para me guiar de volta, caso algo aconteça. A coruja, branca como uma nuvem, aninha-se entre hastes e folhas compridas de capim amarelado.

- Bom, é melhor você encontrar seu grupo logo, não quero que fique sem uma alcatéia novamente. - Rakih me observa.

Fico em silêncio por muito tempo, e antes que ela parta novamente digo que nos veremos novamente.

Rakih passa o focinho sobre minha cabeça.

Não consigo decifrar a mensagem em seus olhos e tão rápido quanto ela chegou, minha mãe parte para outra campina.

Vejo ela se distanciar cada vez mais, assim como o resto de luz do dia que ainda teima em prolongar o crepúsculo.

Silêncio.

Sua existência em minha vida foi tão breve, mas ainda assim, foi ela que me trouxe a esse mundo. Me pergunto que tipo de mãe ela seria se pudesse ter me criado em sua alcatéia, se eu tivesse nascido em uma noite normal...

Tudo seria diferente. Talvez eu sentisse mais apego por ela, mais amor.

- Hmm - a coruja saí da sua toca improvisada e feita à poucos minutos. - É melhor irmos também, evitar que algum lobo vagante sinta o cheiro do nosso grupo.

Sinto o odor dos pelos de Rakih serem levados com o vento, para longe, para campinas mais distantes e frias.

Espero que nossa promessa se torne verdade e que possamos nos ver mais uma vez, uma última vez pelo menos, assim como vi Nerta. Acho que são poucos os lobos que tem a chance de possuírem duas mães, mesmo que uma delas seja uma raposa.

Suspiro, sentindo a brisa do outono levar meu próprio odor na direção de onde o meu grupo aguarda.

- Sim. - respondo a coruja - é melhor irmos mesmo.

A coruja branca como uma lua cheia, estica suas grandes asas e sem outra troca de palavras, ela alça voo, como se estivesse impaciente durante todo o tempo de espera, mas apesar de sua pressa, ela plana baixo, quase tocando nas hastes mais altas do capim morto. A sigo de perto, aumentando o ritmo das passadas apenas quando ela aumenta sua própria velocidade.

RakshaOnde histórias criam vida. Descubra agora