4 - Sangue na Carruagem

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Os cocheiros estavam todos em posição a espera de seus respectivos patrões. Nuvens escuras encobriam o céu, a paisagem fúnebre acelerava os passos dos transeuntes.

A noite do baile havia chegado ao seu fim. Aquela seria a ultima noite de Mamed e seus caçadores na cidade. Se despedirem do anfitrião e do prefeito Martin com demasiada cordialidade e subiram na diligência.

O vento soprava seu bafo gélido e deixava todos a tremer de frio. A carruagem seguia seu lento caminho e dentro dela os caçadores cantarolavam canções que denotavam suas vitórias por onde passavam.

Meu tiro é certeiro, lhe acerta no meio.

E não há escapatória, pois você é a minha joia.

Caia no chão, desfaleça canino,

espere o meu tiro e então solte o seu ultimo suspiro.

No lumiar da rua, antes de chegar ao hotel, acontecera, porém, um fato inusitado: o cocheiro, imperscrutavelmente, caíra da condução da carruagem fazendo-a ficar sem rumo. A queda do homem não foi notada pelos os viajantes que gargarejavam e cuspiam sem parar. O cocheiro caiu desfalecido no chão, porém a carruagem tomara um novo condutor que seguiu com eles para um lugar ermo.

A carruagem parou e os passageiros, sem perceber onde estavam, desceram do veículo e exclamaram impropérios ao condutor que já não estava mais em posição condutiva.

– Que diabo está acontecendo?! – disse Ribamar, um dos caçadores.

– Não sei, mas fiquem atentos e com suas armas em punho. – disse Mamed Delamarco. – Venha também, Francisco! – mas Francisco estava completamente embriagado e roncando como um monstro. – Que miserável! Fique aí mesmo, seu alcóolatra.

Mamed e Ribamar recuperaram a lucidez espontaneamente; este é um típico fato dos grandes caçadores. Rodearam o local em busca do condutor que havia sumido estranhamente.

– Deve ter tropeçado ao passar por algum solavanco. – disse Ribamar.

– Não senti nenhum movimento brusco na carruagem. – interpelou Mamed Delamarco. – Agora que estamos recuperando a noção, vamos voltar de onde viemos para ver se conseguimos encontrar este infeliz que está possivelmente embriagado. – completou, subindo na diligência para guia-la.

Ao voltar para a cabine, Ribamar viu Francisco quase que degolado, com a cabeça pendendo a cair da carroça.

– Meu Deus! – exclamou. - Dê uma olhada nisto, Mamed!

Dizendo isto, Ribamar foi puxado abruptamente para cima da carruagem. Mamed Delamarco, saltando como um louco da direção, petrificou-se com aquela poça de sangue, com Francisco mutilado no pescoço. O sangue pingava agora do teto da condução, trespassando absurdamente.

Mamed desferiu três tiros naquela direção e logo depois viu o corpo de Ribamar sendo jogado na dianteira da carruagem. Mamed estremeceu e surtou dando tiros no escuro. Toda a sua experiência como caçador se tornou fugaz naquele tenso momento. Talvez por agora ser a presa, e não o caçador.

No apogeu da sua insegurança, Mamed Delamarco viu um enorme animal pular em cima dele com uma fúria indizível. Os dois se debateram por vários segundos naquela grama úmida, porém o animal possuía uma força descomunal e conseguiu desferir vários golpes no abdômen de Mamed; o sangue foi jorrando por toda a carruagem. O tenro bramido de Mamed Delamarco não pôde ser ouvido, foi apenas um gemido fraco e implorante. O estranho ser pôs o corpo de Mamed em suas espáduas, e fugiu levando consigo o seu corpo.

No dia seguinte, a carruagem já não estava mais naquele local. E o cocheiro, que havia sido expelido da condução, não se lembrava de absolutamente nada. 

O Homem que EmpalhavaOnde histórias criam vida. Descubra agora