6 - Depoimento de Amada Felipo

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No dia seguinte, bem cedo, a família Felipo compareceu à sala do delegado Xavier Lourenço; Amanda ainda possuía em sua face vestígios de pânico. Sentou-se em uma cadeira e começou a contar pormenorizadamente o que viu na noite passada.

– Eu vi o demônio, senhor Xavier – repetia a moça. – Você pode me chamar de maluca, mas o que vi na noite passada foi o demônio. E este demônio todos vocês conhecem.

– Você sabe quem matou o empresário? – perguntou o delegado.

– Sim. Trata-se de Nicolau Lobo.

– Oh, filha. – Murmurou madama Rose Felipo.

– Como? Nicolau Lobo, o artista? Esta acusação é muito séria, senhorita Amanda Felipo. Que provas você tem para acusá-lo?

– Eu estava avistando-o no teatro, pois sempre tive esta nítida impressão de que este homem não é um homem normal, e o vi sumir antes de começar o primeiro ato da peça. Ele estava com uma expressão demoníaca e não parava de olhar para os camarotes. Entre esses olhares amedrontadores, vi ele me fitar severamente. Senti um medo sobrenatural possuir meu coração e deixei a lupa cair no chão. Quando olhei para o lugar onde este estava, havia sumido.

– Não entendi, senhorita. O que isto tem a ver?

– Como assim, delegado?

– Isso não prova nada, senhorita. – disse o delegado.

– Ele sumiu, ele é um suspeito.

– Um suspeito. Agora você está sendo sensata.

– Afirmo com veemência, caro delegado, que neste intervalo de tempo Nicolau Lobo entrou no camarote do empresário Ulisses e o matou. E afirmo também que ele estava completamente transformado em um monstro, talvez um capelobo.

– Muito bem, senhorita. Descarto a hipótese de Nicolau Lobo ser um monstro, isto é irreal e até mesmo infantil como você tanto assevera. Capelobo? Santo Deus! Ouvia sobre esta lenda quando era criança. O assassino está apenas nos ludibriando, tentando nos confundir e infelizmente está conseguindo. Porém, chamarei um dos meus homens que ficaram em guarda na portaria do teatro ontem à noite. Caso Nicolau tenha saído do teatro antes do assassinato, suas acusações serão falsas.

– Por que falsas, delegado Xavier?

– Porque seria impossível o homem se adentrar novamente no teatro para assassinar o senhor Ulisses sem ninguém o ter visto.

– Por que impossível? – perguntou Amanda.

– As entradas estavam todas monitoradas, senhorita, e se alguém me afirmar que o viu entrar, posso até levar a sério esta sua acusação. Precisamos de provas contundentes, senhorita Amanda. Poderia ser outra pessoa que já estava dentro do teatro antes da peça começar. Pode ser qualquer pessoa, não só uma pessoa que simplesmente sumiu de sua vista. Uma acusação desta precisa ser avaliada. E se não for Nicolau Lobo? Veja o constrangimento que o faríamos. Poderia até nos processar.

– Queira chamar seus homens, delegado; e pergunte se o viram sair durante a peça. – disse Amanda alterando a sua voz.

O delegado chamou seus homens, e quando a pergunta foi feita, um de deles afirmou a questão dizendo que o conde saíra da peça, pois estava se sentindo mal. Esta afirmação deixou o delegado bastante satisfeito. Além do mais, o homem afirmou também que Nicolau Lobo tomou seu veículo de tração humana e seguiu rumo à sua casa.

– Satisfeita, senhorita Amanda Felipo? – perguntou o delegado.

– Nenhum pouco. Quem pode nos afirmar que ele seguiu direto para a sua casa. Ele poderia muito bem ter dado meia volta e entrado novamente no teatro.

– Por qual entrada, senhorita?

– Não sei. O delegado é você, não eu.

– Senhorita; ele não voltou para o teatro.

– O senhor tem certeza disto?

– Absoluta.

– Ele poderia ter usado os altos ou o subterrâneo, afinal há entradas por lá, não é mesmo, papai?

– Sim filha. – disse o responsável pelo teatro. – Porém as entradas dão acesso às portas principais. Só uma que não. Mas para entrar por ela tem que ter bastante agilidade, pois é uma entrada subterrânea e bastante alta. Pode-se entrar nela apoiando-se com os pés nas paredes. Apenas um macaco faria isto. – completou sorrindo.

– Pronto! – disse o delegado. – Seria impossível Nicolau Lobo entrar por ali.

- Por que impossível?

– Aquele homem é coxo. Jamais poderia subir por aquele estreito lugar. Além do mais, é um artista fracassado, um homem digno de pena.

– Delegado, aquilo não é apenas um homem, é também um animal. – completou a moça.

A família da moça amparava-a e dizia para se acalmar. Estavam todos envergonhados pelo o papel que a moça se prestara. Lá fora, trombas e pandeiros anunciavam a chegada do circo. Um grande espetáculo estava por vir.

O Homem que EmpalhavaOnde histórias criam vida. Descubra agora