Capítulo 16

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Com meu pai caminhando para os seus últimos anos de vida, a ordem era cortar despesas onde fosse possível. No início de 1995, ele fechou a casa da rua Barão de Jaguaribe e pediu para que eu e o Puts nos mudássemos para a casa da minha mãe, na rua Alberto de Campos. Minha mãe pediu um aumento na pensão e eu pedi para que uma falsa parede que separava dois quartos no apartamento dela fosse retirada e eu ficasse com os dois quartos para mim e para o cachorro.

Naquela época, eu ainda teria que esperar mais um semestre para ter a minha carteira de advogado, mas, além de não ter a menor vontade de advogar, eu tinha que arranjar um jeito de por dinheiro em caixa. Com livro, ia ser difícil. Então pensei em entrar para o mundo da propaganda, ou, na pior das hipóteses, ser tradutor.

Pela minha terapeuta corporal Aléxia, consegui um teste em São Paulo com o Milton Cebola, um dos diretores de criação da McCann-Erickson. Ele me pediu para fazer duas propostas de comerciais de televisão para um achocolatado, leu e depois deu umas dicas para um segundo teste de mais dois comerciais. Para o quarto comercial, tive uma excelente ideia que ele também gostou. Disse que, se fosse para valer, aquele comercial teria sido aprovado.

Coloquei-me à disposição da McCann e ele mandou o material para o Ricardo Guinsburg, que comandava a criação da McCann-Erickson no Rio. Mas já estávamos no fim do ano, o presidente Fernando Henrique iria tomar posse em breve, o Brasil respirava uma onda de otimismo com o Plano Real, e Guinsburg não ia perder o tempo dele com um novato, mesmo sendo alguém que teve um teste aprovado em São Paulo. Muito gentilmente, Cebola me indicou mais dois nomes para procurar no Rio, mas nenhum deles me atendeu e a coisa morreu aí.

Tive que fazer uma pausa nas minhas atividades criativas para enfrentar o exame da OAB. Era um exame oral, melhor que o escrito, mas mesmo assim poderiam perguntar qualquer coisa sobre direito civil, direito do trabalho e direito penal. Não passei em direito do trabalho (tema que nunca me interessou) e fui para a segunda prova, com cinco examinadores na banca. Como alguns já sabiam que eu tinha publicado um livro, comentaram.

– Ele é escritor, poeta...

O representante da OAB perguntou:

– E pretende advogar?

– Bem, se eu for advogar, não vai ser sobre nenhum dos temas que estão me perguntando aqui.

– Do que é que você entende?

– Lei de Imprensa e direito autoral.

Ninguém entendia nada de direito autoral. Fizeram quatro ou cinco perguntas sobre a Lei de Imprensa, eu acertei e passei. Quarenta dias depois, fui pegar minha carteira definitiva da OAB. Embora eu não pretendesse advogar – certamente não full time –, ter uma carteira da Ordem me deixava num outro patamar. Não é muito fácil intimidar alguém que estampa uma carteira de advogado vermelha à sua frente. Embora eu nem sonhasse em trabalhar com isso, gostei.

Com dificuldade de locomoção, meu pai não foi à solenidade de entrega da carteira. Uma semana antes, eu recebera minha primeira encomenda na área de tradução.

Era um trabalho simples: fazer a revisão de um livro de poesias alemãs do século XVIII.

Oi??

Pois é. A encomenda vinha do Ênio Silveira, que, nos anos 1950, foi um dos editores mais importantes do Brasil. A Livraria Civilização Brasileira era ponto de encontro de "intelectuais" de esquerda. Mas Ênio havia sido perseguido e prejudicado pela ditadura militar. Agora, trabalhava sozinho aproveitando a estrutura da Bertrand Brasil, no Centro do Rio. Um mês antes, eu havia deixado uma amostra de tradução do inglês com o assistente dele e da Bertrand, Rafael Goldkorn. Mas o que eles queriam eram os meus conhecimentos de alemão.

PUTS! 17 anos e meio ao lado de um engraçadíssimo cachorro-pessoaOnde histórias criam vida. Descubra agora