Capítulo 3

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Antes da chegada do Puts, em maio, o ano de 1983 já prometia ser glorioso.

No dia 21 de abril, feriado de Tiradentes, eu experimentara uma epifania, um choque de vocação, em Foz do Iguaçu.

Eu estudava na Escola Suíço-Brasileira do Rio, uma "escola experimental bilíngue", onde tínhamos aula em alemão e português. Nas aulas de alemão, líamos e ouvíamos histórias dramatizadas e um professor muito voluntarioso e gente boa, Peter Joos, sugeriu que os alunos desenvolvessem essas histórias dramatizadas em alemão.

Parte das aulas era dividida em dois grupos: suíços e brasileiros. Mesmo sendo brasileiro, alguns anos antes fui chamado para integrar o grupo dos suíços. Com a famosa crise de 1981, quase metade da turma saiu – incluindo alguns dos meus melhores amigos –, para a escola alemã, que custava a metade do preço. No grupo dos suíços, só ficou um garoto, Rick Reiner, que hoje é agente sul-americano de muitos dos DJs internacionais que vêm ao Brasil dar show de música eletrônica. Nosso "grupo" era só nós dois.

Muito criativo e baixista-fundador do grupinho de rock lá da escola, Rick deu a ideia e rapidamente ditou aos borbotões sete laudas de uma história chamada Der Tod im Erziehungsheim (Morte no Internato). Esse trabalho era feito às sextas-feiras. Depois de me ditar as tais sete páginas, ele me disse:

– Gabriel, eu já escrevi a metade da história. Agora você escreve a outra metade!

Intimamente, eu sabia que ainda estávamos longe da metade, mas, naquela época, o Rick era meio gordo e umas três vezes maior que eu, que era magro e franzino. Mesmo assim, achei melhor escrever pelo menos umas sete páginas, para que qualquer discussão se desse em pé de igualdade. Na quarta seguinte, eu embarcaria com os meus pais para passar um feriado prolongado em Foz do Iguaçu e fiquei de pensar na viagem o que eu iria fazer com a tal história.

Quinta-feira, dia 21 de abril de 1983, passei a manhã nas cataratas do Iguaçu, um dos passeios mais bonitos do mundo. O rio Iguaçu estava com muita vazão, com a água bem acima do normal. Fui com a minha mãe até a passarela que levava à Garganta do Diabo, que ficava no coração das cataratas. Saquei minha carteira, comprei uma capa amarela e fui em frente. Minha mãe veio atrás, mais devagar.

– A senhora não pode passar. A passarela está fechada agora – disse uma guarda do parque.

– Mas o meu filho está ali...

– Ele vai voltar. A senhora fique aqui.

Minha mãe, medrosa como ela só, ficou com o coração na boca de ver o filho miúdo ir parar no meio das cataratas. O spray era forte, mas não havia perigo. Mesmo que o spray de água deixasse tudo branco à minha frente, fui tateando pelo corrimão da passarela até dar a volta completa. Minha mãe ficou aliviada quando me viu voltar, todo ensopado naquele frio paranaense.

De volta ao hotel, numa época em que não havia esse negócio de se considerar crime menor beber bebida alcoólica, meu pai aconselhou:

– Toma um conhaque. É bom para aquecer o corpo. Pode tomar!

Tomei e fui dormir. Quando acordei, bem relaxado, peguei as tais sete laudas que o Rick havia me ditado e li com a maior atenção. Quando terminei, baixei as folhas e sabia exatamente como a história se desenrolaria, até o final. Vai acontecer isso, isso e isso. Sem nunca ter feito uma oficina literária ou participado de um curso de roteiro, eu sabia que essa seria a minha profissão: escrever histórias, de preferência roteiros com diálogos e cenas visualmente instigantes. Nunca duvidei da minha escolha e tudo começou ali, num simples trabalho de alemão passado para toda a turma, numa aula da antiga 8ª série do 1º grau.

PUTS! 17 anos e meio ao lado de um engraçadíssimo cachorro-pessoaOnde histórias criam vida. Descubra agora