7: Quando eu não tinha ninguém

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       Minhas asas cortavam as nuvens e o frio daquela altitude não me incomodava, meu choro confundia minha visão e eu voava em ziguezague.

Precisava ver com os meus próprios olhos o que meu coração se recusava a acreditar. Ele cuidou de mim, me amou quando eu não tinha ninguém.

O vento parecia uma lâmina tentando cortar meu rosto e eu usava os braços pra me proteger, não que adiantasse de muito.

Havia uma neblina fina aquela manhã, percebi a medida que me aproximava da minha antiga casa que haviam pessoas nela, todas vestidas de preto com lenços nas mãos. Conhecia tanta gente dali e queria poder fazer parte desse momento, mas não sabia lidar com as perguntas de "aonde você estava", "o que aconteceu", não podia responder isso..

Encostei na parede e olhei disfarçadamente pela janela, lágrimas escorreram do meu rosto automaticamente.

Todos que estavam na minha casa se levantaram e foram saindo um por um, haviam muitos carros estacionados na calçadas e seus respectivos donos tomaram acentos neles. Me escondi atrás de uma árvore enorme que tínhamos no quintal e consegui ouvir o nome do cemitério que eles iriam enterrar meu pai.

Esperei um por um que todos saíssem e entrei em casa abrindo a porta com a chave que levei no bolso.

Ao mesmo tempo que a era reconfortante a sensação de estar em casa e sentir o frio do Rio Grande do Sul, era horrível voltar naquele contexto, voltar sem ele lá não era completo.

A minha casa estava escura e vazia, triste e sem vida, não era como costumava ser..

Fui até o quarto do Rômulo e o distintivo dele estava na cômoda, as lágrimas que saiam dos meus olhos caíram em cima dele, gota por gota.

Eu queria fugir, queria cavar um buraco de baixo da terra e me esconder nele pra sempre. 

Olhei nossas fotos juntos na geladeira, sorri e chorei, em todas as fotografias nos sorriamos.

A morte é irônica, nos faz chorar por pessoas que nos fizeram sorri..

       Sai e tranquei a porta. Subi aos céus mais uma vez e fui até o cemitério.

Era um lugar bonito até, predominava a cor verde das árvores e gramados. Andei devagar procurando por ele. E vi nossos familiares todos reunidos.

Fiquei ao longe observando e o tempo parou.

Literalmente, todos de repente ficaram estáticos, até mesmo a folha da árvore que estava quase alcançando o chão ficou parada como se fosse agarrada. Olhei para os céus e as nuvens também não se moviam, o padre não mais seguia o enterro ou fazia qualquer outra coisa.

Dei um passo a frente com cautela e nada aconteceu. Dei mais outro e mais outro. Ainda tudo parado.

Então passei pela multidão da minha "família" e me sentei ao lado dele, que estava dentro do caixão pronto para ser enterrado.

    - Não era pra ser assim pai. - O choro distorcia a minha voz - Eu devia te proteger, assim como você me protegeu, não podia ter te deixado. Foi você que me amou quando ninguém sabia o meu nome. Eu queria voltar no tempo, nunca sairia da nossa casa. Eu te amo, pai. Queria ter dito isso mais vezes. Só Deus sabe o quanto eu queria ter dito mais. Mas vou matá-lo, te prometo, com as minhas próprias mãos. - dei um beijo em sua testa gelada e descansei minha cabeça em sue peito.

Foi a pior sensação da minha vida, parecia que uma corda apertava meu peito de tanto que doía. Eu chorava auto porque era a única saída que via para a dor.

O Rômulo havia me feito quem eu era, mas a vida me fez dura a partir daquele dia..

Passei mais de meia hora ali jogada em seus braços chorando. Por fim dei um beijo na sua testa e parti.

Eu sentia ódio, muito ódio. E ele me consumia inteira. Voava o mais rápido que podia, num intenso frenesi.

Cheguei em Boston como um raio e ao abrir a porta encontrei Berlinda, Isaac e Matheus sentados num silêncio que devorava a casa por inteiro. 

Olhei mais atentamente para Isaac e senti algo quente surgir dento do meu estômago, impulsos nervosos que me faziam tremer e eles eram alimentados pela raiva que sentia. 

Cheguei perto dele.

    - Vocês não deveriam protegê-lo? - disse de cabeça baixa diante de Isaac.

    - Como?

    - VOCÊS NÃO DEVERIAM PROTEGÊ-LO!? - cuspi palavra por palavra e levantei a cabeça pra que ele visse os meus olhos negros como da última vez.

    - Gabriela.. Eu sinto muito pelo seu pai.

    - Será que sente, Isaac? Será? Você não parece se importar com anda além de sí mesmo!

Ele por um segundo ficou em transe como se estivesse revivendo uma memória.

    - Eu não podia adivinhar isso!

    - A Comunidade deveria ter colocado anjos pra proteger a casa! Vocês deveriam guardá-lo já que me mandaram pra uma missão suicida! Mas vocês não se importam não, não é? - aguardei seu pescoço e o levantei no ar. Meu corpo estava se recarregando com a raiva que eu emanava, foi como se algo dentro de mim tivesse despertado. Fui apertando seu pescoço devagar, Isaac até tentou se soltar mas eu era mais forte. Seu rosto foi ficando vermelho e cada vez mais lhe falava o ar.

    - Gabriela! Larga ele! - Era voz de matheus.

Fui apertando mais.

    - Gabriela! Por favor!

Olhei para os olhos de Isaac e o soltei. E corri para o meu quarto, deixando todos na sala sem reação. 

O que havia acontecido foi a primeira vez. Nunca antes senti tanto ódio, nunca antes senti vontade de matar.

Me tranquei no banheiro e olhei no espelho meus olhos negros com raios azuis passeando entre eles. Era como não saber mais quem eu era, ver o reflexo do meu corpo mas não dá minha alma. E ao mesmo tempo me ver claramente, ver um lado negro e sombrio que motava em mim. Ver toda a minha raiva ganhando forma..

Me sentei no chão e abri as asas. E me envolvi nelas porque eram escuras e me escondiam da luz. Me protegiam do caos e guardavam o meu próprio dentro de mim..

Entre Anjos & Guardiões 2: A ProfeciaOnde histórias criam vida. Descubra agora