Sem correção...
Murilo,
- Podia ao menos ter tentado! – Thiago gritou comigo passando para a outra tenda que tinha o mesmo cheiro podre. Cheiro de doença. Cheiro de quem não tinha mais esperanças. Era o cheiro da morte que se aproximava a cada segundo mais. E esmurrando uma mesa improvisada que chamavam de maca quis demonstrar toda sua fúria contra mim. Podia até ter sentido medo, se não tivesse a certeza de que ele nunca ousaria a partir para cima de mim. Sempre fora um fraco, um covarde, que se escondia, à beira da saia da mãe todas as vezes que eu lhe prometia uns socos na cara. Não seria esse lugar fétido e imundo que o teria transformado em um leão valente ao ponto de me enfrentar.
- Não tinha por quê. O garoto não tinha mais nenhuma expectativa de vidas. Assim, como várias pessoas aqui. Olhou para aquele moleque? Só de ver eu senti... – Sentei-me sobre o único banco que me parecia limpo ali.
- Sentiu o quê? Vergonha? De ver que enquanto dormimos e vivemos em luxuosas mansões parte da humanidade ainda vive na miséria? - Não é que a situação não me incomodava. Ao contrário, incomodava-me até demais. Mas não estava ali para mentir àquele povo. Estava ali, porque um desgraçado, nesse caso meu pai, havia imposto que eu estivesse ali por dois benditos anos. Segundo ele, eu precisava aprender a ser médico de verdade. Mas eu sabia que o era. E muito bom!
E acima de tudo por dois longos meses, eu não poderia exercer a profissão.
- Nem desfaça sua mochila, vai embora amanhã. Não ficará aqui com toda essa amargura que traz no peito achando que todos nós somos culpados por sua vida ter se transformado em um inferno. Não nos arrastará com você. Meu pai não tinha esse direito. Isso aqui é muito sério. - Quanto tempo o Thiago estava ali em missão? Dois ou três anos? E pelo jeito parecia gostar de morar no meio do nada.
- Chega! – Não iria ficar ouvindo sermão do irmão mais novo.
- Não. Alguém precisa te esclarecer que a cada dia perdemos dezenas de pessoas por todas essas províncias ou em outros acampamentos, mas não fazemos isso sem tentar até o fim.
- Não estou aqui porque quero. – Me levantei e fui até o bebedouro, claro para constatar que não havia água naquele maldito lugar.
- Claro que não. Está aqui porque o pai acha que se visse com seus próprios olhos a vida humana se esvaindo teria compaixão e colocaria a medicina em favor dos necessitados ao invés de ficar se embebedando todos os dias, com pena de si próprio e torrando o dinheiro da família. – Verdadeiramente eu não precisava ficar ali ouvindo tudo o que ouvia do velho a mais de um ano e meio.
Eu não queria estar ali no meio do nada. Naquele lugar que cheirava à morte. A morte e eu não tínhamos um bom relacionamento, e ela agora parecia me perseguir onde quer que eu fosse, porém, não me levava nunca, e isso não era bom.
Saí da tenda e olhei em volta. O povo do lugar pareciam mesmo com o que se via na Tv. Seus ossos estavam grudando à pele. E meu diagnóstico era que não devíamos ficar ali iludindo aquele povo tão castigado e sofrido.
- Doutor! – Uma pequena multidão se fez ao meu redor fazendo festa. Eu entendia as palavras em português, mas também tinha ideia que havia outra língua sendo falada, a qual eu não tinha noção da qual poderia ser. Não cheguei a ler a pasta que me fora entregue durante o voou, antes de partirmos para Nikaule. Tudo o que penso não iria mudar lendo belas palavras descritas por pessoas apaixonadas em doarem suas vidas por gente desconhecidas.
Médicos que abrem mão de suas vidas para cuidar de vidas do outro lado do mundo, mesmo sem conhecer ninguém. Correndo o risco de se contaminarem a qualquer momento com doenças desconhecidas e principalmente em troca de nada?
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Sob o Sol de Nikaule - Degustação
RomanceCompleto na Amazon. Um médico que perdeu sua esposa e filha durante um parto. Uma guerreira de um povoado pobre e sofrido. Um encontro necessário para salvar almas e curar feridas. Murilo e Becca.