Capítulo 5

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Capítulo 5

Eu não posso dizer que sempre amei desenhar. Enquanto crescia, eu rabiscava como qualquer outra criança. Um interesse desinteressado. Claro, era divertido, mas só até outra coisa mais chamativa captar minha atenção. Quando as visitas ao hospital se tronaram mais frequentes, no entanto, tudo mudou.

Eu recorri à leitura, no começo. Passava horas e horas imersa em livros. Não existem muitas opções para entreter uma garota internada na ala neurológica. O problema é que, apesar de me manter entretida, ler não era o suficiente. Me parecia que ao invés de usar meus próprios sentimentos, eu estava pegando emprestado os dos personagens. Não era saudável. Tinha tanta coisa borbulhando dentro de mim. Ainda tem. Manter tudo preso servia apenas para me deixar mais irritada. Eu não sabia como expressar o que eu estava sentindo, então eu simplesmente... Explodia.

Isso até Ben forçar um lápis e um papel em minhas mãos.

Ele era o enfermeiro que passava mais tempo comigo. Ao longo dos anos, passou a me conhecer como a palma da própria mão. Lembro perfeitamente do que disse, logo depois de eu, com não mais de nove anos, gritar com a minha mãe por não me deixar sair do hospital.

"Escute-me bem, menina. A vida jogou uma bomba sobre você. É injusto? Com certeza. Você é nova demais para lidar com uma coisa dessas. Mas sabe em quem mais a vida jogou uma bomba? Nos seus pais. Eu vi você nascer, Alice. Eu estava lá. Eu vi o momento em que seus pais puderam te segurar pela primeira vez. Os olhos deles carregavam o tipo de amor que move montanhas, e esse amor estava direcionado única e exclusivamente para você. É egoísta da sua parte ficar brava com eles. E se tem uma coisa que eu sei, é que você não é egoísta. Então, você tem duas opções, menina. A primeira é continuar atacando seus pais por uma coisa que eles não podem controlar. A segunda é colocar tudo para fora antes que o os seus sentimentos acumulados machuquem alguém."

Naquele dia, eu aceitei a arte como mais do que uma coisa para se colocar na parede. Eu aceitei-a como uma forma de expressar o que eu sinto sem precisar despejar tudo em outra pessoa, tanto o bom quanto o ruim. Depois do banho de realidade que Ben me deu, eu passei a viver com as mãos manchadas de grafite e a cabeça mergulhada no papel. Eu nunca mais explodi em ninguém.

O único problema da minha relação intensa com o desenho é que quando preciso colocar algum sentimento para fora, meu foco se torna apenas o que estou desenhando. O mundo exterior fica borrado. O tempo me escapa.

Isso foi exatamente o que aconteceu depois de eu ter subido para o meu quarto após terminar de almoçar com a minha mãe. Eu não havia tido a chance de desenhar desde que chegamos a San Diego, então mal terminei de desempacotar minhas caixas cheias quando fui arrastada para minha recém-montada escrivaninha. Thunder deitou-se ao meu lado e lá ficou, sabendo que em momentos assim, eu não seria capaz de lhe dar muita atenção.

Quando o relógio mostrou seis e meia da tarde, minha mãe entrou como um furacão no meu quarto, carregando um vestido em cada mão. Thunder imediatamente levanta a cabeça que antes descansava sobre as patas. Eu, por outro lado, sinto todo meu corpo tencionar, sabendo o que está por vir.

"Querida, qual você prefere?" Ela pergunta, os olhos focados nas roupas.

Eu, no entanto, não tenho tempo de responder, já que assim que a atenção foi transferida para mim, sua expressão foi de inofensiva para mortífera em questão de segundos.

"Alice Charlotte Arden, você pode me explicar, por favor, o que está fazendo?" Seu olhar passou por todo meu corpo, ainda vestido nas roupas que usei para sair de manhã, até minha mão, segurando fortemente o pedaço de giz pastel preto, antes de ela voltar a falar. "Porque parece que você está desenhando, ao invés de estar se arrumando para o jantar que teremos em meia hora."

Ah, caramba.

"Ai, mãe. Eu esqueci." Minha resposta sair encharcada de arrependimento.

"Ruth foi gentil em nos oferecer um jantar de boas vindas. Eu não quero que a impressão das primeiras pessoas que conhecemos aqui seja de uma família que não sabe olhar um relógio. Seu pai chegou e já está quase terminando de se arrumar." Sua voz soou parecia uma chuva de granizo. "Vá tomar um banho e coloque uma roupa bonita. Nos encontramos lá embaixo em vinte e cinco minutos."

Ela me lançou mais um olhar rígido e se preparou para sair do quarto, mas eu a interrompi antes que pudesse ir longe.

"Florido."

"Como é?"

"O vestido? Coloque o florido. Ele te faz brilhar."

Sua expressão suavizou-se imediatamente e ela não conseguiu esconder o sorrido ao completar "Ande logo, não quero chegar atrasada.".

Dito isso, minha mãe deixou meu quarto e eu fui me arrumar.


Vinte e sete minutos depois eu me vejo parada em frente à porta com Thunder vestido em seu colete vermelho balançando o rabo enquanto esperamos meus pais. Consegui me aprontar em tempo recorde. Acho que nunca tomei um banho tão rápido e ainda não sei como consegui colocar uma maquiagem decente.

"Você está linda, querida." Ouço a voz do meu pai assim que ele aparece na escada. Eu não senti a necessidade de exagerar na roupa, já que estávamos indo jantar na casa dos vizinhos, mas admito que a combinação da minha calça preta favorita com a camiseta cinza estampada com um pequeno coração do lado esquerdo me faz sentir bonita.

"Você também não está nada mal, pai." Respondo dando uma boa olhada em sua calça jeans e camisa social branca dobrada na altura dos cotovelos. Os cabelos acinzentados deixam bem claro que ele já não é mais um garoto, mas seus traços fortes exprimem a certeza de que ele já foi um jovem ridiculamente atraente. Não é surpresa que ele acabou casando com a minha mãe.

"Chega de conversa, queridos, estamos em cima da hora."

Falando no diabo.

Ela surge em meu campo de visão descendo as escadas enquanto termina de ajeitar seu brinco. A estampa colorida de seu vestido que bate nos joelhos acentua o tom claro de sua pele. De nós três, ela sempre foi a menos... Afetada pelo sol.

"O engraçado é que fui eu quem passou anos no exército, mas é sua mãe quem soa como um general." Meu pai sussurra, roubando uma risada de mim, antes de acrescentar em um volume que minha mãe pudesse escutar. "Você está maravilhosa, meu amor."

"Eu disse que esse vestido te faz brilhar."

"Obrigada, queridos." O sangue sobe para suas bochechas enquanto fala, mas ela logo se recompõe. "Agora, vamos."

"Sim senhor, capitão." Meu pai e eu respondemos em uníssono, batendo uma continência exagerada.

"Isso não é divertido? Estamos prestes a fazer nossas primeiras amizades californianas!" Ela não se deixa afetar pela brincadeira que fazemos e sem dizer mais nada, abre a porta e segue para a casa em frente a nossa. Eu e meu pai seguimos, observando de perto o sol que irradia dela.

 Eu e meu pai seguimos, observando de perto o sol que irradia dela

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Olá, olá! Mais um capítulo de "A Garota com o cachorro de vermelho", espero que estejam gostando.

Muito obrigada pela atenção, significa tudo para mim.

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Com todo meu amor, Júlia Romanholi

A Garota com o Cachorro de VermelhoOnde histórias criam vida. Descubra agora