Capítulo 3
O dia lindo quase me faz esquecer toda a situação inconveniente na lanchonete. No entanto, o que realmente melhora meu humor é a visão de uma loja aberta alguns quarteirões à frente. Sorrio em êxtase ao parar em frente da vitrine repleta de quadros e pinturas. Uma placa anuncia suprimentos artísticos logo abaixo do nome Le Parnasse. Olho para Thunder, sentado ao meu lado na calçada.
"O que você acha, garotão? Vamos dar mais uma chance pros californianos?" Ele responde levantando as orelhas. "Vou considerar isso como um sim."
Respiro fundo e abro a porta da loja.
O cheiro forte de tinta fresca inunda meu corpo. Uma música suave toca ao fundo enquanto eu tento absorver tudo ao meu redor. Caótico seria a palavra ideal para descrever o interior da loja. Telas, pincéis, lápis e vários outros materiais, dos mais diferentes tipos e marcas, estão dispostos entre quadros, desenhos e esculturas, fazendo o lugar parecer apertado. É quase informação demais, mas tudo se une formando um ambiente que beira a perfeição. Só de estar parada no meio da loja, sinto a arte.
Na Grécia e na Roma antiga as pessoas acreditavam que a criatividade, e portanto a arte, não era algo que vinha de dentro do ser humano. Eles acreditavam que uma criatura mística, quase celestial, rondava o artista sussurrando-lhe inspiração. Eles chamavam esse ser de gênio. Dessa forma, as pessoas não eram gênios, mas sim tinham gênios. Sendo assim, era como se essa criatura divina vivesse no canto do atelier de um escultor, por exemplo, concedendo-lhe a dadiva que se transformaria em obras de arte.
Eu não sei se essa história é verdadeira. Não sei se realmente existem gênios por trás de todos os artistas. Mas uma coisa é fato. Se existem, eles moram aqui.
"Olá, olá!" Uma voz animada cumprimenta atrás de mim. "Caramba, isso sim é um cachorro grande!"
Quando viro, me deparo com uma mulher. A pele escura não consegue esconder as manchas de tinta que cobrem seu corpo em tons de verde e vermelho, mas consegue esconder sua idade. Olhando para ela, não consigo dizer se tem trinta ou cinquenta anos. A postura relaxada e o sorriso brilhante me levam a acreditar em sua juventude. Os olhos, no entanto, me passam outra impressão. Eles exibem um tom de sabedoria, de experiência. São daqueles que parecem já ter visto muita coisa.
"Bom dia!" Respondo sorrindo, dessa vez de verdade, e afago a cabeça de Thunder. "Ele pode até ser grande, mas é só fazer carinho na barriga que ele se transforma em um bebê que cresceu demais."
"Igualzinho a todos os homens." Ela ri enquanto fala e eu não consigo evitar me juntar a ela, que vem até mim e estende a mão. "Meu nome é Margot. Seja bem vinda à Le Parnasse."
Depois que me apresento, nós começamos a conversar. Ela me conta um pouco da sua vida. Diz que sempre foi apaixonada por arte e que, quando os pais ameaçaram expulsá-la de casa por decidir estudar artes plásticas na faculdade, ela fez as malas e nunca olhou para trás. Margot abriu a Le Parnasse há quase dez anos. Entre tropeços e solavancos, o lugar se tornou digno de todas as expectativas dela, que pretendia criar um lugar onde os artistas pudessem encontrar tudo o que precisassem. Desde materiais até a própria arte.
"Isso aqui é a minha vida." Ela diz orgulhosamente enquanto me mostra a loja.
"Onde você conseguiu todas essas obras?" Olho ao redor maravilhada.
"Algumas foram doadas, algumas foram compradas. Outras eu mesma fiz. O importante é que tudo que está aqui tem uma história." Margot acompanha meu olhar por um tempo, mas depois de alguns instantes, foca sua atenção em mim. "Sabe, Alice, às vezes as pessoas esquecem-se do que a arte realmente se trata. Elas pensam que é só uma questão de beleza. Qual cor combina melhor com qual cor, qual forma se encaixa perfeitamente em outra. Elas esquecem que o objetivo da arte é dizer alguma coisa. Se o artista acabar com algo bonito em mãos, veja bem, não passa de um mero detalhe."
Eu suspiro diante da verdade brutal que ela acaba de me confessar e aceno com a cabeça, não sendo capaz de colocar em palavras o quanto eu entendo.
"Conte-me uma coisa, querida." Ela diz ao se aproximar. "Você é uma artista. Eu sei disso. Seus olhos gritam isso." A expressão em seu rosto passa de alegre para séria. "O que você tem pra dizer?"
Já são quase duas horas da tarde quando saio da loja acompanhada de Thunder e encontro o caminho para casa. A conversa com Margot preenche meus pensamentos até que entro na minha rua.
Minha rua. Soa tão estranho.
"Que cachorro legal!" Uma voz interrompe meus pensamentos. Olho para o quintal da casa em frente à minha, onde um garoto de no máximo oito anos estava brincando antes de notar Thunder. Ele corre na minha direção e para há apenas alguns metros. O pastor alemão ameaça um rosnado, mas eu peço que sente antes que tenha a chance de fazer qualquer coisa. "Posso fazer carinho, moça?"
"Claro!" Respondo com entusiasmo e peço para que Thunder deite. Ele obedece imediatamente, virando a barriga, preparado para o que sabe seguir esse comando específico. Eu me ajoelho ao lado dele e o garoto segue meus movimentos, levando ambas as mãos até a barriga do meu cachorro. "Meu nome é Alice, a propósito."
"Meu nome é..."
"Theo!" Ouço uma voz vagamente conhecida exclamar. Levanto meus olhos do menino, que continua a acariciar Thunder, mas com os olhos focados na mesma coisa que eu: o garoto de cabelos castanhos que corre em nossa direção. "Saia de perto desse cachorro."
"Por que, Nick?" O menino parece confuso ao meu lado.
"Ele... Ele é mau!" Nick, que suponho ser irmão de Theo dado à clara semelhança na aparência, responde entre gaguejos.
"Não é, não!" O mais novo responde com uma risada e movimenta novamente as mãos, fazendo Thunder balançar o rabo com mais força.
Nick nos observa confuso. Seu olhar passa de Thunder para mim, e volta para Thunder. Eu aproveito sua distração para ver o que a luz da noite anterior tinha impossibilitado. Ele tem olhos castanhos, quase da mesma cor que o cabelo. Não é muito alto, aposto que nem quinze centímetros a mais que eu, e definitivamente não se encaixa no perfil atlético. Ele é magro e tem alguns músculos, mas nada que indicasse a prática frequente de algum esporte. Nick é bem bonito.
"Eu estou muito confuso agora." Ele diz, sem conseguir desviar os olhos. "Ele não parece nada com o cachorro que eu vi ontem à noite."
"Isso é porque estava escuro e ele achou que você fosse uma ameaça." Eu esclareço, me levantando para poder estender uma mão para ele . "Caso não se lembre, meu nome é Alice. Acabei de me mudar de Nova York."
Com o choque esvaindo de seu rosto aos poucos, Nick aceita minha mão e a balança algumas vezes, permitindo que um sorriso amigável domine sua expressão ainda levemente desconfiada. "Bem-vinda à San Diego, Alice."
Oi oi! Domingo é dia de que? Capítulo novo de "A Garota com o Cachorro de Vermelho"!
Espero que estejam gostando do que leem. Muito obrigada por dedicarem o tempo de vocês à essa história. Significa tudo para mim.
A história dos gênios da Grécia e Roma antiga foi tirada de uma palestra da organização TED. Se quiserem assistir, esse é o link: https://www.ted.com/talks/elizabeth_gilbert_on_genius
Bom, agradeço novamente pela chance que estão dando ao meu livro.
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Com todo meu amor, Júlia Romanholi
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Garota com o Cachorro de Vermelho
Teen FictionAh, Nova York! A cidade onde as diferenças reinam. Andando por qualquer avenida, vê-se pessoas de todos os jeitos, classes, costumes, prazeres. E é claro que Alice amava isso. Aliás, como não gostar de um lugar onde a diversidade é abraçada? Ainda m...