Parte Três - Dizem por aí que o Papai Noel vai chegar essa noite.

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Word on the streets Santa's coming tonight.

Alison me tomou novamente pela mão, me guiando ao ponto mais baixo da casa. Caminhei com ela, reparando no balançar da barra de seu vestido que ia até os joelhos e na pequena botinha negra que ela usava. Eu usava uma roupa um tanto parecida, notei, só que na versão masculina – tentei não pensar em como é que eu havia ido parar dentro delas. As mesmas luvas que ela usava estavam em minhas mãos, uma touca natalina ridícula cobria minha cabeça, bem como o traje completo com direito a cinto e partes fofas e brancas faziam parte do meu figurino.

Entretanto, não era nisso que eu prestava atenção naquele momento, mas sim no balançar das ondas cor de chocolate sobre os ombros da jovem à minha frente, que era tão compreensiva e paciente a ponto de se importar comigo mesmo sem eu entender nada, ou sequer acreditar nela – talvez ela fosse apenas uma louca convicta, mas algo me fazia pensar que esse pensamento não se encaixava com ela.

Alison abriu uma porta branca, ornada com um pequeno Markzinho (Papai Noel, manjou a piada?) sentado no meio de uma guirlanda natalina feita de ramos de visco. Atrás da porta havia uma sala simples, com mesas de madeira e cadeiras estofadas, onde alguns duendes (eu ainda estava tentanto arrumar uma explicação racional para a existência deles para poder dar o nome real) encaravam enormes pilhas de envelopes. Todos nos cumprimentaram, abraçando ternamente Alison. Todos ali a adoravam, e não podia ser diferente, pensei. Ela irradiava doçura, ternura e todas as coisas boas que pudesse pensar. Seu sorriso podia iluminar todo o mundo e ela transmitia isso para todos a sua volta.

— Com licença, Eros. — Ela disse para um duende atrás de uma mesa, enquanto olhava a pilha de envelopes que ele organizava — Posso pegar uma?

Ele assentiu, sorrindo. O cabelo relativamente comprido e negro estava amassado devido ao uso do chapéu pontudo. Os pequenos olhinhos verdes brilhavam apenas pela presença de Alison, como se ele fosse capaz de ver algo mágico naquela mulher. Ela estendeu a mão delicada e capturou entre os dedos uma pequena carta.

— Aqui é aonde chegam as cartas, chamamos essa sala de Correio Noel. — Explicou — Todas as cartas enviadas pelas crianças que acreditam em você chegam aqui, mesmo que elas não a enviem realmente, ou mesmo que não as escrevam. — Ela deu um levantar de ombros que dizia claramente que isso era uma das coisas mágicas que aconteciam e eu não tentei questionar — Todos esses duendes se encarregam de ler as cartas e preparar uma lista com todos os nomes, endereços e respectivos presentes.

— Mesmo se não enviarem ou escreverem? — Questionei, tentado a ver a explicação para tamanho absurdo.

— Sim. Todas as crianças bondosas exercem esse tipo de magia. — Ela abriu a carta, pegando o pequeno papel branco que estava dentro, leu-o. Pude notar o brilho nos olhos castanhos, quando ela começou a lê-la pra mim — Querido Papai Noel, esse ano fui uma garota boazinha. Estudei para tirar boas notas, aprendi até a escrever agarradinho, como te prometi no ano passado. Ajudei a minha mãe a fazer bolo, meu pai a limpar o quintal e todos nós cuidamos do Bolinho, o meu esquilo. Até limpei a caquinha dele. — Alison deu uma risadinha, como se achasse muita graça da palavra "caquinha", o que, de um modo estranho, me fez sorrir — Não contei mentiras, ajudei a vovó a carregar as compras e fui à igreja rezar também. Mamãe disse que é importante. Esse ano gostaria de ganhar um pônei. Mamãe não deixa, mas acho que você pode dar um jeito nisso, não é? Você sempre dá. Eu te amo muito, Papai Noel. Obrigada pelos presentes de todos os anos. Lindsay.

Quase não notei quando coloquei as mãos no rosto de Alison, escorregando meu polegar pela bochecha, secando uma lágrima. Ela sorriu e ficou na ponta dos pés para beijar meu rosto.

Visco (Concluído).Onde histórias criam vida. Descubra agora