a conversa.

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Surgimos no meio de uma encruzilhada totalmente deserta, a rua era de barro e pela chuva dos últimos dias, estava encharcada;  as luzes dos postes piscavam e o canto da coruja ecoava junto com o barulho do vento. 

~Então você é a grande Serena Nonsen? -Disse Gabriel me olhando de cima a baixo, suas mão se encontravam em seu queixo que era visivelmente marcante, ele parecia estar me analisando o que me fez sentir desconfortável.

Depois desse teletransporte insano, minha mente girava, sentia o chão mexer em meus pés; Tive que me apoiar em uma árvore que estava próxima do local para não cair.

~O que você quer comigo? -O olhei friamente tentando focar meus olhos.

Seus olhos castanhos se destacavam, mesmo por debaixo daquela luz fosca do poste que acendia e apaga varias e varias vezes, os olhos dele brilhavam feito estrelas no céu.

Não sentia mais a energia de Miguel, a presença e sensação de segurança que outrora senti, simplesmente sumiu, nossa ligação havia sido quebrada? Aliás, ele estava bem? ou, os anjos e demônios conseguiram matá-lo? Pensar nisso, na hipótese da morte do meu guardião, que nunca mais o veria, que jamais sentiria seu toque quente de novo, fez meu estômago se revirar.

~Bom... -Ele se encostou ao meu lado.

Seu cheiro era bom, cheiro de mel com flores. Uma combinação exótica, mas que se uniu muito bem.

~Te matar. -Soltou um sorriso sarcástico.

Permaneci quieta tentando me recompor, respirava fundo e segurava a ânsia que subia por meu esôfago. 

~Mas calma! -Disse exaltado e voltando seus olhos para os meus.

~Não vou fazer isso de cara, apesar de ter feito um trato com os Impuros.-Suspira.

~Sentir o medo de meu irmão, seu pânico de perde-la, é uma delícia!-Gabriel riu.

Ótimo, o Arcanjo mantinha-se vivo, isso era realmente maravilhoso, me deu esperanças, esperanças de que ele possa me salvar como sempre, esperança de viver ainda muitas coisas com ele. E claro, após saber disso,um upgrade de bem-estar tomou conta de meu ser, todo aquele mau-estar desapareceu, o sentimento de esperança reinou. Mesmo não sabendo o porque não o sentia, resolvi apenas acreditar que tudo daria certo. 

Ele me olhou.

~Humm.. -Disse Gabriel respirando fundo.

~Esse cheiro de êxtase realmente é maravilhoso, contagiante! Mas é uma pena que não ira durar muito tempo, não é qualquer um que pode produzir uma enzima tão pura quanto a sua. 
 
Eu já estava recuperada cem porcento, poderia correr, mas seria inútil, ele facilmente me alcançaria sem nem se cansar, poderia pegar algo pra atordoa-lo, mas quando que isso deu certo com os outros? Só os deixou com mais raiva. 

Resolvo então o encarar de frente, lançando meu olhar mais sério que conseguia; eu tinha de fazer isso, me manter firme e plena até Miguel me encontrar.

~Se você quer me matar, me mate, mas vamos parar de jogos?-Disse sem recuar. 

~Ou Miguel irá me achar e você vai se arrepender de ter me raptado.

~Querida,- Ele riu.

~Sabe que meu irmão não vai nos achar, né?-Continuou. 

Como assim não vai nos achar? É lógico que ele ia, ele sempre me encontrou, mesmo quando eu fugia dele, quando fugia de tudo e todos! Miguel me seguia, me perturbava afim de que finalmente soltasse um riso ou até mesmo um sorriso, mesmo que sem querer, e isso me aproximava mais dele, fazia me apegar ainda mais. Pensar novamente na miníma chance que eu estava sozinha, fazia todos aqueles sentimentos que pensei ter me livrado, voltarem. 

 Miguel sempre esteve comigo, desde minha chegada a essa Terra, nunca estive só. Ele sempre me aconselhou, guiou, ele era nada menos que minha intuição. O que eu faria agora sem ele? Meus pensamentos me torturavam, sentimentos machucavam, mas não podia demonstrar fraqueza, não tendo ainda a esperança ao meu lado.

Dei de ombros tentando ao máximo disfarçar minha frustração.

~Diga isso a si mesmo, eu sei que ele virá.

Ele riu e pegou sua adaga, ela se encontrava próximo a sua cintura, seu cabo era negro como a noite, continha a famigerada pedra Arcanjo no topo e algumas runas ao redor. Começou a brincar com a mesma rodopiando-a pelo ar. 
 
Sua atitude de andar de um lado para o outro, demonstrava sua preocupação, mesmo que muito embora seu semblante estivesse calmo e passivo. 

~Sua esperança é admirável, mas desculpe desaponta-la, ele não virá. -Ele me olhou e deu de ombros debochando.

~Estamos longe dos radares angelicais, querida abominação.-Continuou.

Longe dos radares? Isso era possível? Quer dizer, existia um lugar mundano que cortasse o sinal angélico e se sim, onde era? E por que esse lugar se mantinha em pé? Levando em conta que os alados odeiam ser contrariados. Eram muitas perguntas, muitas que provavelmente não seriam respondidas, mas tinha que tentar, tinha de passar o tempo, enrolar.

~Onde estamos?-Questionei.

Nesse momento, Gabriel parou de andar e me apontou sua arma.

~O ultimo lugar que você verá. 

~Era pra eu me sentir ameaçada com essa adaga apontada a mim? Porque se sim, sinto em dizer que falhou na tentativa.-Disse friamente.

Ele riu e guardou a adaga na bainha.

~Começo a ver o que meu irmão viu em você.-Disse se aproximando.

Dei alguns passos para trás mas fui encurralada pela árvore.

~Bom pra você.-Desviei para trás da mesma.

~Posso lhe fazer uma pergunta?

Ele negou com a cabeça com um sorriso em seu rosto.

~Eu vou morrer não vou? Então, qual o problema em fazer uma pergunta?

~Pois bem..

Ele se sentou aos pés de um Pinheiro e com seu dedo indicador, começou a fazer desenhos no barro.

~Pensei que anjos fossem bonzinhos, auréola e harpa, por que me matar?-Disse enquanto me afastava aos poucos.

Talvez me afastando aos poucos me desse uma vantagem, ele estava de costa a mim, eu precisava ao menos tentar.

~Me desculpe, Nonsen, mas infelizmente tenho que te matar. Você tem um poder dentro de si que nunca houve antes. 

Ele continuava a balbuciar palavras, mas já me situava a uma certa distância do sujeito. Foi então que resolvi correr, procurar por alguém, uma saída.

A Lua do meio-diaOnde histórias criam vida. Descubra agora