As passagens de avião estavam em cima da mesa de estudos em meu quarto, assim como o meu passaporte, minha mala que tinha sido arrumado por outra pessoa, meu celular, o Hanfu de dança tradicional chinesa e o colar da minha família. Ali estavam, basicamente, todas as coisas que eu iria precisar para ser chutado para fora do país.
— Nossa, quanto exagero, você não tá sendo chutado para fora do país — Kun revirou os olhos, enquanto me acompanhava até a porta da frente do casarão onde eu morava. — Você só não está, hmm, bem... Indo por livre e espontânea vontade?
— É como ser chutado só que com carinho — reclamei, arrastando a mala sem muita vontade. — Você tem muita sorte por seu grau de parentesco estar bem longe da família real, Kun gēge.
O carro que iria me levar até o aeroporto estava parado do lado de fora da casarão e meu pai estava de pé ao lado dele, conversando em voz baixa com o motorista. Quando nos aproximamos, eu e Kun nos curvamos para meu pai e o motorista fez o mesmo para nós, logo em seguida entrando no veículo.
— Bàba — falei, enquanto ele se aproximava de mim. Meu pai estendeu a mão para Kun e meu melhor amigo lhe entregou o Hanfu.
— Sicheng, quero que esteja usando o Hanfu quando encontrar seus colegas de intercâmbio — ele pediu, com seu tom de voz contido habitual. — Será como uma apresentação de nossa cultura.
— Colegas de intercâmbio? — perguntei, confuso. Até onde eu me lembrava, nada relacionado a companheiros de forca havia sido mencionado. — Eu... Pensei que iria sozinho.
Meu pai negou e pegou o Hanfu das mãos de Kun. Assim como fazíamos desde que eu era muito novo, estendi os braços para o lado e ele, do seu jeito robótico mas cuidadoso, me ajudou a vestir o tecido azul escuro com bordados em ouro por cima das minhas roupas normais, finalizando com um laço em minha cintura.
— A empresa de intercâmbio manda todos os alunos em grupo. Eles me informaram mais cedo que outros três garotos e uma garota irão com você. Sicheng, eles irão se encontrar com você no aeroporto quando você chegar na Coreia do Sul — ele explicou, arrumando as dobras da minha roupa com as mãos hábeis. — Acho que irá se adaptar mais fácil se houver colegas ao seu lado. Trabalhar em grupo sempre ajuda.
Assenti silenciosamente e até me forcei a sorrir, mesmo discordando daquilo. Meu pai achava que o intercâmbio iria me ajudar a conhecer o mundo, o que me parecia ser meio contraditório, visto que ele sempre me manteve preso naquele casarão durante toda a minha vida.
Isso era o que ele queria. O que eu queria era ficar na China, meu porto seguro, pois qualquer coisa lá fora, além dos portões do meu lar, me pareciam assustadoras. O mundo lá fora era uma grande incógnita que eu não estava nem um pouco afim de responder ou entender.
Meu pai se despediu de mim com um tapinha amigável no ombro e um sorriso. Talvez um abraço fosse o ideal para aquela situação, mas não éramos esse tipo de família.
Kun apareceu na minha frente, o rosto em uma expressão triste e desanimada.
— Kun gēge...
— Não, Sicheng. Você é meu melhor amigo desde há muito tempo, vou ficar triste pela sua partida mesmo que você não queira — ele me cortou, cutucando minha canela com a ponta de seu tênis. — Vamos ser melhores amigos ainda?
Estendi minha mão e ele a apertou, com dedos firmes. Nós tínhamos praticamente nascido juntos, uma vez que a família Qian servia à família real há muito, muito, literalmente muito tempo. Kun era apenas um ano mais velho que eu, mas embora usássemos honoríficos éramos como irmãos, com a mínima formalidade possível.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Serendipitia
FanfictionDong Sicheng acabou de chegar no Colégio Soo Man após ser obrigado a ir para Coreia do Sul em um intercambio. De alguma forma, seu pai parece empenhado em mandar o filho por um longo tempo para um país que ele nem sabe falar o idioma, mas por que? E...