Acendi velas pela cozinha, enquanto Enzo passeava pelos refrigeradores enormes, toda aquela massa de macarrão fresca nas bancadas.
- Facas afiadas são mais seguras e deixam o trabalho mais eficiente - as luzes das velas dançavam no rosto do Chef enquanto ele amolava sua faca de estimação. Minhas mãos formigavam com aquele movimento conhecido e ritmado que eu já tinha feito tantas vezes. - Agora, o alho. O melhor terá a pele firme, sem brotos, segure, veja.
Ele coloca um no centro da minha mão, nossas peles se tocando conforme ele a fechava e apertava.
- Brotos amargam o molho - deixei escapar, em um suspiro.
- Exatamente, - Enzo fixou seu olhar no meu, sua mão ainda na minha - exatamente. Como sabe isso?
- Todo mundo sabe disso!
Eu me virei, fugindo dos seus olhos, de repente com pressa demais de terminar tudo aquilo. Sua mão tocou minha lombar e eu queria que ela fizesse morada lá para sempre sempre sempre...
- Vamos esquecer nossos segredos hoje, Margherita. Agora somos eu, você... - sua mão agarrou minha cintura quando ele me girou, nossos narizes quase se tocando - e o mundo explodindo em tempestade.
- Vamos cozinhar, Chef. Temos um público exigente.
Pisquei. Ele sorriu. Eu poderia comê-lo.
**
Quando entramos na área de internação do hospital, Alice parecia parir um segundo filho a qualquer momento. O modo que ela andava de um lado pra o outro, cuidando para que tudo estivesse perfeito, aqueceu meu coração. Era exatamente por isso que o Bruno se apaixonara por ela.
- Viemos servir comida para o pessoal da fila de espera. Sem mais perguntas - resmunguei.
Seus braços finos se encontraram quando ela me abraçou, tentando falar tudo através daquilo. Meus olhos arderam, mas só percebi que estava chorando quando Ali passou seus polegares na minha bochecha, fungando. Depois, esticou os braços enquanto afundava no peito de Enzo.
- Obrigada, Gringo.
Obrigada Gringo? Alô? Eu e Alice não estávamos tendo um momento?
Enzo sorriu, envergonhado. Suas bochechas subiram e seus olhos ficaram pequenininhos.
- Podemos começar? Os bracinhos de Chechília não aguentam essa panela por muito tempo - ele apontou o queixo para a panela em uma de minhas mãos.
- Ei! - sorri escondida, enquanto andava de costas para eles.
Os pacientes, que há muito tempo estavam ali, se surpreenderam com o spaghetti a carbonara delicioso que tínhamos preparado. Enzo estava tão orgulhoso que parecia explodir a qualquer momento.
Eu não estava nada cansada.
Cozinhar com ele tinha sido revigorante. Apesar dele ter coordenado, não impunha nada, ensinava a cada gesto, cada toque. Eu lembraria para sempre daquela manhã chuvosa com cheiro de especiarias por ser a primeira vez que eu quis trabalhar com o Enzo, não contra ele.
Mas querer não é poder, ou é?
**
O dia já se encaminhava para o entardecer quando eu cruzei a ala de idosos e adultos, depois de ajudar Mari em uma pequena peça infantil. Pelo vidro do corredor, eu via o chef fazendo algum tipo de aula de dança de salão. A música estava baixa, e apenas algumas pessoas dançavam, mas ele estava muito empolgado.
- Então esse é o Chef gringo o qual a receita move o nosso emprego?
- Papai! - o abracei, sentindo cheiro de canela - é ele. Enzo é uma pessoa muito boa, boa demais. Quando penso o que vou fazer com ele...
- Não pense - ele me advertiu - é por isso que estamos todos aqui. Vamos deixar esse lugar lavar nossas saudades e preocupações.
- Eu não ia vir. Não quero tentar me esquecer do Bruno - resmunguei.
- A gente não está tentando esquecer o Bruno, a gente está tentando lavar essa dor. O Bruno está em cada parte desse lugar, das nossas vidas. - ele acariciava meus cachos - não podemos mais preencher o vazio do dia dia com um luto que ele nunca permitiria. É necessário deixá-lo ir, querida.
Assenti, os olhos marejados de novo. O chef já tinha me notado, e estava acenando freneticamente para que eu entrasse.
Que eu não pensasse, então.
- Esta é Chechília, pessoal - ele me apresentou enquanto eu, morrendo aos poucos de vergonha, andava até ele. Os internos aplaudiam. Ele se voltou para mim e sussurrou - os professores de dança que Alice chamou faltaram, me ajude.
- O que eu tenho que fazer? - vociferei, enquanto sorria para a platéia.
- Ótimo, só me siga - O Chef piscou, fazendo um passo muito engraçado no ritmo da música. E então, sem muita escapatória, tomei sua mão e dancei.
- Arrasa, Gringo! - alguém falou da platéia, rindo.
Seu riso me contagiava, sua mão abraçava a minha. Quando ele me rodou, percebi que meus amigos já tinham se juntado à dança: Alice embalando Jujú, Mari e Seu Paulo muito emocionados dançavam em um tempo só deles, Dona Eugênia e Amanda puxavam papai até a pista de dança. Ali, tudo era mais fácil.
Quando a música acabou e os aplausos surgiram, cada ponto de Enzo estava vermelho e suado. Mesmo assim, o abracei.
Enzo enlaçou minha cintura, seus olhos pequenininhos de novo. E então, aí estava. Como aquela pimenta no final do prato, que a gente come inocente e depois ela te atinge, intensa e irrevogavelmente.
Eu estava apaixonada.
______________
Notas da autora: FELIZ ANO NOVO, chuchus!!
Muito obrigada por estarem comigo nessa jornada. Essa é a primeira história que me proponho a terminar, a primeira que acredito. Obrigada por acreditarem em Ovo Frito e estarem aqui.E me digam, o que vocês acharam desse capítulo? Ele tem algum ponto negativo que vocês acham que eu devia me atentar?
Obrigada por serem tão incríveis!❤❤❤❤❤
VOCÊ ESTÁ LENDO
OVO FRITO
Short StoryCONCLUÍDA! Cipriani, o famoso restaurante do Copacabana Palace está perdendo clientes graças ao novo e misterioso restaurante da cidade e Cecília terá um novo desafio pela frente: infiltrar-se na cozinha inimiga e descobrir a receita secreta. O que...