08

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No outro dia, eu queria vomitar.

A culpa corroía meu estômago quando entrei discretamente no Cipriani.

- Querida Cecília! -  Finamore bradou de sua saleta - chamei você desde cedo e só chega agora?

Eu não sou sua querida, minha mente gritou enquanto sentava no pequeno banco em frente à  sua mesa. Vendo que eu não iria responder, o Chef francês continuou.

- Fazem dois meses que está lá. Estou ficando impaciente.

- O movimento daqui voltou ao normal. - observei, desconfortável. Ainda nutria a esperança dele suspender a maldita "missão". Com um aceno arrogante, ele chegou mais perto de mim.

- A receita daquele peixe é a minha galinha dos ovos de ouro, garotinha. Eu posso triplicar o lucro do restaurante e você vai me dar isso - os olhos dele brilhavam de ganância - eu já aguentei muita merda pela tua família, você sabe. Quando aquele seu irmão morreu e sua mãe entrou em depressão, quando seu pai faltou quase um mês até desistir dela...

- Não estou aqui para falar de problemas familiares - interrompi, os olhos um rio prestes a transbordar.

- Na verdade, está sim. Você já tem a receita.

- Não tenho! - bati na mesa, a bile em minha garganta.

Ele se aproximou tanto que prendi a respiração. Toda minha vida baseada em segurar as lágrimas.

- Já chega - ele sussurrava, o barulho da cozinha atravessava as paredes - você tem vinte e quatro horas para me trazer o segredo do peixe Sparvoli, ou toda sua querida família será demitida. Você está me entendendo, menina? Eu não preciso deles mais que preciso desse lucro. Acha que alguém vai contratar velhos?

Pelo vidro da sala, vi Mariana e Papai espiando.

- Eu. Não. Sei. - sussurrei também, entredentes. Pelos seus olhos, vi além da ganância: ele não acreditava em mim.

Levantei, meu rio de lágrimas prestes a transbordar. Atravessei o restaurante, cheia de ódio. Eu sempre escolheria minha família, e ele sabia.

Vinte e quatro horas.

Minha dor era tão palpável que a vi, como um monstro mórbido em minha direção. Quando o ônibus em direção ao Sparvoli chegou, e eu me encontrei sozinha na multidão, chorei até meu mundo acabar.

**

Doces estrelas que no céu riscam sonhos. Donas das mais diversas histórias de amor, elas são. Mas não naquela noite.

Quando subi as escadas de acesso ao fundo do apartamento vazio de Enzo, as estrelas choravam por me ver desistindo da história que riscaram para mim. Desespero florescia em minha pele, tomando minhas mãos e cegando meus olhos.

Vinte quatro horas.

Depois de meses naquele pedacinho do Leme, eu sabia que hoje era dia dele dormir em Itarari, negociando com compradores. Eu sabia onde ficava a chave reserva. Ele me mostrou cada uma dessas coisas, cada detalhe.

Se eu não estivesse tão cega, saberia que eram detalhes demais.

Entrei no apartamento, tateando na escuridão e batendo os pés nas milhares de caixas que estavam lá permanentemente. Meu sapato fazia barulho demais, e com medo de despertar algum cozinheiro fazendo hora extra lá embaixo, os tirei.

Logo comecei a procurar qualquer coisa que pudesse me dar uma pista, correndo os dedos entre os papéis inúteis, procurando compartimentos secretos.

OVO FRITOOnde histórias criam vida. Descubra agora