A mansão Inchausti _ II

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Ramiro ordóñez foi em outro tempo um menino feliz. Se existe algo pior que não ter conhecido à felicidade, é ter experimentado-a e logo perde-lá.
Não era uma felicidade sonhada. Era uma felicidade modesta. A razão para isso era a sua mãe e seus cachos dourados, sua irmãzinha, a pequena casa onde viviam, a escola que ia, o avental de sua mãe sempre branco e cheirando a limpo, todos os livros que colecionava com paixão, a hora da merenda, o programa de música que passava nos sábados na televisão, seu quarto cálido e Sempre arrumado, os poucos brinquedos bem conservados que tinha, o cinema um sábado ao mês, o violão que via diariamente na vitrine da loja de instrumentos, o cofrinho em que sua mãe colocava moedas a cada dia e ele reparava ansioso para ter moedas suficientes para comprar o violão. Uma espera feliz. Ver crescer Aleli, sua irmãzinha, os primeiros passos dela, a risada de sua mãe quando Aleli começou a chama-lo de Rana, porque Rama não saia.
Viajar com sua mãe no último assento do coletivo, os piqueniques que ela organizava para ele e seus amigos no parque, as tardes de chuva lendo livros de piratas e extraterrestres e de buscas ao tesouro. Tudo isso confirmava a felicidade de Ramiro. Mas um dia, de maneira imperceptível, sutil como uma mudança de estação, algo começou a mudar. Sua mãe sorria cada vez menos e seus cachos dourados perderam o brilho, seu avental já não estava tão branco nem tão limpo, já não havia moedas em seu cofrinho nem livros novos, o cinema um sábado ao mês desapareceu. O violão na vitrine se via cada vez mais inalcançável. Sua felicidade havia se tornado translúcida, restava apenas o sorriso de Aleli, que nunca se apagou. E com o decorrer dos dias sua mãe não só não sorria, agora chorava. Tiveram que deixar sua casa modesta, limpa e aquecida. Eles passaram a viver na casa da amiga de sua mãe, que parecia sempre irritada. Sua mãe tinha que viajar. E sua mãe se foi. Mamãe chamava ao princípio uma vez por semana. Mamãe falou que mandaria moedas, umas que valiam mais que as daqui. Mamãe falou que todos iriam viver em outro lugar, um lugar aonde sempre era verão, um lugar onde todos voltariam a sorrir. Mas mamãe não voltava. Mamãe não mandava moedas. E mamãe deixou de ligar. A amiga da mamãe estava cada vez mais irritada e tratava Aleli muito mal. Um dia à bateu. Ramiro sentiu ódio pela primeira vez em sua vida. Essa senhora um dia os colocaram em um coletivo e viajaram por um bom tempo.
Foram até um lugar muito feio e frio, onde os obrigou a descer. Aleli tinha só quarto anos e ele apenas dez. Ela lhes disse para esperar lá. Que voltaria em seguida. E se foi. Mas nunca voltou.
Escureceu e Ramiro não sabia como retornar. Eles tiveram que crescer de golpe, esticar a pele, pular a infância tornava a juventude impossível.
Entre as coisas que Ramiro aprendeu foi uma nova palavra, o nome do lugar na onde estavam: orfanato.
Um ano mais tarde ele ainda lutava contra o desespero, e a tarde, ele e sua irmã escapavam do orfanato para ir pedir esmola, com a ilusão de juntar dinheiro para alugar uma casa para viver juntos. Com seus onze anos Ramiro acreditava que esse sonho era possível.
Uma tarde, enquanto pediam esmola, uma mulher se aproximou, foi com uma promessa de recuperar a felicidade perdida. Ela ofereceu uma casa, uma infância segura, viver com outras crianças, estudar, e crescer tranquilos, como merece todas as crianças.
Ramiro e Aleli chegaram a fundação BB quando Ramiro tinha onze anos e Aleli cinco, mas aos poucos minutos da adoçada bem vinda, a promessa da felicidade recontada desapareceu.
Ele logo entendeu que a vida seria dura na fundação, iria ter que pagar pedindo esmola, fabricando brinquedos e roubando. Foi-lhe dito que ele estava trabalhando, que ele era um homem de verdade e que era hora de fazer. A felicidade virou fiapos, menos do que uma memória. Mas enquanto Justina os levou para os quartos, Ramiro viu algo que, por um instante reacendeu o brilho dos seus olhos: um violão.
- Nem te ocorrrrra a tocar isso! - advertiu a mulher.
- É do menino Thiago, o senhor da casa.
E Tirou ambos da sala, mas Ramiro já sorria. Essa violão era como um eco do passado, por um instante foi um pedaço daquela felicidade perdida.

Zeca era, sobre tudo, um menino simples, de seis anos, e resolvia tudo com simplicidade. Havia vivido boa parte de sua vida na rua, e lá aprendeu a falar ao revés. Sabia pouco de si mesmo.
Havia sido encontrado por um grupinho de pives com os que andava quando tinha apenas quatro anos - um pouco mais ou um pouco menos - e desde então ele tinha vivido na rua. Essa é sua história. Ponto. Simples.
Como se criou sem ter nada, não sentia falta de nada.
Não lamentava nenhum perda nem a ausência de um pai e uma mãe. Sua única preocupação era evitar a polícia e os assistentes sociais, que terminariam levando a um orfanato. Tinha a vida resolvida. Sobreviver na rua para ele não era um problema, era algo fácil. Simples. A unica coisa que o incomodava e que as vezes lamentava, era não ter um nome.
Ele era Zeca, e estava bem, ele adorava ser Zeca. Era popular e querido, e defendido pelos mais grandes. Ser Zeca, também, significava ter mundo, ser o negociador, o que conseguia tudo.
Mas não tinha nome. Todos em seu grupo tinha um, mas não os usavam. O《bicho》embora ninguém dizia assim, se chamava Martín. O 《furia》se chamava Ramon, mas não gostava, preferia que o chamasem de fúria. O 《Tito》, que se chamava roberto; 《Pancho》, que se chamava Francisco. Todos tinham um nome, menos ele.

Um dia passou o mais temido: estava dormindo no interior de uma galeria quando a polícia chegou com um assistente social e o levaram a um tribunal. Do tribunal foi levado a um instituto de menores e do instituto de menores, a um orfanato. E de lá iriam transferi-lo a um outro Instituto se não tivesse usado sua astúcia. Nesse orfanato havia um menino maior, de dez ou onze anos, loiro e muito lutador. Esse menino tão pouco tinha nome, le diziam Tato. Zeca se aproximou dele e conseguiu fazer ele falar, ja que ele não falava com ninguém. Aos poucos dias se enterou de que se silencioso companheiro ia ser transferido à uma fundação. E então compreendeu que essa era sua chance. Algumas horas mais tarde, Tato chegava na mão de Justina na fundação BB. Quando Bartolomeu foi abrir o porta-malas do carro para tirar os pertences de Tato, se encontrou com o pequeno Zeca, que sorrindo e com astúcia les disse:
- Que passa, rapaz, tudo suave? Barto, surpreso e divertindo- se, respondeu:
- Muito suave, Che. E você quem é?
- Zeca
- repondeu ele com simplicidade. Rapidamente, Bartolomeu pediu a tutela desse pequeno moleque, e aĺi se enterrou de que ele não tinha nome.
- Isso precisa ser corrigido, Che. Vamos te dar um nome, purrete. Vamos ver, você escolhe, qual você gosta? Mas Zeca, com uma determinação inusitada para um menino de seis anos, se negou a receber um nome qualquer. Ele estava seguro de que sua mãe, ao dar a luz, havia colocado um, e ele só usaria um nome quando descobrisse o seu.

Quase Anjos - A ilha de EudamónOnde histórias criam vida. Descubra agora