Nicolás Bauer era o único filho do doutor Andrés Eneas Bauer e Berta Gough. Criado desde pequeno como um adulto, se transformou em uma grande criança adulta. Nicolás nunca soube dizer não. Não sabia dizer não a Berta quando ela cortava seu cabelo, nem quando ela o vestia com bermudas e suspensórios. Não sabia dizer não ao seu pai quando, como único passeio, o levava uma e outra vez ao Museu Arqueológico Nacional. Nunca podia dizer não a sua mãe, que se entregou a depressão depois da morte de seu pai. Obsessivo e chamado de delirante, o doutor Bauer morreu num naufrágio, atrás de uma pista falsa que o levasse a Eudamón. Berta quis evitar esse destino a seu filho e o persuadiu de estudar outra coisa. Medicina. Nicolás não pode dizer não, e também não pode confessar que, em segredo, estava estudando também Arqueologia. Berta tinha pavor que seu filho também ficasse obcecado com essa ideia maluca de encontrar a Ilha de Eudamón. Ilha mística da tribo dos prunios, cuja procura incansável consumiu as energias e o patrimônio do doutor Bauer pai, além de ser motivo de chacota e o desprestígio entre a comunidade arqueológica. Também não soube dizer não a Carla, a explosiva e bela mulher que conheceu na faculdade. Carla era linda, apaixonada... E livre. Brincava com ele, não se prendia a nada nem a ninguém. Nicolás sabia que tinha que se afastar dela, que era um veneno que ia consumindo ele de pouco em pouco. Mas ela não o soltava, tinha ele preso com um laço invisível, o afastava e o aproximava, mas nunca o soltava. E ele não soube dizer não. Também não pode dizer não me deixe quando ela se foi com Marcos Ibarlucía, um homem ao que ele não conhecia pessoalmente, mas sabia que era um traficante de relíquias arqueológicas, o pior dos crimes para Nicolás. Também não pode dizer não quando Carla voltou a seus braços, grávida e abandonada. Ele a recebeu sem críticas e por um tempo imaginou uma vida juntos, um futuro, uma família. Não teve a ocasião de lhe dizer não se vá, o dia que acordou com uma carta na que ela explicava sua impossibilidade de se prender a algo. E um filho era algo que a prendia muito. Os abandonou, a ele e a Cristóvão, o filho de Carla e de Marcos Ibarlucía, a quem Nicolás criaria como seu próprio filho. E aí tudo mudou. Ser pai lhe voltou adulto subitamente; como se o tivessem mergulhado em um lago gelado, acordou e deixou de ser uma criança que não podia dizer não. Deixou o curso de medicina e se dedicou a terminar seu doutorado em Arqueologia. Contava com a ajuda de seu fiel amigo Mogli, um selvagem da tribo zahorí, a quem Nicolás tinha salvado da morte em uma expedição pela África. De acordo com sua cultura, Mogli devia lealdade e serviço a seu salvador, e por isso o servia com submissão. Nicolás não aceitava isso, e o tratava com um amigo. Assim construíram uma estranha família: um jovem arqueólogo recém doutorado, um selvagem zahorí que falava um estranhíssimo espanhol, e o pequeno Cristóvão que crescia feliz, em um mundo de viagens, expedições, leões e múmias. A vida de Nicolás tinha voltado inesperadamente feliz. Era feliz vendo Cristóvão crescer, o Cristobola como Mogli o chamava em seu dialeto particular. Era feliz com seu sucesso profissional. E era feliz com sua apaixonante caça a Ilha de Eudamón. Mas Cristóvão estava crescendo. Já tinha sete anos e era tempo de se estabelecer, de ter um casa, um colégio; de fazer amigos e fazer raízes. E sobretudo, Cristóvão precisava de uma mãe. Então soube dizer não a seu desejo de vagar pelo mundo, decidiu se estabelecer. E se dispôs a conhecer uma mulher com a que pudesse formar uma família. E apenas começou a pensar nisso, apareceu uma mulher linda que o deslumbrou. Foi num coquetel. Ela se aproximou com seu esplêndido sorriso, com esse vestido azul que se movia suavemente, com um campo de trigo a luz da lua. E falou com essa voz de garota rica. Falava de bolsas de coro, combináveis com sapatos, mas ele apenas prestava atenção ao que dizia. Muito maior foi sua surpresa quando, poucos dias depois, voltou a se encontrar com ela na Unte d’ Azur. Pensou no destino, pensou em sinais que não devia deixar de escutar. Dividiram vários dias de passeios, de bolsas de coro e conversas de por que era impossível combinar sinais com listras. Nicolás estava encantado. Ela não era inteligente, mas ele a achava divertida. Faziam uma combinação perfeita. Ela era bela, doce e graciosa. Ele era inteligente, apaixonado e sonhador. Antes que Nicolás terminasse de fazer a proposta de serem namorados, ela tinha dito sim. Aos quatro meses de namoro, ele quis pergunta-la sobre seus planos para o futuro; não terminou de pergunta-la se ela sonhava em ter uma família, quando ela disse que aceitava se casar com ele. Ele não conseguiu dizer que Cristóvão precisava de uma mãe , quando ela prometeu que seria a mãe do Cristiancito com prazer, mesmo que ela ainda nem tinha conhecido ele e nem lembrava bem o seu nome. Quase sem se dar conta, tinha programado um compromisso, uma apresentação a sociedade do casal. E a sociedade era uma questão importante; Malvina era uma Bedoya Aguero, e eles davam muita transcendência a isso. Conhecer Bartolomé acabou de apaixonar a Nicolás de Malvina. Era um homem rico que tinha transformado sua luxuosa mansão numa mundação que dava teto, comida e estudos a um grupo de crianças órfãs. Nicolás percebeu que esse, definitivamente, era o seu lugar.
Uma pista sobre um papiro que podia conter dados precisos sobre a localização da ilha de Eudamón o levou a Malásia, pra aonde pariu com Mogli e Cristóvão. Enquanto isso, Malvina avançou com a organização da festa de compromisso. Mesmo que a palavra festa, junta com compromisso, gerou um pouco de medo em Nicolás, tratou de não pensar nisso e seguiu concentrado em seu sonho. Só se lembrou disso quando descobriu que a pista era não era capaz de o conduzir até a ilha e recebeu uma ligação de Malvina para checar se seu voo de volta chegaria a tempo. No dia seguinte teria lugar a festa. Assim foi como que em 21 de março de 2007 Nicolás voltou a seu país , se vestiu com a fantasia veneziana que Malvina tinha escolhido para ele, vestiu seu filho e tentou pentear esse bolo de cabelo impossível de desembaraçar, e juntos se dirigiram para a Mansão Inchausti. Tinha chegado a hora de abaixar a cabeça e se comprometer. Tinha chegado a hora de dizer sim.
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Foto: Mogli⬆⬆⬆
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Quase Anjos - A ilha de Eudamón
FantasyLivro- A ilha de Eudamón Os caminhos da bailarina Cielo mágico e do arqueólogo Nicolas Bauer se cruzam inesperadamente enquanto ele busca a sua tão sonhada ilha de Eudamón a ilha das crianças felizes, fazendo-os se apaixonarem perdidamente e fazendo...