0.7 | desjejum como um Van Der Woodsen

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Inverno, 2025

O costume em acordar cedo fora algo ensinado a herdeira Mayhew em seu primórdio. Seu pai, Mikel, fazia questão de acordar a filha mais velha todas as manhãs em dias de possíveis descansos para saírem juntos a caminhadas na vasta propriedade da família a beira de altas montanhas. Por vezes corridas. Independente da diferença de idades, Mikel com físico invejável e disposição de sobra, ganhava a maioria das vezes e se gabava pelo restante do dia.

Lauren sempre detestou correr, ou acordar cedo.

Agora com a perda, ela em sua possibilidade de permanecer em seu sono até o horário do almoço, o dia inteiro se preferir, contudo, seu corpo ainda a desperta na hora exata, diariamente. Há semanas não corre, seu fôlego piorou com a mistura do sedentarismo intercalado a tragos de nicotina.

Ela se levanta da cama espaçosa demasiado na qual as noites passa sem a companhia deleitosa de Camila. O ar pesado deixa seus pulmões, é cansativo estar de pé mesmo sem pregar os olhos pela madrugada, relembrando em sua mente vagos lapsos da cena no salão de festas em MontClaire.

Lauren se odeia por dar poder a Achilles e deixá-lo invadir sua cabeça sem autorização.

A dor é um tardo guia.

Sem minimamente aberta a chance de caminhar ou correr antes de ir ao conservatório, Lauren para em frente ao espelho de chão ao lado de sua penteadeira branca de traços dourados. É pleno, lhe entrega a oportunidade de enxergar através do reflexo seu corpo inteiro coberto pelo conjunto de moletom preto utilizado. Caso Nikoleta visse aquilo, a xingaria aos sete ventos por obter inúmeros pijamas assinados por estilistas no seu closet e nem se quer os usar devidamente.

Dormir de moletom é sua forma de espantar os calafrios e manter sua pele aquecida o tempo inteiro. Queimando.

A primeira peça a ser retirada é o casaco de capuz pela cabeça.

Mayhew arruma os fios ébano atrás das orelhas, permitindo visar sem rosto limpo. A parte favorita de quem é, sua face acetinada, olhos verde-mar, boca carnuda, desenhada, sobrancelhas grossas e bem feitas. Um rosto feminino.

Sem nada por baixo, seus seios médios ficam à mostra. São firmes, brancos, bonitos, idênticos ao de qualquer outra mulher, disso ela tem convicção.

Em seguida, a calça descansa no piso do quarto, junto da cueca.

Ela está completamente nua, exposta. Para ela é amedrontadora sua imagem. Desigual das outras garotas, distinto dos garotos, de fato, na pele de Hermafrodito. Bela, divagando entre ambas naturezas, feminina e masculina num só corpo.

Lauren se agacha, joelhos dobrados e olhar fixo em seu reflexo. Ela passa as mãos por seus cabelos cortados na altura dos ombros, ondulados, seu pescoço livre de marcas, os ombros levemente mais largos do que muitos corpos femininos. Seus seios, Mayhew os sente na palma das mãos, suas costelas, sente na ponta dos dedos a clara divisão, as covinhas no estômago, amadas por Camila, suas coxas fartas.

A linha entre a repulsa e a aceitação é tênue, e hoje ela anda confusa numa corda prestes a desabar e derrubá-la em um abismo de abominação. Lauren não queria ter nascido assim, desde criança ouviu palavras incentivadoras da mãe, da sua beleza natural na discrepância.

Sim, ela nasceu com corpo diferente das outras meninas, mas isso nunca a faria menos mulher ou menos feminina se assim for. Caso não se sentisse assim, fora apoiada por ambos os pais a passar por uma transição de gênero, uma opção descartada pela adolescente no auge de seus 14 anos ao entender o significado imposto pela sociedade entre homens e mulheres. Ela é uma mulher, sempre soube ser uma, se sente uma mulher.

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