Capítulo 4

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"Podia ser ela mesma, quando estava só. E era isto que precisava fazer com frequência: pensar. Bem, nem mesmo pensar. Ficar em silêncio; ficar sozinha. E toda a existência, toda a atividade, com tudo que possuem de expansivo, brilhante, vibrante, vocal, se evaporavam. Então podia, com uma certa solenidade, retrair-se em si mesma, no âmago pontiagudo da escuridão, algo invisível para os outros."                      (Virginia Woolf)

Se eu disser que consegui dormir, ganharei o prêmio de mentirosa do ano, porque estou muito ansiosa. Na verdade tive um pequeno "desarranjo" estomacal e passei a noite me revirando entre os lençóis, desesperadamente ansiosa.

Acordo com uma mensagem de mamá. Acordo não, levanto. Je peux vous téléphoner? Ela não me espera responder, como sempre, e liga.

"Friducha? Está tudo bem sim, Mama está ligando para lhe desejar sorte na sua primeira leitura. Como eu sei? Você não me conta as coisas mas su pére sim. Estou muito orgulhosa de você. Eu sei que é só uma apresentação, Frida, mas ainda assim quero desejar sorte. Mamá está com muitas saudades também. Je t'aime. Te amo."

Não sei se foi um a boa ideia a ligação de mamá. Me apertou o peito senti-la aflita por não poder estar aqui no que julga ser me grande momento.

Cara, não é um prêmio, nem nada. Eu apenas vou ler.

Com grande esforço consegui convencer papa e tio Alec a não me assistirem a minha apresentação. Imagina, chegar lá com toda a família, os vizinhos e o cachorro. Não gente, eu ia morrer de vergonha. E mais, há boatos que alguns editores, escritores e bloggers iriam prestigiar o "show de horrores" para ajudar a promover a academia. Imagina se eu chegaria demonstrando o quão menininha de família e imatura eu sou. E outra, se me odiarem? Se minha crônica for um fiasco e receber severas críticas? Não quero decepciona-los.

Não fazia ideia do que vestir. Tio Alec sempre me diz que o seu guarda roupa é o reflexo da sua alma.

"Mostre-me o que vestes e eu te direi quem és"

Sua deixa para criticar ou elogiar o look que você compôs. Mas dessa vez eu dispensaria a sua ajuda. Estava a dois passos do paraíso ou do abismo e se eu não fosse capaz de escolher minha própria roupa, que credibilidade eu poderia passar a mim?

Escolhi um vestido delicado, pus um blazer por cima e tentei parecer o mais confiável possível completando o look da apresentação com sapatos de salto alto estilo boneca e uma bolsa preta, discreta. Peguei os cadernos. Peguei uma carona com tio Alec e por fim, pegamos um trânsito. Sério, o trânsito do Rio de Janeiro está pior que o da Índia. Pelo menos lá eles param para as vacas passarem.

"Pronto mi cielito, llegamos."
Acho lindo o jeito lindo que o tio Alec tem de misturar os idiomas e falar o portunhol mais gostoso da galáxia. Isso acontece, normalmente, quando ele está nervoso. Ele fala bem o português, mas quando a emoção entra no meio das frases, o espanhol funde-se e "abrasileira-se" dando esse resultado, que é todo trabalhado no unicórnio do fim do arco-íris.

Ao entrar, deparei-me com uma sala lotada e alunos nervosos.

"Você escreveu sobre o que? "

Perguntou-me um garoto negro, com grandes óculos, que da última vez fez um conto sobre aliens que vêm a terra pedir conselho aos humanos. Eu já falei que morro de medo de Ets? Não? Ok, eu morro de medo de ets. Certa vez, para divulgar um filme de invasão alienígena, puseram  no outdoor, que tem em frente ao nosso prédio, um grande cartaz com os dizeres: "Eles estão chegando". E isso ilustrado com esbugalhados olhos amarelos. Nem preciso dizer que passei um mês sem abrir a janela, certo?!

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