Capítulo 3,5

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"Sinto-me mal, e ficarei pior, mas vou aprendendo a estar sozinha e isso já é uma vantagem e um pequeno triunfo."       (Frida Kahlo)

Aula de Escrita Criativa - Crônica I: Memórias de uma feliz infância Imaginária.

Por: Frida Régnier.

Ainda escuto nossas risadas no fim da tarde. Risadas essas, outrora gargalhadas por todo o dia. O mundo era tão pequeno, e nós, dispostas a desvendar seus segredos. O cheiro doce dos domingos no parque perdura em minha memória, gruda feito chiclete, aqueles bem redondos, enjaulados na maquineta, que ansiosamente aguardávamos cair em mãos, assim que nossas ricas moedas adentravam seus cofres. E fazíamos lindas e gigantes bolas de chiclete. E por alguns instantes, o mundo não passava de imensas bolas. De chiclete. E era nesse universo cor-de-rosa, mascável e exageradamente doce, que se abrigavam nossas inocentes brincadeiras. Nosso esconde-esconde no quintal de casa, nossa amarelinha observada pelo sol. Os tesouros escondidos na casa da vovó. Os bolos da vovó. As histórias da vovó. As broncas da vovó. Ela sempre gostou mais de você, mas eu não ficava triste por isso, você sempre foi a mais doce, a mais cativante. Eu queria ter um pouco de você, mas era difícil demais ser pingo de lua o tempo todo. Aí eu resolvi te admirar, apenas. E deu certo. Às vezes, antes de dormir, eu agradecia ao papai-do-céu por você existir. Eu não entendia direito porque fazia isso, eu só me sentia feliz ao fazer. Lembra do dia que tentei pular o muro da escola e a diretora me pôs de castigo? Você me deu as mais severas broncas, mas ficou ao meu lado. Naquele dia, eu tive certeza que seríamos amigas para todo o sempre. No nosso mundo mascável. Sabe que eu ainda não sei como tudo passou a acontecer mais depressa, quando o mundo se tornou maior, menos simples e nada açucarado? Eu só lembro de despertar em meio a uma confusão de pernas, essas um tanto longas, e braços, quase do tamanho das pernas. Foi quando percebi que, ao salto do tempo, o mundo ao redor havia mudado. Da nossa velha infância, quase nada havia sobrevivido. As tardes de gargalhadas perderam a frequência. Os chicletes foram substituídos por cerveja. Por vinho. Por vodca. Por cerveja. Não mais histórias na casa da vovó. Nem mesmo vovó, ela que arrumou as malas e foi embora, seguida pela nossa infância. O mundo que dividíamos, hoje, é um mundo que tentamos unir. Nossos lares têm estado em outros estados. Os telefonemas não seguem uma frequência, a vida não deixa. Ela é sempre tudo-ao-mesmo-tempo-agora, não sobra espaço nem para a pobre respiração! O dia passou a ter apenas 24 horas. Nem um minuto a mais. Nem a menos. Ao menos quando a gente conspira contra ele e mesmo sem a vovó, jogamos fora as conversas um tanto amareladas, empoeiradas, mas que apesar das birras do tempo, permaneceram intactas, lindas. Com o mesmo cheiro suave e sabor açucarado dos chicletes da nossa infância. E sabe, mesmo com a pouca frequência desses encontros, sei que a amizade não se perdeu no mundo. Tampouco envelheceu com o tempo. Ainda rimos das mesmas coisas. Ainda temos os mesmos medos. E igualmente sentimos saudades da vovó. Acho que no fim das contas, o mundo real é esse mesmo, que a gente criou. Ele é cor-de-rosa, ou pode pintar a língua de azul. Mas é doce, é do tamanho que a gente quer e não se paga caro para ter. Às vezes nem se paga pra ter, isso se um amigo tiver e partilhar. Amigos têm disso, gostam de partilhar as coisas. Por isso quis dividir contigo essas memórias, afinal, são suas também. Ainda que de fato não tenham existido.

Bem, está aí. Não é uma "grande" crônica, mas inspiradora, espero.

Essa crônica eu escrevi pra Nina, já que me conhece tão bem que até parece termos crescido juntas. Estou esperando ela voltar para mostrar-lhe. Ela vai pirar. Poderia ter enviado por email, mas a Nina que eu conheço, não larga a câmera fotográfica em uma viagem. Eu precisava dela aqui, pra me ajudar. Alguns desejariam a mãe, ou o pai por perto. Mas não eu, com o pai tão perto que é quase impossível respirar. Não eu, com uma mãe tão egoísta que não se interessaria por nada que não fosse escrito por Bukowski ou Kerouac. Me senti tão confusa, tão carente, tão sozinha, que escolhi Nina como musa, uma pequena inspiração. Aquela que sabe ser presente até estando longe. Tudo aí escrito é verdade, exceto as memórias. Elas foram inventadas, pois parecia bem mais lógico compreender nossas afinidades tendo um passado de reconhecimento e autoconhecimento, juntas.

<7

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