Capítulo sem título 3

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"Aprendi por experiência própria que a melhor coisa a fazer é não falar o que realmente pensamos. Se não falamos nada, as pessoas concluem que não estamos pensando em nada além do que deixamos que elas vejam."
                                                                         (Por lugares incríveis - Jennifer Niven)


Papai não pára de perguntar pela crônica.

É como morar com seu professor, ser filha do meu pai.

- E aí Friducha, algo novo pra mostrar ao pai?

- Não pai.

Em seguida...

- Escreveu alguma coisa Frida?

- Não pai...

15 minutos depois:

- Não seria bom se você começasse a escrever? já é pra o fim de semana.

E depois e depois e depois novamente.

A cada vez que ele me faz a mesma pergunta, lanço meu olhar Ctrl+Alt+ 66 pra ver se ele entende que sim, ele está me pressionando e não, eu não funciono sobre pressão. Mas nunca funciona. Ele sempre finge que não entendeu e/ou que não é com ele.

Os dias voam e com a correria da escola, me desligo totalmente do curso. Cosa que deveria ser uma total prioridade para mim, de acordo com papa.

Até tio Alec largou os croquis e resolveu entrar no grupo "vamos-encher-o-saco-de-Frida"

"Nada ainda, tio Alec. Bloqueio criativo, eu acho"

Tentei dar uma desculpa mas acabou sendo pior, porque quando cheguei da escola e entrei no meu quarto, tinha uma mistura de entidades mexicana em minha escrivaninha, e um recadinho: Vai dar tudo certo, querida.

Pois é, tio Alec acredita em todas essas mandigas. Olho para a pequena estátua de La Muerte e concluo que não há esperanças para mim. Preciso fazer alguma coisa.

Então, para evitar a fadiga, resolvi escrever logo essa crônica. Eu poderia ser prática e entregar algo que já tenha escrito, mas isso não passaria despercebido aos olhos de má pére, o grande fiscal da minha criatividade. É e também tem aquele lance de expectativas, sabe, não quero decepcioná-lo.

Se já é difícil ser adolescente com pais separados e morar a cada semestre em um país, imagina então como é complicado ser filha de pais separados, morar a cada seis meses em um país e ter um pai super-protetor, que acha maravilhoso tudo o que você faz, logo, você é daquelas filhas que precisa ser perfeita, uma vez que você ama loucamente esse pai super exigente, e carrega algumas toneladas de expectativas em suas costas.

Eu sou a carregadora oficial das expectativas do meu pai.

Então escrevi.

Não foi das melhores, mas foi alguma coisa. Já é alguma coisa.

Tentei colocar o mínimo de sentimento. Não quero ter que compartilhar com uma pá de desconhecidos todo o emaranhado de sensações que é a minha vida.

Aliás, eu não queria ter que compartilhar da presença deles, só pra começar. Preferia gastar minhas manhãs de sábado lendo um bom romance ou fazendo a Bela Adormecida em um sono profundo. Mas eu sei que a vida não vai parar pre'u dormir. E se o que eu quero é mesmo escrever, tenho que começar a me dedicar mais a isso. Não que eu ache que vou aprender a escrever em um curso de Escrita Criativa. Criatividade não se aprende, mas se exercita. Estar lá é exercitar minha criatividade. E ligar minhas emoções aos meus pensamentos e fazer de cada ideia, de cada frase, um experimento para toda vida.

Resolvi ligar para a minha SMAI, minha Super Melhor Amiga de Infância. Ela está em Madrid, em um curso de roteirista cinematográfico. Precisava muito falar com ela, porque ela é linda, escreve maravilhosamente bem. Tudo que Nina faz é perfeito. Sou sua maior fã.

Ótimo, ninguém atende no hotel.

Amanhã é a apresentação e a única pessoa para quem eu posso ler meu texto é o meu pai que acha lindo até quando eu rimo sabão com limão.

Como não tenho muitas opções, tiro duas cópias e deixo uma em cima da mesa do estúdio de papa e outra na escrivaninha de tio Alec. Esse último vai ao lado de algumas pequenas estátuas de entidades mexicanas e uma pequena foto de Frida Kahlo.

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Tudo-ao-Mesmo-Tempo-AgoraOnde histórias criam vida. Descubra agora