"Aprendi por experiência própria que a melhor coisa a fazer é não falar o que realmente pensamos. Se não falamos nada, as pessoas concluem que não estamos pensando em nada além do que deixamos que elas vejam."
(Por lugares incríveis - Jennifer Niven)
Papai não pára de perguntar pela crônica.
É como morar com seu professor, ser filha do meu pai.
- E aí Friducha, algo novo pra mostrar ao pai?
- Não pai.
Em seguida...
- Escreveu alguma coisa Frida?
- Não pai...
15 minutos depois:
- Não seria bom se você começasse a escrever? já é pra o fim de semana.
E depois e depois e depois novamente.
A cada vez que ele me faz a mesma pergunta, lanço meu olhar Ctrl+Alt+ 66 pra ver se ele entende que sim, ele está me pressionando e não, eu não funciono sobre pressão. Mas nunca funciona. Ele sempre finge que não entendeu e/ou que não é com ele.
Os dias voam e com a correria da escola, me desligo totalmente do curso. Cosa que deveria ser uma total prioridade para mim, de acordo com papa.
Até tio Alec largou os croquis e resolveu entrar no grupo "vamos-encher-o-saco-de-Frida"
"Nada ainda, tio Alec. Bloqueio criativo, eu acho"
Tentei dar uma desculpa mas acabou sendo pior, porque quando cheguei da escola e entrei no meu quarto, tinha uma mistura de entidades mexicana em minha escrivaninha, e um recadinho: Vai dar tudo certo, querida.
Pois é, tio Alec acredita em todas essas mandigas. Olho para a pequena estátua de La Muerte e concluo que não há esperanças para mim. Preciso fazer alguma coisa.
Então, para evitar a fadiga, resolvi escrever logo essa crônica. Eu poderia ser prática e entregar algo que já tenha escrito, mas isso não passaria despercebido aos olhos de má pére, o grande fiscal da minha criatividade. É e também tem aquele lance de expectativas, sabe, não quero decepcioná-lo.
Se já é difícil ser adolescente com pais separados e morar a cada semestre em um país, imagina então como é complicado ser filha de pais separados, morar a cada seis meses em um país e ter um pai super-protetor, que acha maravilhoso tudo o que você faz, logo, você é daquelas filhas que precisa ser perfeita, uma vez que você ama loucamente esse pai super exigente, e carrega algumas toneladas de expectativas em suas costas.
Eu sou a carregadora oficial das expectativas do meu pai.
Então escrevi.
Não foi das melhores, mas foi alguma coisa. Já é alguma coisa.
Tentei colocar o mínimo de sentimento. Não quero ter que compartilhar com uma pá de desconhecidos todo o emaranhado de sensações que é a minha vida.
Aliás, eu não queria ter que compartilhar da presença deles, só pra começar. Preferia gastar minhas manhãs de sábado lendo um bom romance ou fazendo a Bela Adormecida em um sono profundo. Mas eu sei que a vida não vai parar pre'u dormir. E se o que eu quero é mesmo escrever, tenho que começar a me dedicar mais a isso. Não que eu ache que vou aprender a escrever em um curso de Escrita Criativa. Criatividade não se aprende, mas se exercita. Estar lá é exercitar minha criatividade. E ligar minhas emoções aos meus pensamentos e fazer de cada ideia, de cada frase, um experimento para toda vida.
Resolvi ligar para a minha SMAI, minha Super Melhor Amiga de Infância. Ela está em Madrid, em um curso de roteirista cinematográfico. Precisava muito falar com ela, porque ela é linda, escreve maravilhosamente bem. Tudo que Nina faz é perfeito. Sou sua maior fã.
Ótimo, ninguém atende no hotel.
Amanhã é a apresentação e a única pessoa para quem eu posso ler meu texto é o meu pai que acha lindo até quando eu rimo sabão com limão.
Como não tenho muitas opções, tiro duas cópias e deixo uma em cima da mesa do estúdio de papa e outra na escrivaninha de tio Alec. Esse último vai ao lado de algumas pequenas estátuas de entidades mexicanas e uma pequena foto de Frida Kahlo.
YyRbaj{[2E
VOCÊ ESTÁ LENDO
Tudo-ao-Mesmo-Tempo-Agora
Roman d'amourFrida, na certidão, em homenagem à artista mexicana. Friducha, para os pais. "Frida-Casca-de-Ferida", para os "haters" de sua infância. SMAI (Super Melhor Amiga de Infância), para Nina. Para si, apenas Frida: A garotinha de (quase) 17 anos, com um...